As negociações de paz para a Síria foram retomadas em Genebra nesta quarta-feira (13), enquanto o país realiza eleições legislativas criticadas pela oposição.
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População da Síria participa de eleições parlamentares enquanto as negociações de paz do país são retomadas |
Este novo ciclo de diálogo, que deve durar 10 dias, ocorre três semanas depois de uma primeira rodada na qual não foram registrados avanços importantes. A reunião teve início à tarde (pelo horário de Brasília) com um encontro entre o emissário da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, e uma delegação do Alto Comitê de Negociações (ACN), que reúne os principais grupos opositores. A delegação do governo sírio chegará na quinta ou sexta-feira a Genebra, devido às eleições desta quarta (13).
"A próxima fase das negociações de Genebra será crucial" porque "nos concentraremos na transição política, na governança e nos princípios constitucionais", advertiu De Mistura na segunda-feira em Damasco.
TRANSIÇÃO POLÍTICA
O regime do ditador Bashar al Assad e a oposição estão divididos sobre a questão da transição política, porque esta última exige a criação de um corpo executivo dotado de todos os poderes e do qual o presidente Bashar al-Assad seria excluído. O regime, por sua vez, pede um governo ampliado a membros da oposição sob a presidência de Assad.
A Rússia, que apoia Damasco política e militarmente, considera que as negociações devem se concentrar na redação de uma nova Constituição.
ELEIÇÕES QUESTIONADAS
A retomada das negociações coincide com as eleições legislativas que o regime organiza nas zonas sob seu controle.
Para esta segunda eleição legislativa desde o início da guerra, em 2011, 3.500 candidatos concorrem a 250 assentos parlamentares. Os resultados, esperados nos próximos dias, devem ser semelhantes aos das legislativas de 2012, de acordo com especialistas. O Partido Baath, que governa o país com mão de ferro há mais de meio século, obteve na ocasião a maioria das cadeiras.
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Mulheres sírias participam da eleição parlamentar que é realizada no país em meio a um conflito que já dura cinco anos |
A votação é considerada ilegítima pela oposição dentro e fora da Síria, assim como pelo Ocidente. Segundo um porta-voz do governo britânico em Genebra, estas eleições "demonstram a que ponto (o regime) é alheio à realidade". "Apenas quando tiver sido criado um órgão de transição e os combates tiverem cessado será possível organizar eleições livres e justas", acrescentou.
Apesar dos questionamentos, milhares de eleitores participam da votação, alguns por dever cívico ou para apoiar o ditador Bashar al-Assad.
Assad votou com sua esposa na Biblioteca Nacional, e defendeu a manutenção da estrutura social da Síria apesar da guerra.
"Estamos testemunhando nos últimos cinco anos uma guerra, mas o terrorismo não conseguiu atingir o seu principal objetivo, o de destruir a estrutura social da Síria e sua identidade nacional, expressa através da Constituição", declarou. "É para defendê-la que estamos todos juntos hoje", acrescentou, em resposta aos opositores que chamaram esta eleição de "ilegítima".
A guerra esteve no centro da campanha eleitoral, e esta eleição é realizada após várias semanas de relativa calma em função de um acordo de cessar-fogo sob os auspícios dos americanos e russos.
IMPACTO LIMITADO
Em um país totalmente fragmentado após cinco anos de guerra e com o envolvimento de diferentes forças armadas, esta eleição ocorre apenas em áreas sob controle do governo, um terço do território, onde vive cerca de 60% da população.
Como nas eleições anteriores, em 2012, esta votação deverá ter pouco impacto sobre o curso da guerra que custou 270 mil vidas e causou destruição avaliada em mais de US$ 200 bilhões (cerca de R$ 700 bilhões).
De acordo com a televisão estatal, que evocou uma "forte participação", as autoridades estenderam a votação até a meia-noite (19h em Brasília), cinco horas a mais de que o previsto.
"Nós cumprimos o nosso dever nacional e agora cabe aos eleitos manter as suas promessas", explica Samer Issa, um motorista de 58 anos, após votar em Damasco.
AUMENTO DA VIOLÊNCIA
O emissário da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, expressou na terça-feira (12) por videoconferência ante o Conselho de Segurança sua preocupação pelo "aumento do nível de violência", em particular em Hama, Damasco e Aleppo.
A trégua em vigor desde 27 de fevereiro parece cada vez mais frágil na Síria, onde regime e jihadistas se preparam para uma batalha decisiva na província setentrional de Aleppo.
O diretor do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), Rami Abdel Rahman, falou de "um aumento notável das operações militares, em particular na província de Aleppo, em comparação com o mês de março".
Os combates também prosseguem em vários pontos da estrada que une Aleppo e Damasco, por um lado entre tropas do regime e jihadistas da Al-Qaeda, e por outro entre vários grupos rebeldes.
A província de Aleppo, cujo controle é dividido entre o regime, os rebeldes, os jihadistas e os curdos, "tem a chave da paz ou da guerra na Síria", segundo Rahman.
Denis Balibouse/Reuters | ||
Reunião que retoma as negociações de paz para a Síria foi iniciada em Genebra nesta quarta-feira (13) |
"FARSA ELEITORAL"
A população de Aleppo se diz insatisfeita com a realização das eleições no país. "Isso é uma piada. Eu não acredito nestas eleições. Assad só quer mostrar que ele tem um Estado, um povo e um regime sólido", declarou Mohamed Zobeidiyyé, um mecânico.
A votação também é denunciada por adversários do exterior e do interior, bem como por países ocidentais como a França, que falaram de uma "farsa".
As Nações Unidas exigem, por sua vez, a realização de eleições gerais em 2017.
No entanto, para o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, o papel das eleições é "não deixar um vácuo na esfera" do poder sírio.
De acordo com a comissão eleitoral, a eleição acontece em todos os lugares, exceto nas províncias de Raqa e Idleb (norte) nas mãos do EI e da Frente Al-Nosra, e nas áreas controladas pelos rebeldes.
Os eleitores dessas áreas podem, no entanto, votar em áreas controladas pelo exército.
Quanto aos curdos, eles disseram que não se sentem "envolvidos" e na obrigação de participar desta votação nas áreas que controlam, no nordeste.