Folha de S. Paulo


Análise

Desmantelar o Estado Islâmico é apenas o início do desafio

Os atentados terroristas na Bélgica são um brutal replay de Paris, Bagdá, Beirute, Ancara, San Bernardino. A radicalização impulsionada pela ideologia do Estado Islâmico, centrada na renegação do islamismo moderado e na demonização do Ocidente, avança com determinação.

A brutalidade e a letalidade das ações terroristas estão substanciadas por uma racionalidade objetiva e de clara finalidade política. Contudo, de nada adianta fugir da raiz do problema. O terrorismo que assola a Europa é resultado da inércia política e de estratégias equivocadas adotadas pelos países europeus.

Paris, Londres e Berlim, influenciadas pelo magnetismo financeiro dos países do golfo Pérsico e da ilusória promessa turca de contrapor-se à presença russa na Síria, foram determinantes para a fracassada fórmula de se decodificar a estratégia de Moscou de combater na Síria.

A dubiedade da política europeia foi exposta com a cosmética coalizão internacional de combate ao EI e, a posteriori, com a crise de refugiados sírios em suas fronteiras.

O território turco era rota livre para refugiados desesperados e terroristas fugitivos. O presidente turco, Recep Erdogan, quis desempenhar um papel ambivalente com esses dois coeficientes.

A estratégia de Ancara consistia em elevar a pressão sobre a Europa, em dois níveis, tentando servir de âncora para a solução dos problemas derivados do conflito sírio.

Primeiro, buscou coagir a União Europeia a apoiar o pleito turco nas negociações de Viena e Genebra, tendo em vista a gradativa perda de controle e capacidade operacional da fronteira norte da Síria, especialmente em sua política de estrangulamento aos movimentos curdos.

Depois, tentou extrair da Europa vantagens econômicas ou políticas, barganhando a reconsideração da postulação turca de adesão à UE.

Por outro lado, as potências europeias foram complacentes diante das atrocidades cometidas na Síria, transformando suas decisões políticas em ações mercadológicas para oxigenar sua indústria bélica nos países árabes do golfo, ao impedir possíveis soluções pacíficas por serem desvantajosas, politicamente, para seus clientes.

Como a proteção dos direito humanos foi ignorada desde o início do conflito, em 2011, a Europa estava sob pressão moral para agir.

O grito da Alemanha veio a ser disparado apenas depois da avalanche de refugiados e das pressões sobre a chanceler Angela Merkel.

A ausência de uma estratégia europeia clara para dialogar com a Rússia após o seu engajamento militar na Síria e a aposta na Turquia como ponto de contenção refletem o resultado, em uma moldura política ampliada, desse desastroso cenário.

Com estratégia clara e esforço coordenado, não é tão complexo desmantelar a infraestrutura operacional, logística e econômica do EI.

O difícil é debilitar as teias de doutrinação de adolescentes que foram cooptados e ideologizados e que agora, adultos, operam de forma horizontal e decentralizada.

O problema é maior do que destruir o EI; o desafio consiste em aniquilar uma ideologia e resgatar uma geração.

Apostar em Erdogan e nos petrodólares das monarquias do golfo Pérsico foi uma jogada de alto risco para Europa. Sua longa inércia fortaleceu o EI. Abandonado por seus patronos e pelos aliados de seus patronos, a facção terrorista está em guerra retaliatória contra ambos.

Radicalização europeia


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