Folha de S. Paulo


Merkel permite ação contra humorista que satirizou presidente da Turquia

Em um anúncio aguardado ao longo da semana na Alemanha, a chanceler Angela Merkel decidiu nesta sexta-feira (15) aceitar um pedido do governo da Turquia para abrir um processo criminal de injúria contra o apresentador de TV e humorista Jan Böhmermann, por causa de um poema satírico contra o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

Böhmermann, 35, recitou o texto no dia 31 de março, em seu programa no canal público ZDF. Com vários termos chulos, dizia que o líder turco tinha "pinto pequeno", fazia sexo com cabras e assistia à pornografia infantil.

Na segunda (11), o governo turco entrou com uma ação na Procuradoria alemã para processá-lo, baseando-se no artigo 103 do Código Penal alemão que fala de "injúria contra órgãos e representantes estrangeiros", que prevê até cinco anos de prisão.

Merkel teve de se posicionar porque nesse caso, de acordo com a lei alemã, cabe ao Executivo decidir se o processo deve ser aceito pela Justiça. Ela afirmou que o aval "não significa um prejulgamento da pessoa afetada nem uma decisão sobe os limites da liberdade da arte, de imprensa ou de opinião".

Segundo a chanceler, "no Estado de Direito essa questão não é algo para um governo considerar, mas sim promotores e juízes". Merkel vai propor a revogação do artigo, que data de 1871, quando começava o Império Alemão.

REPERCUSSÃO

A Associação dos Jornalistas Alemães criticou a decisão e disse que a chanceler "envia um sinal errado ao governo turco", em uma referência ao fato de a União Europeia ter ficado dependente da Turquia após o acordo feito com Ancara para diminuir o fluxo de refugiados —a Alemanha é o principal destino dos que chegam ao continente.

No próximo sábado (23), Merkel vai à Turquia e visitará abrigos, escolas e hospitais para refugiados.

Ainda de acordo com a entidade, a chanceler não tinha necessidade de autorizar o processo, pois o próprio Erdogan, como pessoa física, já havia entrado com outra ação contra Böhmermann na Procuradoria alemã —nessa situação, não é preciso aval do Executivo para o trâmite prosseguir. A associação elogiou, porém, a iniciativa de revogar o artigo 103, por "não fazer sentido em uma democracia".

PROCESSO

Se for considerado culpado, Böhmermann pode ter de pagar uma multa ou receber pena de prisão que varia de seis meses a até cinco anos em caso de agravante, mas a maioria dos juristas alemães ouvidos pela imprensa local acredita que, na hipótese de detenção, ele vá ter direito à liberdade condicional.

O humorista não apresentou sua defesa no primeiro prazo estipulado pela Procuradoria. Os advogados de Erdogan ainda podem entrar com um pedido de liminar para impedir qualquer veiculação do vídeo do poema.

No dia seguinte à exibição, a ZDF retirou o vídeo de seus arquivos na internet, e Böhmermann cancelou o programa da última quinta-feira (14). Para o diretor da emissora, Thomas Bellut, o humorista "foi um pouco pesado, um pouco longe demais", mas disse "estar do lado" dele.


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