Folha de S. Paulo


Radovan Karadzic é sentenciado a 40 anos por genocídio e crimes de guerra

Robin van Lonkhuijsen/Associated Press
Líder servo-bósnio Radovan Karadzic comparece à audiência em tribunal da ONU
Líder servo-bósnio Radovan Karadzic comparece à audiência em tribunal da ONU

O ex-líder sérvio Radovan Karadzic foi condenado por genocídio pelo massacre de 8.000 homens e meninos islâmicos em Srebrenica em 1995 e sentenciado a 40 anos de prisão, no maior julgamento por crimes de guerra desde a Segunda Guerra Mundial.

Karadzic foi considerado responsável por tentar exterminar a população muçulmana de Srebrenica, na pior atrocidade cometida na Europa desde 1945, e por ser o responsável pelo cerco da cidade bósnia de Sarajevo, que durou 44 meses.

Além da acusação de genocídio por Srebrenica, o ex-presidente sérvio foi condenado por nove acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, incluindo extermínio, homicídio, deportação e terror na guerra bósnia, que durou três anos e meio. Karadzic foi absolvido de uma segunda acusação de genocídio em várias cidades bósnias em 1992.

O julgamento no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia representa uma vindicação para as famílias de milhares de vítimas que pedem justiça por crimes e atrocidades da guerra. O conflito deixou mais de 100 mil mortos e expulsou mais de 2 milhões de pessoas de seus lares.

O julgamento também vai reforçar o tribunal das Nações Unidas em Haia, por ter realizado com êxito a tarefa que lhe foi atribuída inicialmente 23 anos atrás. O julgamento de Karadzic levou cinco anos, arrolou 586 testemunhas e envolveu 115 mil páginas de evidências documentais.

Como presidente da separatista República Sérvia da Bósnia, Karadzic foi acusado durante anos de estar por trás de algumas das piores atrocidades do conflito bósnio.

Ao longo do julgamento, e até ser anunciado o veredito, Karadzic insistiu que era inocente e que tentara pôr fim à guerra, não exacerbá-la.

Ele é o líder mais sênior e a figura de perfil mais alto a ser julgada pelo Tribunal Penal para a ex-Iugoslávia, depois do ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, que foi acusado de fomentar os conflitos e morreu de ataque cardíaco em sua cela, em 2006, antes de seu julgamento ser concluído.

A decisão do tribunal vai ajudar a reforçar a jurisprudência sobre a responsabilidade de líderes políticos por crimes inspirados em seu discurso e seus atos.

Depois de seu indiciamento em 1995, Karadzic passou 13 anos foragido, até ser preso num ônibus em Belgrado, onde estava escondido em plena vista, fazendo-se passar por um curandeiro New Age barbado chamado Dr. Dragan Dabic.

O tribunal foi criticado por ter demorado a entrar em ação, pelos julgamentos intermináveis e excessivamente complexos, por seus padrões inconsistentes e por involuntariamente servir de plataforma para os réus lançarem seus discursos políticos próprios.

Mas ele levou a julgamento todas as 161 pessoas que indiciou. Na próxima semana vai anunciar o veredito de outro réu de perfil alto, o ultranacionalista sérvio Vojislav Seselj, acusado de crimes de guerra. Ainda há alguns julgamentos por terminar, entre eles o do comandante militar sérvio bósnio Ratko Mladic, capturado em 2011.

Radovan Karadzic nasceu em 1945 em Petnjica, Montenegro, e sua vida foi uma odisseia bizarra em que ele passou de psiquiatra amante da poesia a líder de guerra apelidado de "Açougueiro da Bósnia". Ele foi preso em 2008.

As pessoas que exigiram justiça tiveram que esperar muito tempo por ela, embora o tribunal seja apenas parcialmente responsável pela demora. Karadzic passou 13 anos foragido, e Mladic, 16 anos, contando com a ajuda ocasional de militares e da inteligência sérvios.

Mas críticos dizem que, se o tribunal tivesse optado por um julgamento menos amplo e mais seletivo de Karadzic, a justiça poderia ter sido feita em menos tempo.

O veredito de culpa pode proporcionar um ponto final de alguma espécie para as famílias das vítimas, mas não vai ajudar a solucionar as divisões na ex-Iugoslávia.

O timing do sentenciamento desta quinta-feira é repleto de significado doloroso para muitos sérvios: 24 de março de 1999 foi a data em que forças da Otan lançaram ataques aéreos contra a capital sérvia, Belgrado, e outras áreas, como parte da guerra em Kosovo.

Aproximadamente 500 civis foram mortos na campanha de bombardeios, que durou dois meses e meio.

"Vocês nos mataram, vocês mataram nossos filhos, mas não a Sérvia, porque ninguém pode matar a Sérvia", disse o primeiro-ministro Aleksandar Vucic a uma multidão na quinta-feira, horas apenas antes de ser anunciado o veredito de Karadzic.

Milhares de pessoas estavam previstas para participar de um ato público em Belgrado em apoio a Karadzic, convocado por Seselj, que pretende aproveitar a ocasião para reforçar o apoio a seu pequeno Partido Radical Sérvio, de extrema direita, antes das eleições gerais de abril.

Tradução de CLARA ALLAIN


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