Folha de S. Paulo


Com medo de mudanças nas leis de migração, cubanos fogem do país

Embora mais de 50 anos de inimizade entre os Estados Unidos e Cuba estejam desaparecendo lentamente, a relação renovada está levantando preocupação entre alguns na ilha comunista de que os EUA também possam apagar a única política de imigração que favorece os cubanos.

Esses temores são infundados, mas dezenas de milhares de cubanos fugiram desde que o presidente Barack Obama anunciou a normalização das relações entre os países no final de 2014. A pressa em ir embora levou a um maior número de pessoas a tentar fazer a perigosa travessia no mar nos últimos oito anos, de acordo com documentos do Departamento de Segurança Interna obtidos pela Associated Press.

"A percepção é de que a hora é esta. Dado tudo o que está acontecendo, eu consigo entender como essa ideia [de fugir de Cuba] surgiu", disse o capitão da Guarda Costeira Mark Gordon.

A aproximação entre os inimigos da Guerra Fria pode ter benefícios para as pessoas de cada um dos países. Mas os cubanos temem que, uma vez que os turistas e as empresas americanas forem para Havana, políticos americanos se mexerão para acabar com uma política de imigração que, basicamente, permite que qualquer cubano que consiga chegar ao solo americano permaneça lá.

Os cubanos podem obter status de residente permanente depois de viver nos EUA por um ano e mais tarde podem se tornar cidadãos como parte da Lei de Ajuste Cubano, que tem décadas de existência. Nenhuma outra comunidade de imigrantes recebe o mesmo tratamento na chegada. A maioria dos estrangeiros que tentam ir para os Estados Unidos sem visto tenta cruzar a fronteira com o México ilegalmente e, normalmente, é presa e deportada.

O tratamento especial para os cubanos tem sido um atrativo, mas as tentativas para chegar aos EUA por mar atingiram níveis preocupantes recentemente.

Durante o ano fiscal de 2015, mais de 4.400 cubanos partiram para os EUA por mar, um aumento de 20% sobre o ano anterior, segundo dados da Guarda Costeira. A agência teve de intensificar sua presença no estreito da Flórida para lidar com jangadas improvisadas superlotadas ou barcos impróprios para navegação. Entre outubro de 2015 e março deste ano, mais de 4.300 pessoas tentaram fazer a perigosa viagem.

Imigrantes capturados no mar são devolvidos a Cuba, assim, a corrida tem deixado as pessoas mais desesperadas. Algumas se ferem com facas ou armas na esperança de serem levadas a um hospital nos EUA, em vez de serem enviadas de volta. Outras tentam fugir das equipes de resgate e recusam os coletes salva-vidas.

Mais de 25.800 outras pessoas também chegaram aos portos de entrada – a maior parte delas cruzou a fronteira em Laredo, no Texas.

Lourdes Mesias, que lidera o programa de refugiados para os Serviços Luteranos da Flórida, disse que os imigrantes recém-chegados têm descrito viagens angustiantes, tanto no mar quanto em terra, para a América Latina e para o México.

"Como cubanos, não vemos quaisquer mudanças no horizonte", disse Mesias, que veio de Cuba para os Estados Unidos há 17 anos. Em vez disso, afirmou, as condições econômicas na ilha "estão piores a cada dia" e a garantia dos direitos humanos ainda tem de melhorar.

"Essa é a razão pela qual eles estão se colocando nessas situações de risco muito alto", disse Mesias. "Estão lutando pela esperança. Por algo melhor."

Embora a migração tenha sido um tema de discussão entre os dois países, as mudanças nas leis de imigração dos EUA não foram formalmente propostas por nenhum dos governos.

Jorge Beltrean-13.abr.16/AFP
Moradora compra em uma venda de Havana
Moradora compra em uma venda de Havana

Desde outubro de 2014, a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA contabilizou cerca de 75 mil cubanos que chegaram nos portos de entrada, muitos deles em Laredo. Durante o mesmo período, mais de 131.800 famílias e crianças não acompanhadas, principalmente da América Central, foram detidas na fronteira no Vale do Rio Grande. Os cubanos foram autorizados a entrar nos Estados Unidos, enquanto as famílias e crianças vindas de outros países foram quase todas intimadas a comparecer ao tribunal de imigração.

O congressista Henry Cuellar (partido democrata do Texas), disse que "há algo injusto" sobre o tratamento especial dos cubanos.

Cuellar e o congressista Blake Farenthold, (partido republicano do Texas) apresentaram um projeto para acabar com o tratamento preferencial. Cuellar disse que não espera que o projeto de lei seja aprovado antes da eleição presidencial em novembro, mas disse que a questão tem de ser resolvida.

"Eu não quero tirar nada dos cubanos, mas é uma questão de um senso de 'fair play' e de como nós tratamos uns aos outros", disse Cuellar.

Os republicanos, incluindo o candidato presidencial Ted Cruz, relutaram em fazer qualquer alteração na relação entre EUA e Cuba.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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