Folha de S. Paulo


China é cobrada a reconhecer e investigar massacre da praça, em 1989

Com a chegada, neste sábado (4), de mais um aniversário do massacre da praça da Paz Celestial, a violenta repressão do governo chinês a um protesto de estudantes em Pequim, em 1989, a China foi cobrada para que reconheça e investigue as violações e mortes no episódio e acabe com o cerco a manifestações sobre o ocorrido.

"O governo nunca aceitou a responsabilidade pelo massacre ou responsabilizou seus autores pelas mortes. Se negou a investigar ou dar informações sobre mortos, feridos, desaparecidos e presos", disse a Human Rights Watch (HRW) em um comunicado.

Há 27 anos, tropas enviadas pelo governo reprimiram, com tanques e tiros, milhares de estudantes e outras pessoas que protestavam havia semanas na principal praça de Pequim. A pauta de reivindicações da multidão era difusa, incluía o combate à corrupção e a reforma política.

"Me lembro do choque de ver tanques nas ruas de Pequim", conta a jornalista canadense Jan Wong, 63, que testemunhou de perto o episódio —depois relatado em seu livro "Red China Blues".

"Vi os soldados andando e atirando, era incrível, estávamos dentro da cidade! As pessoas não tinham armas, e os soldados ainda atiravam nas pessoas", relata à Folha.

Até hoje não se sabe quantos morreram —grupos falam em centenas e, talvez, milhares. O tema é um grande tabu na China, e manifestações críticas sobre ele são vetadas (muitos chineses nem sabem o que ocorreu nesta data).

Grupos de direitos humanos, como a ONG HRW e a Anistia Internacional, relatam casos recentes de prisões por "incitação à subversão" de quem se pronunciou sobre o massacre ou prestou homenagens às vítimas de 1989.

Em carta divulgada esta semana, o grupo Mães de Tiananmen (como é chamada a praça em chinês) diz que vive anos de "terror e asfixia" desde a repressão de 1989.

"É preciso coragem política e liderança para encarar os eventos de 1989 de uma forma aberta e honesta, e garantir que a justiça, atrasada, não seja negada", diz a Anistia Internacional em nota.

Ed Nachtrieb/Kim Kyung-Hoon/Reurters
A combination picture shows people filling Tiananmen Square in front of the Mausoleum of late Chinese chairman Mao Zedong and the Monument to the People's Heroes in Beijing, May 17, 1989 (top) and cars passing the same place May 31, 2016. REUTERS/Ed Nachtrieb/File Photo and Kim Kyung-Hoon (bottom) ORG XMIT: DSB03
Manifestantes na praça da Paz Celestial em maio de 1989 (cima) e foto atual da praça

LIBERDADE

William Nee, pesquisador sobre a China da Anistia Internacional, afirma que, frente às restrições hoje em vigor, seria quase impossível reunir, em um protesto na China, uma multidão como a de 27 anos atrás, em Pequim.

"O governo chinês fez grandes esforços para garantir que manifestações em larga escala sejam contornadas precocemente, também censurando notícias sobre elas dentro da China, garantindo assim que nenhum protesto isolado ganhe escala nacional", afirmou Nee à Folha.

Nesta sexta-feira (3), o Departamento de Estado americano divulgou uma nota em que também cobra o reconhecimento público das violações no episódio de 1989.

Além do chamado, o órgão se diz "seriamente preocupado com violações de direitos humanos em curso na China". Cita como exemplos, a prisão de advogados ligados a temas de direitos humanos, em 2015, e maiores restrições à expressão de opiniões.

Para Sophie Richardson, diretora de China na HRW, o reconhecimento das violações em 1989 e um eventual pedido de desculpas virão "quando a liderança deixar de ter medo de seu povo".

"E quando houver confiança para admitir erros terríveis e responsabilizar pessoas, incluindo seus pares", diz ela.

A embaixada da China no Brasil enviou uma nota escrita pela agência estatal de notícias Xinhua em que rejeita os comentários americanos sobre "a turbulência política em 1989".

"Comentários errados, como os feitos pelo lado norte-americano ano após ano, têm infringido severamente os assuntos internos da China e violado as normas básicas das relações internacionais", diz a nota, citando a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Hua Chunying.


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