Folha de S. Paulo


Insistência de Bernie Sanders divide democratas e ajuda Donald Trump

Num hotel em Las Vegas, cadeiras voam, grupos trocam insultos e líderes partidários recebem ameaças de morte. A segurança acaba com a convenção, etapa estadual para escolher o candidato da legenda à Casa Branca.

Seguem-se ao quiproquó súplicas dos caciques: "Precisamos unir o partido".

Até pouco tempo, a cena seria associada ao racha dos republicanos pró e contra Donald Trump, seu hoje inevitável presidenciável.

Mas a carapuça agora veste os democratas, que testemunharam a escalada de violência entre eleitores de seus dois pré-candidatos, Bernie Sanders e Hillary Clinton, há uma semana, em Nevada.

E o que aconteceu em Las Vegas pode não ficar em Las Vegas: teme-se a contaminação da campanha democrata, sobretudo em um momento em que redes sociais amplificam discórdias e pesquisa aponta que a vantagem de Hillary sobre Trump encolheu (45,8% a 42,7%, na média do site Real Clear Politics).

A matemática coroa a ex-secretária de Estado, que já conquistou 2.293 dos 2.382 delegados necessários para ser nomeada candidata do partido. Ainda há 937 em disputa.

O rival só a superaria com um desempenho nas prévias restantes superior a 90% (até então, ele pairou em 45%) e, algo irrealista, invertendo totalmente a tendência entre os "superdelegados", que podem votar na convenção sem ouvir as urnas e, por ora, a preferem à razão de 9 para 1.

Mas Sanders não desiste. E continua a ganhar prévias, como a de Oregon, dia 17.

Se Hillary não tem força para se impor agora, como será com a máquina republicana?

Até pouco, a persistência do senador era bem vista: ele animava o eleitorado, e seria injusto pedir que desistisse se Hillary lutou contra Barack Obama, em 2008, até o fim.

Mas o discurso mudou. Colegas no Senado cobram de Sanders "responsabilidade partidária". À CNN, na quinta (19), a pré-candidata lembrou da "ameaça dramática" de um presidente Trump.

Para a cúpula, ele não só não ajuda (ao tirar o foco da disputa de novembro) como atrapalha, alimentando o sentimento anti-Hillary.

ECO

Trump já repete golpes de Sanders ("ele estava certo, ela não é qualificada para ser presidente") e ecoa as críticas à ligação de Hillary com Wall Street. De 2013 a 2015, ela recebeu US$ 21,6 milhões por 94 palestras em bancos e instituições financeiras, segundo sua campanha.

"Nevada mostra a frustração dos pró-Bernie. E eles tendem a ser idealistas, algo perigoso para Hillary", afirma à Folha o consultor político Larry Ceisler.

"Preocupo-me que venha aí uma versão esquerdista do Tea Party", disse o senador republicano Lindsey Graham, aludindo o movimento ultraconservador que explodiu na década passada.

Em Las Vegas, eleitores de Sanders se enfureceram após uma manobra dar a Hillary um punhado de delegados a mais três meses após a prévia do Estado (vencida por ela). A votação foi adiantada em 30 minutos e não houve recontagem de votos, alegaram.

Sanders condenou a violência, mas acusou a liderança de impedir um processo "transparente e justo".

Ronda o fantasma da convenção da legenda em 1968. Primeiro após os assassinatos do presidente John F. Kennedy e do líder civil Martin Luther King, com a guerra do Vietnã à espreita, o evento foi palco de violentos protestos.

"Um dia a mais com Bernie é um dia a menos para Hillary unir o partido", diz Ceisler.

E não dá para comparar com 2008, afirma. "Quem apoiava a ex-senadora poderia eventualmente abraçar Obama. Já Sanders tem uma base ideológica e salienta as diferenças entre os dois."

Hoje, 3 de 10 eleitores de Sanders dizem que não votariam na rival. Hillary afirmou que 40% de seus apoiadores rechaçavam Obama em 2008, algo que ela reverteu. "Sanders tem de fazer sua parte."

*

OS NÚMEROS

HILLARY CLINTON, 68
ex-chanceler

2.293 delegados
(96,3% da meta)

56,6%
votação nas prévias

BERNIE SANDERS, 74
senador

1.533 delegados
(64,4% da meta)

43,4%
votação nas prévias

Fonte: Real Clear Politics


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