Folha de S. Paulo


Venezuela tem detenções arbitrárias e execuções extrajudiciais, diz ONG

O governo da Venezuela cometeu execuções extrajudiciais e deteve cidadãos de forma arbitrária durante operações lançadas em 2015 sob justificativa de combate ao crime, segundo estudo das ONGs Human Rights Watch (HRW) e Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos (Provea).

O relatório "Poder sem limites: operações policiais e militares em comunidades populares e de imigrantes na Venezuela" será divulgado oficialmente nesta segunda-feira (4), horas antes de um representante venezuelano falar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, sobre reiteradas acusações de abusos.

Juan Barreto/AFP
Military police officers patrol the streets of Tumeremo, Bolivar state, Venezuela on March 11, 2016. Twenty-eight miners failed to return home from work after their shifts on March 3, and stories soon began circulating that a group of gunmen had attacked the goldmine in southeastern Venezuela where they worked. AFP PHOTO / JUAN BARRETO ORG XMIT: VEN588
Policiais durante patrulha em ruas da Venezuela, no mês de março

O estudo abrange as chamadas Operações para Libertação e Proteção do Povo (OLP), que começaram em julho de 2015 e deixaram 245 mortos em zonas populares em Caracas e no interior.

O governo diz que as mortes ocorreram em confrontos com supostos criminosos, mas não há dados sobre vítimas nas fileiras policiais.

A HRW e o Provea detectaram, após estudo de campo nas áreas afetadas e compilação de notícias, que ao menos 20 dessas mortes foram execuções extrajudiciais.

EXECUÇÃO NA CAMA

Um dos casos reportados é o do adolescente Angel Joel Torrealba, 16, executado em agosto, em sua cama. A morte foi descrita pela mãe do rapaz, Olga Meza, 38, aos autores do estudo.

Ela contou que agentes invadiram sua casa, na ilha de Margarita, colocaram uma pistola em sua boca e bateram em sua filha de 19 anos antes de matar seu filho.

Segundo Meza, os agentes buscavam um suposto criminoso chamado Angel Rodríguez e foram embora ao perceber o erro. Sem citar Torrealba, autoridades divulgaram que policiais mataram um suposto delinquente que havia atirado em oficiais em Margarita.

Outra aparente execução extrajudicial ocorreu perto de Maracaibo (extremo oeste). Segundo Yamileth Karina Núñez Morillo, policiais invadiram sua casa antes do amanhecer e discutiram entre eles se seu marido, Jonathan Olivares, era quem buscavam.

Morillo relatou que policiais a arrastaram pelo cabelo para fora de casa e voltaram para o interior da residência, onde estava o marido. Morillo afirmou ter ouvido tiros, mas ela só pôde entrar na casa após os agentes terem ido embora. O marido havia sido levado. Horas depois, ela o encontrou morto no necrotério.

O relatório também denuncia que as mais de 14 mil detenções feitas sob a justificativa de "verificação" criminal são prisões arbitrárias. Menos de cem detidos acabaram formalmente denunciados.

O estuda cita casos de tortura e roubos de bens pessoais cometidos pelos agentes da OLP. Meza, mãe do rapaz morto na cama, prestou queixa pelos abusos, mas diz que, desde então, é alvo de intimidação por parte de agentes do Estado.

"As pessoas falam conosco apesar de temer represálias. O valor agregado do relatório é jogar luz sobre esses casos e trazer algum alento às vítimas que lidam com desamparo absoluto diante das autoridades", disse à Folha, sob condição de anonimato, um dos autores do estudo, em referência ao alinhamento do Judiciário com o chavismo.

Os autores dizem que não entram no mérito de saber se as vítimas eram criminosos e insistem em que o Estado de direito tem obrigação de permitir o devido processo legal.

O relatório também critica o governo pela deportação de mais de mil colombianos sem justificativa legal.

O governo não quis se manifestar sobre o estudo.

As OLP foram amplamente vistas como ação eleitoreira do chavismo diante do crescente pânico da população com a violência (a taxa de homicídios em 2015 foi de 58 por 100 mil pessoas, uma das mais altas do mundo) antes da eleição parlamentar de dezembro, que resultou em triunfo opositor.


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