Folha de S. Paulo


Democracia não pode eclipsar combate ao terrorismo islâmico, diz diretor

Daniela Kresch
O jornalista português-israelense Henrique Cymerman é co-diretor do documentário
O jornalista português-israelense Henrique Cymerman é co-diretor do documentário "Jihad Now"

Henrique Cymerman, 57, passou os últimos três anos com o jihadismo na cabeça.

O jornalista nascido em Portugal que mora em Israel desde os 16 anos acaba de lançar a série "Jihad Now", produção em quatro capítulos na qual faz uma radiografia do terrorismo religioso islâmico desde os anos 80 até o Estado Islâmico.

Trabalhando com uma equipe de dez pessoas, Cymerman visitou 15 lugares em quatro continentes, entrevistou agentes de oito serviços secretos, membros do EI, combatentes curdos e até o filho de Osama Bin Laden, Omar. O resultado é um retrato do que ele afirma ser uma das maiores ameaças para o mundo no século 21.

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Folha - Como a facção terrorista Estado Islâmico ganhou força?

Henrique Cymerman — O EI existe [sob esse nome] só há dois anos e se tornou uma das maiores ameaças para o mundo. Tinha de 25 a 30 mil combatentes.

Hoje, tem cerca de 60 mil [dados atualizados de agências americanas estimam até 30 mil combatentes] e controla mais de 8 milhões de pessoas. É incrível.

É certo que 80% do território [que controlam, parte na Síria e parte no Iraque] é deserto. No momento, eles tentam levar famílias, sobretudo da Europa e do Oriente Médio, para povoar. Mas o êxito é parcial.

Qual a força financeira deles?

Eles têm problemas econômicos por causa da queda do preço do petróleo. Vendiam ao governo sírio, à Turquia e ao mercado negro, mas o preço do petróleo caiu 75%. Falta dinheiro, mesmo tendo roubado US$ 500 milhões [R$ 1,8 bilhão] de bancos iraquianos e de venderem antiguidades a antiquários europeus.

Não seria pelo dinheiro que o mundo deveria combater o EI?

Sim, mas as agências de segurança, de inteligência, não estão unidas. Mostramos, no documentário, que houve cinco casos de falta de coordenação entre serviços de segurança antes de atentados.

Isso acontece desde às vésperas do 11 de setembro de 2001. O chefe dos serviços secretos alemães quase chorou em frente à câmera. Disse que fez escutas telefônicas a um dos responsáveis, mas teve que parar por ordem da Justiça. Me disse: "Tenho sobre minha alma 3.000 vidas".

Como lutar contra pessoas que usam todos os métodos possíveis?

A sociedade democrática está sempre um passo atrás das organizações terroristas. Temos a necessidade de procurar um equilíbrio entre democracia, direitos humanos, liberdades pessoais e luta contra o terrorismo. Mas um não pode eclipsar o outro.

O governo da Bélgica não atuou como deveria depois dos atentados de 22 de março?

Normalmente, serviços secretos e polícia entendem as ameaças melhor. Mas, por vezes, os políticos estão presos no "politicamente correto". Têm medo de pagar o preço político, de pôr em perigo o que chamam de sociedade multicultural.

Os britânicos deixaram crescer sob o nariz de seus serviços secretos uma série de grupos radicais islâmicos. Não acreditavam que cidadãos europeus iriam ir para o exterior e depois voltariam para atacar a Europa.

Quantos militantes do EI estão hoje na Europa?

Entre os cerca de 50 milhões de muçulmanos hoje na Europa, há provavelmente uns 12 mil que manuseiam armas, que estão ligados ao extremismo islâmico de forma direta e ativa. Fazem parte de células, treinaram na Síria, no Iraque e na Líbia.

Não se pode prendê-los preventivamente?

A lei não permite. Mas o sistema legal tem que ser mais ágil e rápido, a opinião pública tem que entender os perigos da situação e a mídia tem que manter o equilíbrio e a cautela.

O senhor teme o que pode ocorrer na Olimpíada do Rio?

Não duvido que possam tentar algo. Qualquer coisa teria um impacto global imediato. O EI é especialista em guerra psicológica, uma espécie de Gengis Khan moderno: aterroriza e depois avança sem resistência. Isso é parte da culpa de fenômenos como a ascensão de Donald Trump nos EUA. É uma resposta ao medo.

Na Europa também...

Claro. Veja o que acontece com o fortalecimento da extrema-direita na França. Na Alemanha, há 10 mil neonazistas que tentam fazer atentados contra refugiados sírios. Países como Espanha e Portugal foram em direção contrária, para a extrema-esquerda. O medo nos leva do centro para os extremos.

Há uma guerra mundial?

Resisto a chamar assim. Mas há risco de uma guerra de civilizações na próxima geração. Um atentado químico, biológico ou atômico pode criar uma catástrofe mundial. Não é impossível.

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Idade

57 anos

Naturalidade

Nascido em Portugal, naturalizado israelense

Ocupação

Jornalista e escritor

Carreira

Trabalha para veículos de Israel, Espanha, Portugal, Brasil, China e EUA; conferencista do Centro Interdisciplinar de Herzelyia; fez a última entrevista com o premiê Yitzhak Rabin, assassinado em 1994; em 2014, mediou a visita do papa Francisco à Terra Santa


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