Folha de S. Paulo


Afegãos e sírios brigam na Grécia após mudança em regras de asilo na Europa

Hani Alkhalaf havia acabado de adormecer em um campo de detenção superlotado para migrantes na ilha grega de Chios quando gritos o fizeram pular da cama. Enquanto se levantava, pedras eram jogadas sobre a frágil tenda de plástico onde ele e outros 14 requerentes de asilo sírios estavam abrigados.

Em pânico, mulheres e crianças correram e tentaram se proteger quando uma multidão afegãos invadiu a barraca, disse Alkhalaf. A tensão estava alta há dias entre afegãos e sírios no acampamento, mas à meia-noite de 1º de abril, transformou-se em um motim.

Tyler Hicks/The New York Times
Mulher e criança em campo de detenção de migrantes na ilha grega de Chios
Mulher e criança em campo de detenção de migrantes na ilha grega de Chios

"Os afegãos estão irritados porque os sírios podem obter asilo na Europa e eles não", disse Alkhalaf, que deixou a capital síria, Damasco, para escapar da guerra civil que assola o país desde 2011. "Eles vão ser deportados para a Turquia, por isso estão causando problemas."

Cerca de mil afegãos e sírios se emaranharam durante a briga, que se estendeu por seis horas antes da intervenção da polícia. O conflito terminou após cerca de 800 migrantes saírem do centro de detenção e se dirigirem em protesto ao principal porto da ilha. Lá, muitos se abrigaram sob lonas sujas e tendas desleixadas em uma vasta área de concreto.

O confronto foi o último de uma série de episódios violentos em abrigos voltados a migrantes em toda a Grécia, onde mais de 52 mil estão concentrados após países dos Balcãs fecharem suas fronteiras, bloqueando o caminho para a Alemanha.

ACORDO UE-TURQUIA

Desde que um acordo entre a União Europeia e a Turquia entrou em vigor em 20 de março, tumultos entre as duas nacionalidades se intensificaram.

Até recentemente, tanto afegãos quanto sírios eram considerados grupos elegíveis para asilo.

No entanto, depois que mais de um milhão de pessoas chegaram à Europa somente em 2015, os governos abruptamente reclassificaram os afegãos em fevereiro como migrantes econômicos, reduzindo suas chances de ficar na Europa legalmente. Já a concessão de asilo continua a ser feita para os sírios, ainda que em ritmo lento.

Tyler Hicks - 5 abr. 2016/The New York Times
Migrantes e refugiados se concentram no porto grego de Chios à espera de uma decisão sobre seu destino
Migrantes e refugiados se concentram no porto de Chios à espera de uma decisão das autoridades

Sob o acordo que entrou em vigor no mês passado, todos os migrantes que chegaram à Grécia a partir de 20 de março devem ser deportados para a Turquia.

Os sírios que conseguirem asilo terão que esperar para ser reassentados na Europa, um processo provavelmente longo. Os afegãos e outros a quem o asilo for negado não serão autorizados a entrar legalmente na Europa, embora não seja claro se a Turquia vai tentar deportá-los para seus países de origem.

INCOMPREENSÃO E AMARGURA

A divisão despertou incompreensão e amargura entre um número estimado de 13 mil afegãos que estão na Grécia.

Eles se ressentem de serem rotulados de migrantes econômicos, em vez de refugiados tentando escapar de condições precárias que, segundo eles, Estados Unidos e Europa ajudaram a criar no Afeganistão.

"Agora eles querem nos atirar de volta ao nosso país", disse Shahkar Khan, afegão detido no campo de detenção Vial após chegar em um bote da Turquia em 20 de março. "Por que os sírios deveriam receber tratamento especial? O Afeganistão não é seguro. Nós temos o Taleban."

Tyler Hicks/The New York Times
Campo de migrantes na ilha grega de Chios; milhares de sírios e afegãos estão concentrados no país
Campo de migrantes na ilha grega de Chios; milhares de sírios e afegãos estão concentrados no país

Em Pireu, porto de Atenas, onde cerca de 5.000 migrantes viveram por mais de um mês em armazéns e tendas, brigas entre sírios e afegãos agora são comuns. Cerca de 300 jovens entraram em confronto recentemente em uma briga de três horas, deixando oito pessoas hospitalizadas.

Migrantes e autoridades gregas acreditam que as tensões aumentarão ainda mais quando o programa de deportação for posto em prática.

BRIGA EM VIAL

Foi esse o caso em Vial, campo fechado de estilo militar. Projetado para 1.100 pessoas, Vial foi preenchido rapidamente com cerca de 1.800 migrantes, principalmente afegãos e sírios que chegaram à Grécia depois que o novo plano de deportações para a Turquia começou a funcionar.

No início, as pessoas se uniram, protestando contra a sua detenção com gritos de "Queremos liberdade!". No entanto, em poucos dias, a solidariedade desapareceu. Em meio a rumores de que todos os não sírios poderiam ser deportados, começaram as brigas.

Então, por volta da meia-noite de 1º de abril, as tensões explodiram.

Dependendo de quem conta a história, foi um afegão ou um sírio que começou. Em uma fração de segundo, outros entraram na briga e, em seguida, uma onda de violência tomou conta do acampamento. Homens passaram a jogar pedras uns contra os outros. Um consultório da Doctors of the World foi saqueado.

Cinco pessoas ficaram gravemente feridas no tumulto, que continuou até o amanhecer.

Quando policiais apareceram, por volta das 6h30, as autoridades prometeram garantir a segurança do acampamento. No entanto, poucos migrantes quiseram arriscar a possibilidade de enfrentar mais violência. À medida que o sol nascia, homens, mulheres e crianças pegaram seus pertences e violaram parte da cerca de arame farpado.

No meio da manhã, mais de 800 pessoas haviam caminhado até o porto de Chios.

Tyler Hicks - 5 abr. 2016/The New York Times
Migrantes e refugiados se concentram no porto grego de Chios à espera de uma decisão sobre seu destino
Migrantes e refugiados se concentram no porto de Chios à espera de uma decisão sobre seu destino

Muitos, inclusive Alkhalaf, esperavam aguardar no porto até que seus pedidos de asilo fossem ouvidos. No entanto, a presença deles rapidamente alimentou a raiva entre os grupos de direita, que se concentraram em torno dos migrantes na noite de 7 de abril, lançando pequenas bombas incendiárias, gritando slogans e ameaçando ataques. A polícia mais tarde esvaziou o porto e forçou a maioria dos migrantes a se mudar para um abrigo próximo.

Sendo um sírio, Alkhalaf se considera um homem de sorte. Apesar disso, está começando a pensar que mesmo ele pode ser deportado para a Turquia antes de ser reassentado na Europa.

Quando foi declarar asilo, ele notou uma estranha pergunta no requerimento. As autoridades queriam saber qual o último país que ele tinha estado antes de chegar à Europa. Esse país era a Turquia, considerada um país seguro pela União Europeia.

Nos termos do acordo entre a UE e o governo de Ancara, para cada sírio que a Grécia manda de volta à Turquia, a Europa aceitará um sírio que espera por asilo em acampamentos turcos de refugiados.

Todos os repatriados seriam colocados no final de uma lista de milhares de sírios requerentes de asilo, o que poderia deixá-los enfrentando estadias indefinidas em acampamentos turcos antes de ter a chance de ir para a Europa.

"Eu não quero acreditar que a Europa nos mandaria de volta", disse Alkhalaf. "Voltar à Turquia é ir para a morte."

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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