Folha de S. Paulo


Leia a íntegra do discurso de Barack Obama aos cubanos em Havana

Leia abaixo a íntegra do discurso do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Gran Teatro de Havana, em Cuba, nesta terça-feira (22).

O evento foi o ponto alto da visita dele à ilha comunista, a primeira de um chefe de Estado americano ao país desde 1928.

*

Obrigado. (aplausos) Muchas gracias. Muito obrigado. Muito obrigado.

Presidente Castro, população de Cuba, muitíssimo obrigado pela acolhida calorosa que recebi, que minha família recebeu e que nossa delegação recebeu. É uma honra extraordinária estar aqui hoje.

Antes de eu começar, por favor tenham paciência comigo. Quero dizer alguma coisa sobre os ataques terroristas em Bruxelas. Os pensamentos e as orações do povo americano estão com o povo da Bélgica.

Nicholas Kamm/AFP
Barack Obama faz discurso no Gran Teatro de Havana, em Cuba, na manhã desta terça-feira (22)
Barack Obama faz discurso no Gran Teatro de Havana, em Cuba, na manhã desta terça-feira (22)

Nós nos solidarizamos com os belgas, condenando esses ataques ultrajantes contra pessoas inocentes. Faremos o que for preciso para apoiar nossa amiga e aliada Bélgica e ajudar a submeter os responsáveis à justiça.

E isto é mais um fato a nos lembrar que o mundo precisa se unir, que precisamos ficar juntos, independentemente de nacionalidade, raça ou religião, para combater o flagelo do terrorismo. Podemos e vamos derrotar aqueles que ameaçam a segurança de pessoas em todo o mundo.

Ao governo e à população de Cuba, quero agradecê-los pela cordialidade com que trataram a mim e a Michelle, a Malia, Sasha e minha sogra, Marian.

"Cultivo uma rosa branca." (aplausos) Em seu poema mais famoso, José Martí fez essa oferenda de amizade e paz tanto a seu amigo quanto a seu inimigo. Hoje, como presidente dos Estados Unidos da América, ofereço a saudação de paz ao povo cubano. (aplausos)

Havana fica a apenas 145 quilômetros da Flórida, mas para chegar aqui tivemos que percorrer uma grande distância, passando sobre barreiras de história e ideologia, de dor e separação. As águas azuis abaixo do avião presidencial levaram navios de guerra americanos a esta ilha —para libertar, mas também para exercer controle sobre Cuba.

Essas águas também carregaram gerações de revolucionários cubanos aos Estados Unidos, onde eles construíram o apoio à sua causa. E essa distância curta já foi atravessada por centenas de milhares de exilados cubanos, em aviões e em jangadas improvisadas, que foram à América em busca da liberdade e de oportunidades, em alguns casos deixando para trás tudo o que possuíam e cada pessoa que amavam.

Como tantas pessoas em nossos dois países, minha vida abrangeu um período de isolamento entre nós. A Revolução Cubana aconteceu no mesmo ano em que meu pai veio do Quênia aos Estados Unidos.

A invasão da Baía dos Porcos se deu no ano em que nasci. No ano seguinte o mundo inteiro prendeu a respiração, observando nossos países atentamente enquanto a humanidade chegava o mais perto que já chegou do horror de uma guerra nuclear.

À medida que as décadas se passaram, nossos governos se entrincheiraram em um confronto aparentemente interminável, disputando batalhas por meio de terceiros. Em um mundo que se refez inúmeras vezes, uma constante foi o conflito entre os Estados Unidos e Cuba.

Vim para cá para enterrar o último resquício da Guerra Fria nas Américas. (aplauso) Vim para estender a mão da amizade ao povo cubano. (aplausos)

Quero deixar claro: as divergências entre nossos governos ao longo destes muitos anos são reais e importantes. Estou certo de que o presidente Castro diria a mesma coisa —sei disso, porque já o ouvi tratar dessas divergências de modo detalhado.

Porém, antes de discutir essas questões, também precisamos reconhecer quanto temos em comum. Porque, sob muitos aspectos, os EUA e Cuba são como dois irmãos que passaram muitos anos distanciados, apesar de compartilharmos o mesmo sangue.

Ambos vivemos em um novo mundo, colonizado por europeus. Como os Estados Unidos, Cuba foi construída em parte por escravos trazidos da África. Como os Estados Unidos, o povo cubano tem tanto escravos quanto escravocratas entre seus antepassados. Nossos dois países acolheram imigrantes que vieram de muito longe para começar vidas novas nas Américas.

Ao longo dos anos, nossas culturas se fundiram. O trabalho do Dr. Carlos Finlay em Cuba abriu o caminho seguido por gerações de médicos, incluindo Walter Reed, que partiu do trabalho de Finlay para ajudar a combater a febre amarela.

Assim como Martí escreveu algumas de suas palavras mais famosas em Nova York, Ernest Hemingway fez um lar em Cuba e encontrou inspiração em suas águas.

Compartilhamos um passatempo nacional —La Pelota— (a bola), e mais tarde hoje nossos jogadores vão competir no mesmo campo em Havana no qual Jackie Robinson jogou antes de fazer sua estreia na Grande Liga. (aplausos)

E dizem que nosso maior pugilista, Muhammad Ali, certa vez prestou homenagem a um cubano com quem nunca pôde lutar, dizendo que só teria conseguido chegar a um empate com o grande cubano, Teofilo Stevenson. (aplausos)

Assim, ao mesmo tempo em que nossos governos se tornaram adversários, nossos povos continuaram a compartilhar essas paixões comuns, especialmente pelo fato de tantos cubanos terem ido para a América.

Em Miami ou em Havana você pode encontrar lugares para dançar o cha-cha-chá ou a salsa ou para comer "ropa vieja". Pessoas de nossos dois países cantaram acompanhando Celia Cruz ou Gloria Estefan e hoje ouvem reggaeton ou Pitbull. (risos)

Milhões de pessoas de nossos povos compartilham uma mesma religião —uma fé à qual eu prestei homenagem no santuário de Nossa Senhora da Caridade em Miami, uma paz que os cubanos encontram em La Cachita.

Apesar de todas nossas diferenças, cubanos e americanos compartilhamos valores comuns em nossas vidas. Um sentimento de patriotismo e de orgulho —muito orgulho. Um profundo amor pela família. Uma paixão por nossos filhos, um compromisso com sua educação.

É por isso que creio que nossos netos olharão para trás e verão este período de isolamento como uma aberração, como apenas um capítulo em uma história mais longa de família e amizade.

Mas não podemos e não devemos ignorar as diferenças muito reais que temos —em relação a como organizamos nossos governos, nossas economias e nossas sociedades. Cuba tem um sistema de partido único; os Estados Unidos é uma democracia multipartidária.

Cuba possui um modelo econômico socialista; os Estados Unidos é um mercado aberto. Cuba enfatiza o papel e os direitos do Estado; os Estados Unidos têm como alicerce os direitos do indivíduo.

Apesar dessas diferenças, em 17 de dezembro de 2014 o presidente Castro e eu anunciamos que os EUA e Cuba iniciariam um processo para normalizar as relações entre nossos países. (aplausos)

De lá para cá, estabelecemos relações diplomáticas e abrimos embaixadas. Lançamos iniciativas para cooperar em saúde e agricultura, educação e policiamento. Fechamos acordos para restaurar os voos diretos e o serviço de correios]".http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/12/1718010-cuba-e-eua-anunciam-que-retomarao-em-breve-o-servico-de-correio-direto.shtml Ampliamos nossos laços comerciamos e aumentamos a capacidade dos americanos de "[viajar a Cuba e fazer negócios em Cuba.

Carlos Barria/Reuters
O presidente dos EUA, Barack Obama, discursa em teatro de Havana nesta terça-feira (22)
O presidente dos EUA, Barack Obama, discursa em teatro de Havana nesta terça-feira (22)

E essas mudanças foram saudadas, apesar de ainda haver pessoas que se opõem a essas políticas. Mesmo assim, muitas pessoas de cada lado desse debate perguntaram: "Por que agora? Por que agora?"

Existe uma resposta simples: o que os Estados Unidos estavam fazendo não estava funcionando. Precisamos ter a coragem de admitir essa verdade. Uma política de isolamento criada para a Guerra Fria fazia pouco sentido no século 21.

O embargo estava apenas prejudicando o povo cubano, em vez de ajudá-lo. E sempre acreditei naquilo que Martin Luther King, Jr. chamava de "a urgência acirrada do agora": que não devemos temer as mudanças, devemos abraçá-las. (aplausos)

Isso me conduz a uma razão maior e mais importante dessas transformações: creo en el pueblo cubano. Acredito no povo cubano. (aplausos) Esta não é apenas uma política de normalização de relações com o governo cubano. Os Estados Unidos da América está normalizando relações com o povo cubano. (aplausos)

E hoje quero compartilhar com vocês minha visão sobre qual pode ser nosso futuro. Quero que os cubanos, especialmente os jovens, entendam por que eu acredito que vocês devem olhar para o futuro com esperança.

Não a promessa falsa que insiste que as coisas são melhores do que são na realidade, nem o otimismo cego que afirma que todos seus problemas poderão desaparecer amanhã. Esperança que tenha suas raízes no futuro que vocês podem escolher, que vocês podem moldar e que vocês podem construir para seu país.

Estou esperançoso porque acredito que o povo cubano é tão inovador quanto qualquer povo do mundo.

Numa economia global movida pelas ideias e a informação, o maior ativo de um país é seu povo. Nos Estados Unidos, temos um monumento evidente ao que o povo cubano é capaz de construir: ele se chama Miami.

Aqui em Havana, enxergamos esse mesmo talento nos "cuentapropistas" (microempresários), nas cooperativas e nos carros velhos ainda em uso. El cubano inventa del aire (o cubano inventa com o ar). (aplausos)

Cuba possui uma riqueza extraordinária —um sistema de ensino que valoriza cada menino e cada menina. (aplausos) E, nos anos recentes, o governo cubano começou a abrir-se para o mundo e a abrir mais espaço para esse talento florescer.

Em poucos anos pudemos ver como os cuentapropistas podem dar certo, ao mesmo tempo em que conservam um espírito distintamente cubano. Ser profissional autônomo não é tornar-se mais como a América, é ser você mesmo.

Veja o caso de Sandra Lidice Aldama, que optou por abrir um pequeno negócio. Os cubanos, ela disse, "conseguimos inovar e adaptar sem perder nossa identidade. Nosso segredo não está em copiar ou imitar, mas simplesmente em ser nós mesmos."

Veja o caso do barbeiro Papito Valladares, cujo sucesso lhe permitiu melhorar as condições em seu bairro. "Entendo que não vou resolver todos os problemas do mundo", ele disse. "Mas, se eu puder resolver problemas no pedacinho do mundo onde vivo, isso pode ter eco em toda Havana."

É ali que começa a esperança: com a capacidade de ganhar a própria vida e de construir algo do qual você possa se orgulhar. É por isso que nossas políticas são voltadas a apoiar os cubanos, em vez de prejudicá-los.

Foi por isso que acabamos com os limites às remessas —para que os cubanos comuns possam dispor de mais recursos. É por isso que estamos incentivando as viagens —que vão lançar pontes entre nossos povos e levar mais receita àquelas micro e pequenas empresas cubanas.

Foi por isso que abrimos espaço para comércio e intercâmbios —para que americanos e cubanos possamos trabalhar juntos para encontrar curas de doenças, gerar empregos e abrir a porta a mais oportunidades para o povo cubano.

Como presidente dos Estados Unidos, pedi ao nosso Congresso que levante o embargo. (aplausos). Ele é um ônus superado imposto ao povo cubano. É um ônus aos americanos que querem trabalhar, fazer negócios ou investir aqui em Cuba.

É hora de levantar o embargo. Mas, mesmo que levantássemos o embargo amanhã, os cubanos não realizariam seu potencial sem mudanças contínuas aqui em Cuba. (aplausos)

Deveria ser mais fácil abrir um negócio aqui em Cuba. Um trabalhador deveria poder conseguir um emprego diretamente com companhias que investem aqui em Cuba. Duas moedas não deveriam separar os tipos de salários que os cubanos podem ganhar.

A internet deveria estar disponível em toda a ilha, para que os cubanos pudessem se conectar com o mundo maior (aplausos) e com um dos maiores motores de crescimento da história humana.

Não há restrição vinda dos Estados Unidos à capacidade de Cuba de dar esses passos. Está nas mãos de vocês. E posso lhes dizer como amigo que a prosperidade sustentável no século 21 depende da educação, da saúde e da proteção ambiental.

Mas também depende da troca de ideias livre e aberta. Se você não puder acessar ideias online, se não puder ser exposto a pontos de vista diferentes, você não alcançará seu potencial pleno. E, com o tempo, a juventude perderá a esperança.

Sei que essas questões são delicadas, especialmente quando vêm de um presidente americano. Antes de 1959, alguns americanos viam Cuba como algo a ser explorado; eles ignoravam a pobreza e facilitavam a corrupção. E, desde 1959, temos sido treinados nesta batalha de geopolítica e personalidades. Conheço a história, mas me recuso a ser encurralado por ela. (aplausos)

Já deixei claro que os Estados Unidos não tem a capacidade ou a intenção de impor mudanças a Cuba. As mudanças que virão vão depender do povo cubano. Não vamos impor nosso sistema político ou econômico a vocês. Reconhecemos que cada país, cada povo precisa mapear seu próprio rumo e criar seu próprio modelo.

Mas, tendo removido a sombra da história de nosso relacionamento, preciso falar francamente sobre as coisas em que acredito —as coisas em que nós, como americanos, acreditamos. Como disse Martí, "a liberdade é o direito de cada homem de ser franco, de pensar e falar sem hipocrisia".

Assim, vou dizer em que acredito. Não posso obrigá-los a concordar, mas vocês devem saber em que eu acredito. Acredito que todas as pessoas devem ser iguais perante a lei. (aplausos)

Cada criança merece a dignidade que decorre da educação, da saúde, da comida sobre a mesa e de um teto sob o qual se abrigar. (aplausos) Acredito que os cidadãos devem ser livres para falar o que pensam sem medo (aplausos), para organizar-se, para criticar seu governo e protestar pacificamente, e que o Estado de direito não deve incluir a detenção arbitrária de pessoas que exercem esses direitos.

Acredito que cada pessoa deve ter a liberdade de praticar sua religião pacífica e publicamente. (aplausos) E sim, acredito que os eleitores devem poder escolher seus governos em eleições livres e democráticas. (aplausos)

Nem todos concordam comigo nesse ponto. Nem todo o mundo concorda com o povo americano em relação a isso. Mas acredito que esses direitos humanos são universais. (aplausos) Acredito que são os direitos do povo americano, do povo cubano e dos povos de todo o mundo.

Não é segredo para ninguém que nossos governos discordam sobre muitos desses pontos. Já tive conversas francas com o presidente Castro. Há muitos anos já ele vem apontando para as falhas no sistema americano: a desigualdade econômica, a pena de morte, a discriminação racial, as guerras no exterior. Isso é apenas uma amostra.

Ele tem uma lista muito mais longa. (risos) Mas eis o que o povo cubano precisa entender: eu saúdo este debate e diálogo aberto. É bom. É saudável. Não tenho medo dele.

É verdade que temos dinheiro demais na política americana. Mas na América ainda é possível para alguém como eu -um menino que foi criado por mãe solteira, filho de pais de raças diferentes e que não tinham muito dinheiro-buscar e chegar ao cargo mais alto do país. É isso o que é possível na América. (aplausos)

É verdade que temos problemas com o preconceito racial —em nossas comunidades, em nosso sistema de justiça criminal, em nossa sociedade. É o legado da escravidão e da segregação racial.

Mas é o fato de que temos discussões abertas dentro da democracia americana que nos permite melhorar. Em 1959, o ano em que meu pai se mudou para a América, em muitos Estados americanos seria ilegal para ele se casar com minha mãe, que era branca.

Quando comecei a ir à escola, ainda estávamos lutando para acabar com a segregação racial nas escolas em todo o sul dos Estados Unidos. Mas as pessoas se organizaram; protestaram, debateram essas questões e contestaram autoridades do governo.

E, graças a esses protestos, a esses debates e à mobilização popular, hoje posso estar aqui como afroamericano e presidente dos Estados Unidos. Foi graças às liberdades propiciadas nos Estados Unidos que pudemos promover a transformação.

Não estou dizendo que isso seja fácil. Ainda há problemas enormes em nossa sociedade. Mas é com a democracia que os resolvemos. Foi assim que conseguimos atendimento de saúde para um número maior de nossos cidadãos.

Foi assim que fizemos avanços enormes nos direitos das mulheres e dos gays. É assim que enfrentamos a desigualdade que concentra tanta riqueza no topo de nossa sociedade. Porque os trabalhadores podem se organizar e as pessoas comuns podem ter voz, a democracia americana deu a nosso povo a oportunidade de lutar por seus sonhos e desfrutar de um alto padrão de vida. (aplausos)

Ainda há lutas difíceis. O processo democrático nem sempre foi bonito. Com frequência ele é frustrante. Podemos ver isso na eleição que está em curso em nosso país. Mas parem por um instante e considerem o seguinte fato em relação à campanha eleitoral americana que acontece neste momento.

Tivemos dois cubano-americanos no Partido Republicano concorrendo contra o legado de um negro que é presidente e argumentando que eram as melhores pessoas para derrotar o candidato democrata, que ou será uma mulher ou um socialista democrático. (risos e aplausos). Quem teria acreditado nisso em 1959? É uma medida dos avanços que fizemos como democracia. (aplausos)

Assim, esta é minha mensagem ao governo cubano e ao povo cubano: os ideais que são o ponto de partida de toda revolução —a revolução da América, a revolução de Cuba, os movimentos de libertação pelo mundo afora—, esses ideais encontram sua expressão mais verdadeira, creio eu, na democracia.

Não porque a democracia americana seja perfeita, mas precisamente porque não o somos. E, como todos os países, o nosso precisa do espaço para mudanças que a democracia nos proporciona. A democracia confere aos indivíduos a capacidade de ser catalisadores para pensar de novas maneiras, para reimaginar nossas sociedades e torná-las melhores.

Já há uma evolução acontecendo em Cuba, uma mudança de gerações. Muitos sugeriram que eu viesse aqui e convidasse o povo de Cuba a derrubar alguma coisa, mas estou apelando aos jovens de Cuba que vão erguer alguma coisa, que vão construir algo novo. (aplausos) O futuro de Cuba precisa estar nas mãos do povo cubano. (aplausos)

E ao presidente Castro, cuja presença aqui hoje eu aprecio: quero que o senhor saiba —acredito que minha visita aqui demonstra que vocês não precisam temer uma ameaça dos Estados Unidos.

E, em vista de seu compromisso com a soberania e autonomia de Cuba, também confio que vocês não precisam temer as vozes diferentes do povo cubano —nem sua capacidade de se manifestar, de se reunir e de votar em seus líderes. Na realidade, estou esperançoso em relação ao futuro porque confio que o povo cubano tomará as decisões certas.

E, enquanto vocês o fazem, também confio que Cuba continuará a exercer um papel importante no hemisfério e no planeta. E minha esperança é que vocês possam fazê-lo como parceiros dos Estados Unidos.

Nossos dois países desempenharam papéis muito diferentes no mundo. Mas ninguém deve negar o serviço prestado aos pobres e sofredores por milhares de médicos cubanos. (aplausos)

No ano passado, profissionais de saúde americanos —e militares americanos— trabalharam lado a lado com cubanos para salvar vidas e derrotar o ebola na África ocidental. Acredito que deveríamos continuar com esse tipo de cooperação em outros países.

Estivemos em lados opostos de tantos conflitos nas Américas. Mas hoje americanos e cubanos estão sentados juntos à mesa de negociações e estamos ajudando o povo colombiano a encontrar uma saída de uma guerra civil que se arrasta há décadas. (aplausos) Esse tipo de cooperação beneficia a todos, dá esperança a todos neste hemisfério.

Seguimos trajetórias diferentes em nosso apoio ao povo da África do Sul para que o apartheid terminasse. Mas o presidente Castro e eu pudemos ambos estar em Johannesburgo para render homenagem ao legado do grande Nelson Mandela. (aplausos)

E, estudando a vida e as palavras dele, tenho certeza que ambos percebemos que temos mais trabalho a fazer para promover a igualdade em nossos próprios países -para reduzir a discriminação de base racial em nossos próprios países.

E, em Cuba, queremos que nosso engajamento ajude a erguer os cubanos de origem africana (aplausos), que provaram que não há nada que não possam realizar quando têm a chance disso.

Fizemos parte de blocos diferentes de nações no hemisfério. Vamos continuar a ter divergências profundas em relação a como promover a paz, a segurança, oportunidades e direitos humanos. Mas, enquanto normalizamos nossas relações, acredito que isso poderá ajudar a fomentar um senso maior de união nas Américas. Somos todos americanos. (aplausos)

Desde o início de minha Presidência venho exortando os americanos a deixar para trás as batalhas ideológicas do passado. Vivemos uma era nova. Sei que muitas das questões das quais falei não possuem a dramaticidade do passado.

E sei que parte da identidade de Cuba é seu orgulho em ser uma pequena ilha-nação que foi capaz de defender seus direitos e sacudir o mundo. Mas sei também que Cuba sempre vai se destacar pelo talento, o trabalho árduo e o orgulho dos cubanos.

Essa é a força de vocês. (aplausos) Cuba não precisa se definir pela oposição aos Estados Unidos, assim como os Estados Unidos não devem ser definidos por serem contra Cuba. Tenho esperança para o futuro devido à reconciliação que está acontecendo entre os cubanos.

Sei que, para alguns cubanos da ilha, pode haver a impressão de que aqueles que partiram de alguma maneira apoiavam a velha ordem de Cuba. Estou certo de que existe uma narrativa que ainda sobrevive aqui e que sugere que os exilados cubanos ignoraram os problemas da Cuba pré-revolucionária e rejeitaram a luta para construir um novo futuro.

Mas posso lhes dizer que muitíssimos exilados cubanos carregam uma memória de separação dolorosa —e às vezes violenta. Eles amam Cuba. Uma parte deles ainda a vê como seu verdadeiro lar. É por isso que o sentimentos deles é tão forte. Por isso sua dor é tão forte.

E, para a comunidade cubano-americana que aprendi a conhecer e respeitar, o que está em jogo não é apenas política. É família —a memória de um lar que se perdeu, o desejo de reconstruir um elo rompido, a esperança de um futuro melhor, a esperança do retorno e da reconciliação.

Apesar de toda a política, as pessoas são pessoas e os cubanos são cubanos. E eu vim para cá, percorri esta distância sobre uma ponte que foi erguida por cubanos de ambos os lados do Estreito da Flórida.

Conheci o talento e a paixão dos cubanos na América. E sei que eles sofreram mais que a dor do exílio —que também sabem como é ser outsiders, lutar e trabalhar mais para que seus filhos possam progredir mais na América.

Assim, a reconciliação dos cubanos —dos filhos e netos da revolução e dos filhos e netos do exílio— é fundamental para o futuro de Cuba. (aplausos)

Vemos isso em Gloria Gonzalez, que viajou para cá em 2013 pela primeira vez após 61 anos de separação e foi recebida por sua irmã, Llorca. "Você me reconheceu, mas eu não a reconheci", falou Gloria depois de abraçar sua irmã. Imagine isso, após 61 anos.

Vemos isso em Melinda Lopez, que veio para a antiga casa de sua família. E, quando estava andando na rua, uma idosa a reconheceu como filha de sua mãe e começou a chorar.

Ela levou Melinda para sua casa e lhe mostrou uma pilha de fotos entre as quais estava uma foto de Melinda bebê, que a mãe dela lhe tinha enviado 50 anos antes. Melinda comentou mais tarde: "Muitos de nós estamos recebendo tanta coisa de volta agora".

Vemos isso em Cristian Miguel Soler, um rapaz que tornou-se o primeiro de sua família a vir para cá, depois de 50 anos. Ao encontrar seus parentes pela primeira vez, ele disse: "Entendi que família é família, não importa a distância entre nós".

Às vezes as transformações mais importantes começam em lugares pequenos. As marés da história podem deixar as pessoas em conflito, no exílio e na pobreza. Leva tempo para essas circunstâncias mudarem.

Mas o reconhecimento de uma humanidade comum, a reconciliação de pessoas vinculadas pelo sangue e por acreditarem umas nas outras —é ali que o progresso começa. A compreensão, o ouvir, o perdão. E, se os cubanos enfrentarem a história juntos, será mais provável que os jovens de hoje consigam viver com dignidade e realizar seus sonhos aqui mesmo, em Cuba.

A história dos Estados Unidos e de Cuba engloba a revolução e o conflito, a luta e o sacrifício, o castigo e, agora, a reconciliação. Agora é hora de todos deixarmos o passado para trás. É hora de olharmos para frente, para o futuro juntos -um futuro de esperança.

E não será fácil. Haverá revezes. Levará tempo. Mas meu tempo aqui em Cuba renova minha esperança e minha confiança no que os cubanos farão. Podemos empreender esta jornada como amigos, como vizinhos e como família, juntos. Sim, podemos. Muchas gracias. (aplausos)

Tradução de CLARA ALLAIN


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