Folha de S. Paulo


Serra diz não promover partidarização às avessas da política externa do Brasil

O chanceler José Serra afirmou nesta quinta (19) que sua promessa de "despartidarizar" a política externa brasileira, aparente alusão aos governos petistas, não é uma "partidarização às avessas".

"[Que vamos] despartidarizar não tenho a menor dúvida. Agora, dizer que eu estou partidarizando é ridículo, até porque estou há uma semana [como chanceler], não há indício nesse sentido e não vamos fazer", afirmou, ao ser indagado pela Folha, durante evento no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, na capital.

Evaristo Sá/AFP
O novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, no Palácio do Itamaraty, em Brasília
O novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, no Palácio do Itamaraty, em Brasília

"Não é meu estilo, não é estilo do governo. É outro departamento. A gente sabe quem está acostumado a aparelhar", afirmou.

A "despartidarização" é a primeira das dez diretrizes anunciadas por Serra em seu discurso de posse como chanceler, na quarta-feira (18).

No conjunto, as propostas para a política externa brasileira marcam um distanciamento das políticas praticadas durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10) e da presidente afastada, Dilma Rousseff.

Isso ocorreu sobretudo no alinhamento político regional —as administrações petistas preferiram governos de esquerda, como os de Venezuela e Bolívia, e Serra preconiza a Argentina sob o centro-direitista Mauricio Macri— e na política comercial (o atual chanceler mira acordos bilaterais, em lugar da negociação multilateral a qual o país se dedica desde 2001).

Serra também negou que tenha imprimido "carga ideológica" nas primeiras notas diplomáticas emitidas pelo Itamaraty sob seu comando, que chamam de "falsidades" questionamentos dos governos de esquerda da região sobre a lisura do processo de impeachment de Dilma.

"Não, [esses países] estão dizendo coisas falsas a respeito do Brasil, a gente tem a obrigação de sublinhar isso apenas", respondeu a jornalistas antes do evento.

O chanceler ainda elogiou a posição do representante dos EUA na OEA (Organização dos Estados Americanos), Michael Fitzpatrick, que contestou a acusação de que o processo em curso no Brasil seja um golpe e disse confiar nas instituições do país, acrescentando que o real problema na região ocorre na Venezuela, palco de uma crise econômica, política e de escassez.

"Não pedimos que ninguém opinasse. Já que tem países que opinaram, os outros também opinam e a posição dos EUA é correta", disse. "Essa contestação é aparelhada, vamos ser francos."

Na mesma noite, em entrevista transmitida pela Globonews, sublinhou a crise venezuelana, mas afirmou que o Brasil "não vai interferir no processo interno do país".

Na mesma entrevista, também questionou a atuação do país na África ao longo dos anos, defendendo ações que, a seu ver, tenham maior retorno. "O brasil não tem que ficar posando de um tiozão bonzinho", declarou.

COMÉRCIO EXTERIOR

Serra afirmou aos jornalistas no evento em São Paulo que a América do Sul é prioritária na agenda de comércio exterior do país. O ministro disse que, caso Dilma seja afastada em definitivo, os dois anos e meio de governo Temer serão suficientes para promover avanços comerciais mesmo com os EUA e União Europeia, cujos tratados comerciais demandam longas negociações parlamentares.

"Já tem coisas em andamento, algumas precisam ser aceleradas, outras precisam ser revistas, outras fortalecidas", afirmou. "O que a gente tem é que mudar a tendência, mudar o sinal, tem que criar impacto no mundo com produtos brasileiros."

Ele negou preferência pelos EUA em detrimento da China ou de outras regiões como a África. "Os EUA são muito importantes, a China é muito importante. Vamos fazer uma política em escala mundial. A África é importante? Muito. A Ásia, China? Muito. América do Sul? Especialmente importante, porque é o nosso continente. EUA, um grande parceiro; potencialmente maior ainda."

Serra defendeu o fortalecimento do Mercosul. "Ainda existem muitas barreiras que subsistem. Temos que fortalecer o livre-comércio, procurar formas de flexibilizar o Mercosul de maneira que a gente possa fazer acordos bilaterais com outros países do mundo, em outros continentes. Na forma que está hoje isso se torna difícil porque que tem que levar todos os países juntos."

AMBIENTE

O chanceler disse que não teme atritos com o colega de Esplanada Blairo Maggi, que assumiu o Ministério da Agricultura e é alvo de críticas por praticar desmatamento em suas propriedades de cultivo de soja.
Serra escolheu o ambiente como o terceiro tema prioritário de sua gestão.

"Nós somos colegas no Senado então o entendimento vai ser muito fácil." Ele diz não ver diferenças de pontos de vista. "Quer saber de uma coisa? A grande agricultura hoje tem interesse em ter um marco ambiental bem construído, que preserve o que a gente tem e que pode atrair recursos do exterior para essa preservação."

O chanceler também prometeu pagar dívidas do Brasil com organismos internacionais como a ONU não apenas para garantir o direito de voto, mas porque, disse, "não pega bem para o Brasil do ponto de vista da imagem".

"Nós vamos fazer uma política de austeridade. Não tem interesse em gastar mais, mas tem interesse de eliminar o atrasado."

A liberação de recursos, no entanto, depende do Ministério do Planejamento, comandado por Romero Jucá (PMDB). No início da semana, Serra pediu R$ 800 milhões à pasta para cobrir o rombo no orçamento do Itamaraty.


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