Folha de S. Paulo


Com Trump presidente, Brasil será mais ouvido, diz assessor de magnata

Donald Trump dedica boa parte de seus discursos de campanha a criticar outros países e martelar a ideia de que os EUA estão sendo passados para trás, tanto por rivais quanto por aliados.

"América primeiro" é como o pré-candidato republicano passou a chamar sua doutrina de política externa, reforçando a impressão de que, com Trump na Casa Branca, os EUA mergulharão numa era de isolacionismo.

Walid Phares, um dos principais assessores de política externa do empresário, diz que o temor não tem fundamento. Trump é um "universalista" que usará sua experiência nos negócios para fazer acordos e estabilizar o mundo se eleito presidente.

Nascido no Líbano, onde foi advogado, escritor e líder político, Phares, 58, é especialista em contraterrorismo e está em sua segunda campanha presidencial. Em 2012, foi assessor do candidato republicano derrotado, Mitt Romney, hoje um dos maiores opositores de Trump.

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Walid Phares, assessor de assuntos internacionais de Donald Trump Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Walid Phares, assessor de assuntos internacionais de Donald Trump

Longe da agitação da campanha, Phares recebeu a Folha numa sala de aula da universidade de que é reitor, a metros da Casa Branca. Segundo ele, Trump, se eleito em 8 de novembro, abrirá um novo capítulo na relação com o Brasil.

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Folha - Em seus discursos, Trump cita muito Ásia, Europa e Oriente Médio, mas só menciona a América Latina para falar do muro que pretende construir na fronteira com o México. Como seriam as relações do presidente Trump com a região e com o Brasil?

Walid Phares - Minha expectativa é de que o sr. Trump abra um capítulo novo e especial nas relações com a América Latina em geral e especificamente com o Brasil, como ele já mencionou. Ele quer renovar as relações entre os EUA e os polos emergentes do mundo, incluindo a Rússia. Também menciona a China, a Índia e o Brasil.

Seu conselho de política externa tem se concentrado nesses polos, incluindo o Brasil. Ele quer se consultar com esses líderes para melhorar as relações econômicas internacionais. Então, acho que o Brasil será mais ouvido do que foi por qualquer outro presidente dos EUA. A ideia é trabalhar com esses países pela estabilização. Ele acha que, se não consertarmos a economia mundial, todos perderão. Há muitos motivos para ele se engajar com o Brasil.

O sr. fala em consenso, mas os constantes ataques a outros países sugerem uma política isolacionista. É isso?

Ele não disse que não quer trabalhar com outros países, apenas que temos uma situação injusta com outros países. É da natureza dele. Ele não vem do mundo acadêmico nem da política, é um fazedor de acordos.

Ele não tem ideologia em nenhuma direção, a não ser, claro, a segurança nacional e os interesses dos EUA, como qualquer país. Mas ele está se preparando para rever todos os acordos e conversar sobre aqueles que considerar injustos. A era em que os EUA podiam fazer tudo em todo lugar acabou.

Ele é o oposto de um isolacionista, mas não em termos de interferir nos assuntos domésticos dos países. Nisso ele é claro, não haverá mais "construção de nações" [o conceito de contribuir para a queda de um governo e reconstruir suas instituições] pelos EUA. Faremos parcerias com outros países, mas só quando houver uma ameaça à nossa segurança nacional ou de nossos aliados.

Essa é a doutrina "América primeiro"?

"América primeiro" não significa América sozinha. É basicamente normalizar os EUA. Primeiro, é preciso cuidar dos problemas domésticos. Os EUA estão excedendo sua capacidade no mundo enquanto não cuidam de si mesmos. Essa é uma demanda da população americana, por isso ele está recebendo tanto apoio. Não significa que os EUA ficarão sozinhos.

Muitas declarações parecem irrealistas, como taxar em 45% as importações chinesas, o que pode levar a uma guerra comercial. Ele acredita em propostas assim ou elas são só a posição inicial de barganha?

Se você ler o livro dele, a conclusão é exatamente essa. Ele acredita que você primeiro tem de mostrar qual o seu interesse e ser transparente.

Os acordos que ele fizer não serão secretos. Ele virá a público e explicará exatamente o que está acontecendo, para ter apoio popular.

Mesmo em assuntos de segurança, ele irá às grandes potências como Rússia e China, para tentar internacionalizar os arranjos atuais. Não irá deflagrar guerras comerciais, mas o que os russos chamaram de "glasnost", transparência. Se os EUA, a Rússia, a China e outras grandes nações tivessem um acordo, uma organização como o EI seria liquidada.

Algumas das ideias dele, como admitir que Japão e Coreia do Sul tenham armas nucleares, contrariam princípios da política americana reconhecidos pelos dois partidos, nesse caso o da não-proliferação.

Trump quer ser claro com nossos aliados, como Japão e Coreia do Sul, que ficam em uma região onde gastamos muito em segurança. Precisamos ter uma divisão justa [do ônus], isso é lógico. Estamos dizendo a países ricos que eles podem dividir os custos em defesa com os EUA ou cuidar da própria defesa. Não é uma mudança de normas nas alianças. Se forem atacados, estaremos do lado deles.

Ele falou na hipótese de usar armas nucleares contra o EI.

É preciso entender o contexto em que ele mencionou essa possibilidade, como último recurso, sem que tenha que se tornar realidade. No caso do EI ele disse que não descartaria nada. A possibilidade de o outro lado obter armas nucleares e usar contra nós é um dos cenários que têm sido apresentados, inclusive para o governo atual.

Se sabemos quem eles são e sua localização, e a única forma de eliminá-los é usar força maciça, incluindo armas nucleares táticas, acho que mesmo os governos mais moderados não descartariam nenhuma opção.

O que ele mudaria no combate ao EI em relação a Obama?

A prioridade na Síria para o sr. Trump é a área controlada pelo Estado Islâmico. O EI precisa ser destruído. Mas ele não quer ver o EI destruído para depois ser substituído por outros combatentes islâmicos. Quer preparar o terreno para o que virá depois.

Há duas possibilidades, uma na Síria e outra fora.

Dentro, há uma área chamada Hasakah, no nordeste do país, que está livre do EI e do regime de Bashar al-Assad. Os curdos, cristãos e sunitas que vivem nessa área devem ser apoiados. Essa área receberia os refugiados, que não teriam que escapar para outras partes do mundo.

A segunda iniciativa é uma coalizão árabe, com os egípcios, os Emirados Árabes, os jordanianos e outros. A ideia é que uma coalizão sunita cuide do EI, e depois que o grupo for derrotado todos se sentem para negociar. Algo tem que mudar, e essa mudança é a eliminação do EI.

Não parece muito diferente da política do governo Obama.

O governo de Barack Obama está enviando mais tropas para treinar as forças locais, mas não há armas estratégicas suficientes. Um governo Trump mandará muito mais armas e um pouco mais de treinadores. Não há divergência sobre tropas terrestres, nós também não enviaremos. A diferença é que o governo Obama não quer ser visto como parceiro dessas forças em campo. O papel principal tem que ser das forças locais, e elas precisam de apoio.

Como especialista em contraterrorismo, qual seu conselho a Trump?

Em 2005, quando publiquei o livro "Jihad do Futuro", eu projetei que na década seguinte haveria uma mutação nos terroristas, com penetração mais profunda nas sociedades, eventalmente agindo sem conexão com organizações, o que o levaria o problema a crescer como um câncer.

Eu os chamei de "jihadistas mutantes". É por isso que vemos agora jihadistas ocidentais indo para a Síria e o Iraque. Estamos num momento crítico.

Depois dos atentados em Paris e Bruxelas, a Europa enfrenta uma situação muito mais perigosa e percebe como o câncer jihadista é profundo. Na França há milhares.

Nos EUA, o diretor do FBI disse que há investigações em todos os 50 Estados. O apelo hoje é maior. Enquanto a Al Qaeda disse que queria criar o califado, o EI disse que o criou, fincando sua bandeira.

Isso ativou as células jihadistas ao redor do mundo. A primeira e mais importante recomendação que eu dou há muito tempo aos congressistas, é que é preciso identificar a ideologia. Critico o governo Obama por ter ignorado a ideologia.

Nos primeiros cinco anos sequer falava o nome, usava extremismo ou outra expressão. Sou um dos poucos especialistas em jihadismo que faz uma distinção entre ideologia e religião. Religião é um livro na estante, nunca muda. O que muda é a ideologia.

O Ocidente precisa designar a ideologia, como fez com o nazismo e o antisemitismo. Para mim, a definição é jihadismo. Islã radical é fluido demais. E nós árabes concordamos nisso. Critico o governo Obama por não ter sequer um consenso com o mundo árabe.

Na Primavera Árabe muitas pessoas se levantaram contra o jihadismo, mas seus assessores o mantiveram com tanto medo que ele ficou com uma fobia. As pessoas falam em islamofobia, eles é que tem uma fobia.

Se nós e os europeus nos unirmos aos moderados no Oriente Médio, a guerra vai ser terminada por eles. Quando o Ocidente olha para o Oriente Médio só vê regimes opressores ou islamistas. Não vemos o que está por baixo.

Na Tunísia, no Egito, no Líbano, no Irã, nunca de fato atingimos os moderados. Eles estão em todos os países, mas nós os abandonamos. Talvez eu seja otimista demais, mas acho que se adotarmos a política certa, as coisas podem mudar.

Trump rompeu uma tradição da política americana de aliança automática com Israel ao dizer que seria neutro no conflito com os palestinos. Depois colocou pressão nos palestinos ao falar numa conferência do lobby pró-Israel. Qual a posição dele?

O princípio de aliança com os EUA é algo constante entre todos os candidatos e presidente, isso ninguém pode mudar agora, é a realidade. Se Israel for atacado ou estiver sob ameaça, os EUA sob Donald Trump estarão com Israel, provavelmente mais que o governo Obama.

A diferença é que o sr. Trump, enquanto aliado de Israel, quer ser o melhor negociador entre Israel e os palestinos. Ele disse que vai sentar no meio da mesa. Porque se você senta com os israelenses, significa impor as condições aos palestinos, isso não funciona.

O sr. Trump quer ser o negociador. Ele se sente próximo o suficiente de Israel e do atual premiê, portanto eles não se sentiriam abandonados, como ocorreu com Obama.

Com os palestinos há duas coisas. Primeiro, eles tem que se unir. A divisão interna, com o Hamas controlando Gaza apoiado pelo Irã, precisa ser resolvida. Não dá para negociar com metade dos palestinos. E há um componente regional, já que o Hamas é ligado ao Irã e à Irmandade Muçulmana.

Sobre o Irã, um das condições para renegociarmos o acordo nuclear seria que o Irã mudar suas ações na região, como o apoio ao Hamas e ao Hizbullah (no Líbano). Se a ajuda do Irã ao Hamas acabar, a situação dos palestinos irá melhorar e isso permitirá que o [presidente] Mahmoud Abbas avance rumo a um acordo com Israel.

Uma das críticas é que Trump não tem conhecimento suficiente de política externa para ser o comandante-em-chefe dos EUA. Quanto ele sabe?

Ele tem conhecimento, mas não vem da política, vem do mundo dos negócios.

Nós, assessores, não temos permissão para dizer como é o processo de decisão. Mas algumas coisas são claras. Ele tem uma mente inquisidora. Faz inúmeras perguntas, precisas como laser. Se você faz uma apresentação, ele não espera até o fim, faz muitas perguntas e depois quer saber quais são as alternativas. Isso vem das negociações internacionais. Nenhum presidente acorda sabendo tudo o que acontece no mundo. Ele se informa por relatórios de inteligência que recebe.

O sr. foi acusado em reportagens publicadas nos EUA de ligação com milícias responsáveis por massacres durante a guerra civil libanesa. Também é apontado como propagador de islamofobia. Como reage?

Em 1986 eu fui apontado como representante do meu partido político no conselho da Frente Libanesa, que incluía todas as forças da comunidade cristã libanesa em áreas livres dos sírios e do Hizbullah.

A coalizão supervisionava as Forças Libanesas, que protegiam essa área. Meu partido político não tinha força militar. Fui nomeado ministro do Exterior da coalizão e nessa capacidade até visitei o Brasil.

Um grupo de maus elementos das forças libanesas atiraram e mataram pessoas Qual a ligação comigo? Se policiais no Rio vão numa favela e matam pessoas, o chanceler do Brasil é responsável?

Esses ataques vem de dois lobbies. Um é próximo dos iranianos, o outro da Irmandade Muçulmana. Islamofobia é medo do islã. Como posso ter medo se dou aulas sobre o islã? Conheço o Alcorão de cor. Me criticam porque sabem que sou letal como representante dos muçulmanos moderados.


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