Folha de S. Paulo


Análise

Cuba e Argentina deixam passado de lado para aproveitar era Obama

Ideologias à parte, Raúl Castro e Mauricio Macri esbanjaram na coreografia hospitaleira ao recepcionar o americano Barack Obama.

O cubano Castro aceitou ter um presidente americano falando de democracia, empreendedorismo e liberdade de expressão ao vivo na TV cubana. Na plateia, ainda aplaudiu várias vezes.

Trinta anos de líderes latino-americanos visitando Havana e nenhum jamais ousou falar desses temas com essa confiança.

Já o argentino Macri e sua mulher passaram um dia sem agenda formal em Bariloche com Obama e sua mulher, Michelle. Rendeu até foto do americano abraçado à primeira-dama argentina.

Além de buscarem investimentos e mais acesso ao mercado americano, ambos líderes demonstraram saber que esse tipo de diplomacia presidencial facilita e muito quando uma ligação à Casa Branca pode resolver uma pendência urgente.

Com a perda de fôlego da China, que comprava as matérias-primas argentinas, e o colapso da Venezuela, que bancava Cuba, seus presidentes decidiram embarcar no pragmatismo.

Obama fez sua parte, controlando a arrogância que pautou mais de um século de relação com os vizinhos do sul. Reconheceu os excessos da Guerra Fria em Cuba, falou de direitos humanos na Argentina e ainda topou dançar tango, algo que constrangeria qualquer outro chefe de Estado.

E NO BRASIL?

Em ambos os países, visitante e visitados queriam fazer negócios e gritar "bola para frente", algo que parece esquecido no futebol diplomático brasileiro.

É impossível não recordar as desidratadas viagens de Obama ao Brasil, em 2011, e de Dilma aos EUA no ano passado. Nenhuma imagem para a história. Em ambas, faltou criatividade para uma experiência não burocrática entre os mandatários.

Os dois lados podem ter culpa no desinteresse, mas está claro quem mais precisa de oxigênio econômico.

Quando Obama veio, parecia que a maior preocupação do Planalto era que o americano não discursasse ao ar livre na Cinelândia, no Rio. Insegurança reveladora.

Na visita à Casa Branca, no ano passado, Dilma levou dez ministros aos EUA, apesar da agenda magrinha, e marcou quase em cima da hora visitas ao Vale do Silício.

De última hora, não deu para ter audiência nem com o reitor da Universidade Stanford, nem com o presidente do Google, que ela visitou.

A visita a Washington foi postergada por conta da espionagem americana, mas agora se sabe que a preocupação com seus telefonemas não é tão importante para a Dilma quanto a gritaria com os EUA (nenhum outro chefe de Estado espionado ficou magoado por tanto tempo).

Mas a Guerra Fria talvez termine antes em Cuba que no Brasil.


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