Folha de S. Paulo


Frustração infla protestos no Chile contra Bachelet

Quando assumiu o cargo pela segunda vez, em 2014, a presidente de centro-esquerda Michelle Bachelet, 64, planejava transformar o país.

Prometia reformar educação, previdência, direitos civis e distribuição da renda, além de uma nova Constituição para que o Chile deixasse de ser o único país da região com uma Carta do tempo das ditaduras militares.

Embalada pelos números —deixou o poder em 2010 com 84% de aprovação e venceu a eleição de 2013 com 62%—, a médica cuja vida foi marcada pela ditadura (ela foi torturada, e o pai, morto) achava ter chegado o momento de maturidade política do Chile para deixar sua marca.

Com pouco mais da metade do mandato, que termina em março de 2018, Bachelet se vê obrigada a se conformar com limitações de conjuntura e uma aprovação de 21%.

Sua gestão vem sendo abalada por escândalos envolvendo membros de sua família e pela desaceleração da economia chinesa (e a consequente queda dos preços do cobre, que responde por 50% das exportações do Chile).

MAU MOMENTO PARA BACHELET - Cobre responde por metade das exportações do país

"Vamos ficar com propostas pendentes, e precisamos reprogramar projetos por conta de restrições de recursos e da necessidade de formar apoios mais amplos", disse ela em seu discurso anual no sábado (21).

"Um erro de Bachelet foi não construir uma relação com os partidos, o que dificultou aprovar leis e medidas quando o quadro econômico era mais favorável", declarou à Folha o cientista político Guillermo Holzmann, da Universidade de Valparaíso.

"A falta de credibilidade deste governo vem da sensação de promessas não cumpridas", acrescenta Monica González, do Centro de Investigação Jornalística do Chile.

ECONOMIA

Em 2015, o crescimento do país foi de 5,6%, e, para este ano, o FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta 2%. "A situação não é seríssima, mas as pessoas estão irritadas com a lentidão da resposta às promessas", diz Holzmann.

Protestos ganham as ruas. Quando ela discursava dia 21, houve uma manifestação violenta que culminou na morte de um segurança de 71 anos. Na última terça (24), estudantes disfarçados de turistas invadiram o palácio La Moneda para protestar.

Preço médio do cobre refinado - Na Bolsa de Metais de Londres (centavos de dólar por libra)

"Os jovens são os mais impacientes e quem melhor expressa esta crise de representatividade mundial. Na era da política nas ruas e por Whatsapp, a velocidade de aprovação de leis é insuportavelmente lenta", diz Holzmann.

"Nesse sentido, os protestos aqui têm a ver com os do Brasil em 2013. Os jovens querem respostas rápidas, menos ideologizadas, e carregam novas bandeiras, de transparência e ética."

A inquietação juvenil também é a mais ruidosa porque reformar a educação foi um dos principais compromissos de Bachelet.

Após as manifestações de 2011, ela iniciou a gestão com a responsabilidade de, gradativamente, tornar gratuito o acesso às universidades. O objetivo foi alcançado parcialmente –parte da legislação está parada.

Bachelet também queria, para a previdência e a saúde, aumentar impostos e mudar as regras de aposentadoria. A expectativa de vida no Chile hoje é de 80 anos e meio, a maior na América Latina.

CORRUPÇÃO E DIREITOS

Analistas de institutos de pesquisas atribuem a queda de popularidade em grande parte ao escândalo envolvendo seu filho, acusado de tráfico de influência. "O impacto foi muito negativo, hoje você lê pesquisas de credibilidade das instituições chilenas, que eram as mais bem colocadas da região, e nenhuma tem mais de 10% [de confiança]", ressalta Holzmann.

Mas Bachelet tem mais problemas. Nos direitos civis, uma de suas primeiras promessas foi apresentar um projeto de lei para permitir o aborto pelo menos em casos de estupro e de risco de vida da mãe. O projeto travou com os parlamentares católicos e a forte pressão da igreja.

Já em direitos humanos, apesar de iniciativas para reabrir processos, as associações chilenas da área consideram lenta a atuação da Justiça para punir membros da ditadura militar (1973-90).

"Vão se completar 30 anos da morte do meu filho, surgiram novas evidências e até confissões, mas o julgamento não anda", diz à Folha Veronica De Negri, mãe do fotógrafo Rodrigo De Negri, queimado vivo por militares durante a repressão a uma manifestação, em 1986.

O primeiro sinal de que lado irá o país virá nas eleições regionais de outubro, quando analistas esperam crescimento diluído de vários partidos, da esquerda à direita.

"Para a eleição presidencial [em 2017] estamos ainda sem perspectiva, temos dois ex-presidentes postulando-se, Ricardo Lagos e Sebastián Piñera. Opções velhas", diz o cientista político Fernando García Naddaf, da Universidade Diego Portales.

Forças como o pré-candidato Giorgio Jackson, 29, egresso dos protestos de 2011, poderiam oxigenar a política. "O problema é que nossa lei é antiquada e só permite que alguém se candidate com mais de 40 anos, então nossas opções se reduzem à velha classe", aponta Naddaf.


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