Folha de S. Paulo


'Nenhum outro líder fez o que o papa nos fez', diz família refugiada síria

Nour, 30, sai da primeira aula de italiano achando "fácil". "Algumas palavras parecem com o francês", diz, um dia após chegar a Roma.

Com o marido Hasan, 31, e o filho Riad, 2 (o sobrenome da família foi omitido por segurança, a pedido), a engenheira síria com mestrado na França integra o grupo de 12 refugiados que desembarcou na Itália no sábado (16).

O papa Francisco os trouxe após visitar um campo de detenção de refugiados na ilha grega de Lesbos, porta de entrada na União Europeia. Após sua decisão ser interpretada como crítica à UE, o líder da Igreja Católica ressaltou que seu gesto é um ato humanitário, e não político.

Rafaela Carvalho
Os refugiados sírios Nour (30), Hasan (31) e seu filho Riad (2), acolhidos pelo papa Francisco no Vaticano
Os sírios Nour (30), Hasan (31) e seu filho Riad (2), acolhidos pelo papa Francisco no Vaticano

"Queremos agradecer ao papa. Ele ajudou três famílias muçulmanas porque enxergou o que muitos líderes europeus não veem: somos seres humanos, vítimas do conflito em nosso país. Tínhamos uma vida normal até a guerra nos fazer fugir", diz Nour.

Ela e o marido eram funcionários públicos sob o regime de Bashar al-Assad. Com a guerra, decidiram abandonar a vida que, até o conflito eclodir, em 2011, era estável e segura. A maior motivação, afirmam à Folha, foi o filho.

"Ele ainda não sabe o que é viver em um mundo sem guerra. Não sabe que, antes de ele nascer, tínhamos uma vida que parecia um sonho: bons empregos, uma casa confortável, família unida e feliz. Tememos mais por ele do que por nós", relata o pai.

Nour, Hasan e Riad deixaram sua casa, em Damasco, no dia 4 de dezembro. Para cruzar a fronteira para a Turquia, tiveram de pagar US$ 3.000 (R$ 10,6 mil) a traficantes e fazer cinco paradas.

A estrada pela qual foram conduzidos era controlada por combatentes islâmicos. Ao chegarem a Aleppo, noroeste da Síria, dizem ter tido a passagem bloqueada por membros da facção terrorista Estado Islâmico, que os mantiveram detidos seis dias.

"Eles exigiam que ficássemos e lutássemos contra o governo de Assad", conta Hasan. A solução foi encontrar outro traficante que os levasse à Turquia. Pagaram mais US$ 450 para deixar a Síria em um caminhão de animais.

Foram 15 horas de estrada sob risco de flagrante pela polícia síria. "Se fôssemos encontrados, seríamos levados para a cadeia", afirma Hasan.

Da Turquia à Grécia, foram quatro tentativas até entrar num bote sem serem barrados por nenhuma polícia. Nour, Hasan e Riad gastaram mais US$ 2.100 na última parte do trajeto. Alcançaram o território da União Europeia em março, dois dias antes de a fronteira em Lesbos fechar.

FUTURO INCERTO

Parte da família de Nour e Hasan ainda está na Síria. A mãe e o irmão dela e o pai e os irmãos dele ficaram em Damasco, sem plano de sair.

"Para eles, talvez seja mais fácil achar um lugar seguro dentro do país", diz Hasan.

Ele avalia que sair da Síria ficou mais difícil após o acordo entre Ancara e a UE que prevê deportar para a Turquia refugiados que cheguem à Grécia de forma ilegal.

O casal quer aprender italiano, integrar-se e procurar empregos em Roma. Assim como as duas outras famílias recém-chegadas, está sendo assistido pela Comunidade de Santo Egídio, organização voluntária que oferece abrigo e aulas de italiano, história, economia e antropologia.

Para o grupo, o trabalho é fundamental para que os refugiados se adaptem e não sejam marginalizados.

"Na Segunda Guerra [1939-45], os italianos eram os refugiados. Fomos para Bélgica, França, EUA, Canadá, Brasil, Argentina", diz Rinaldo Piazzoni, que é voluntário há mais de três décadas na Santo Egídio. "Agora é a nossa vez de retribuir a boa ação."


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