Folha de S. Paulo


Fronteira grega se torna limbo de refugiados que buscam a Europa rica

Amel Emric/Associated Press
Migrant men are reflected in a pond as they walk among tents, at the makeshift camp at the northern Greek border point of Idomeni, Greece, Monday, April 11, 2016. More than 12,000 people have been stuck her for more than a month amid hopes that the border would reopen. (AP Photo/Amel Emric) ORG XMIT: XAE114
Migrantes em campo de refugiados em Idomeni, na fronteira grega com a Macedônia, em abril

Três crianças se aproximam de um soldado macedônio: "Hello, my friend!" O militar sorri e as fotografa com o celular. A interação morre aí, pois há uma barreira física entre eles: a cerca erguida pela Macedônia para impedir a passagem dos que estão do outro lado, no campo de Idomeni, no norte da Grécia.

O bloqueio criou o maior acampamento de refugiados da Europa, um símbolo da crise migratória no continente.

Ali vivem cerca de 10 mil pessoas, segundo o governo grego —segundo ONGs, são 12 mil. Apesar da precariedade, a maioria diz que vai esperar o quanto for preciso para seguir rumo à Europa Central.

O número de acampados é quase 70 vezes maior que o de habitantes do vilarejo rural de Idomeni, cuja população, hoje de 150 pessoas, vem diminuindo. Assim, criou-se uma cidade à parte, gerida por ONGs, já que autoridades gregas não reconhecem o local como campo oficial.

Enquanto a fronteira estava aberta, Idomeni era um ponto de parada por causa da estação por onde passavam os trens rumo aos países balcânicos, rota de 1 milhão de refugiados em 2015, que deixaram sobretudo a Síria, em guerra civil, para chegar à Alemanha e a outros países europeus ricos.

O cenário mudou em 9 de março último, quando o governo macedônio bloqueou a passagem após Sérvia, Croácia e Eslovênia anunciarem que não deixariam mais refugiados cruzarem suas terras.

"Cheguei em agosto, quando alguns refugiados paravam para comer e seguiam. Havia uma só tenda de auxílio. Hoje é isso", diz a grega Katerina Goulas, 25, apontando centenas de barracas espalhadas em torno da estação, inclusive sobre os trilhos. Goulas é coordenadora local da ONG Praksis, responsável pela principal ação de distribuição de comida no campo, onde mais cinco entidades oferecem alimentos.

Diariamente, a Praksis distribui cerca de 6.000 pacotes com sanduíche e uma fruta pela manhã e início da tarde e depois 5.000 marmitas (geralmente carne, batata e um legume ou verdura) entre o meio da tarde e o início da noite. A intenção ao fazer só duas distribuições é evitar aglomeração durante o dia em frente aos contêineres da ONG.

Na fila organizada, centenas se apertam em um estreito caminho cercado. Quando alguém fura, os demais batem na cobertura de zinco. Brigas são constantes, e policiais gregos observam para interceder, se necessário.

PRECARIEDADE

O acampamento cresceu ao redor da estação, onde estão os espaços mais procurados pelos refugiados para se proteger do frio e da chuva.

O iraquiano Mohammed Raad, 25, vive ali. Em um vagão-dormitório abandonado, espreme seu 1,90 metro no cubículo de 5 m² dividido com um amigo palestino.

Há dois meses em Idomeni, queria ir para a Alemanha, mas agora aceita qualquer país: "Vou para Suécia, Portugal, Áustria, onde der".

Ele conta que seu dinheiro praticamente acabou e gasta o que resta com cigarros, vendidos em banquinhas abertas pelos refugiados. Como a maioria dos homens ali fuma, o maço, a € 2 (R$ 8), é um dos artigos mais procurados.

Onde há cobertura, alguém ocupa. Até o estábulo de uma antiga sede de fazenda ao lado da estação foi tomado.

Manter condições mínimas de higiene é um desafio. Há 200 banheiros químicos, cuja limpeza cabe aos Médicos Sem Fronteiras, ONG que tem 200 pessoas no campo.

O coordenador da MSF em Idomeni, Emmanuel Massart, admite que os banheiros são insuficientes: "Queremos instalar mais, mas dependemos dos donos das terras".

Muitos se aliviam ao ar livre. A situação se agrava quando chove. Num dos dias em que a reportagem visitou Idomeni, uma tempestade de granizo criou grandes poças, onde crianças se divertiam.

O ambiente é propício para doenças transmitidas por água contaminada; agentes de saúde gregos registraram um caso de hepatite A, despertando temor de um surto.

Nas últimas semanas, ao menos 300 refugiados desistiram da espera e foram para campos do governo, mas grande parte não quer sair.

O sírio Hasan Fathullah, 25, está em Idomeni há quase dois meses com a mulher, Shakria, 20. Sonha com a Alemanha, mas "Holanda e Suécia seriam bons também". Para o casal, o acampamento representou o começo da família: Ziena, de 40 dias, nasceu lá. Fathullah fez amizade com outro sírio, Abdu al-Rahman, 21, e os dois pretendem seguir juntos se a passagem abrir.

No último dia 10, rumores de que a fronteira seria reaberta fizeram centenas avançar sobre a cerca. Cerca de 300 pessoas ficaram feridas após a polícia macedônia responder com bombas de gás e balas de borracha. As marcas desse confronto ainda são visíveis: restos de roupas dos refugiados presos ao arame.

Em nota enviada à Folha, o Centro para a Crise dos Refugiados criado pela Grécia informou que pretende retirar de Idomeni cerca de 4.500 pessoas nas próximas duas semanas. "Irão para instalações com melhores condições e apoio adequado do governo grego", diz o texto.

As autoridades, porém, terão de vencer a resistência de quem quer ficar. Sírio de Raqqa, Hlail Mohammad, 45, diz não se importar em esperar.

Sua barraca está ao lado da cerca, que usa como varal. Apontando para o arame farpado, com um gesto de tesoura, ele se vira para a reportagem e pergunta: "Quando?".

ARREDORES

Depois de uma curva na estrada grega que leva à Macedônia, uma placa indica um posto de gasolina, mas dezenas de barracas escondem a entrada. É um dos acampamentos "pré-Idomeni", como dizem voluntários de ONGs.

São habitados por quem saiu do campo de refugiados da fronteira ou não quer ir para lá, mas pretende ficar nos arredores caso o governo macedônio reabra o caminho.

O posto, a 25 km de Idomeni, continua a funcionar, mesmo com a presença de cerca de 500 refugiados. Crianças pulam corda entre as bombas de combustível, e homens fumam não muito longe. A voluntária sueca Jessica Filipson, 25, da ONG Boat Refugee Foundation, chegou há duas semanas, após passar um período em Idomeni.

Ela distribui pão e frutas. "Aqui é mais tranquilo que na fronteira. Eles ouvem histórias de brigas por lá e preferem esperar à distância."

O sírio Ali, 32, veio sozinho de Aleppo e chegou ao posto em 9 de março, dia em que a Macedônia fechou a fronteira. Por falar inglês, virou intérprete dos voluntários. Ele diz que só sairá dali quando o caminho rumo à Europa central for reaberto. "Para Idomeni, não vou nunca."


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