Folha de S. Paulo


Leia íntegra do discurso de Obama após reunião com Raúl Castro em Cuba

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o ditador de Cuba, Raúl Castro, abordaram nesta segunda-feira (21) o embargo econômico e as questões de direitos humanos e liberdades fundamentais em Cuba, mas prometeram que, apesar das diferenças, continuarão seguindo adiante na construção de um novo caminho entre os dois países.

No segundo dia de sua viagem histórica de Obama a Cuba, os representantes participaram de uma entrevista coletiva após encontro bilateral. Leia abaixo a íntegra do discurso de Obama.

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"Buenas tardes. Presidente Castro, ao senhor, ao governo cubano e ao povo cubano, obrigado pela acolhida que deram a mim, minha família e minha delegação. Por mais de meio século ver um presidente dos Estados Unidos aqui em Havana teria sido inimaginável. Mas este é um novo dia —es un nuevo día— entre nossos dois países.

Com sua indulgência, Sr. Presidente, quero me afastar apenas brevemente dos temas em pauta, porque neste fim de semana recebi a notícia de que um dos membros destacados de nossas Forças Armadas dos Estados Unidos, o sargento da Marinha Louis F. Cardin, de Temecula, Califórnia, foi morto no norte do Iraque enquanto ajudávamos o governo iraquiano a enfrentar a organização terrorista EI nesse país. Quero apenas enviar meus pensamentos e orações à família dele e dos que foram feridos. É algo que nos recorda que, ao mesmo tempo em que embarcamos nesta visita histórica, há membros das Forças Armadas dos EUA que se sacrificam todos os dias em prol de nossa liberdade e segurança. Por isso sou grato a eles.

Minha mulher, Michelle, e eu trouxemos nossas filhas —e vale observar que hoje em dia elas nem sempre querem nos acompanhar; elas já são adolescentes. Elas têm amigos em casa e têm coisas a fazer— mas quiseram vir a Cuba porque compreenderam, e porque nós queríamos mostrar a elas, a beleza de Cuba e seu povo. Ficamos comovidos com os cubanos que nos receberam ontem, sorrindo e acenando, no trajeto vindos do aeroporto. Ficamos gratos pela oportunidade de estar na Velha Havana; comemos comida cubana excelente. Nossa visita à catedral nos recordou dos valores que compartilhamos, da fé profunda que alimenta tantos cubanos e americanos. E ela também me deu a oportunidade de expressar minha gratidão ao cardeal Ortega, que, juntamente com Sua Santidade, o papa Francisco, tanto fez para promover a melhora das relações entre nossos governos. Hoje de manhã tive a honra de render homenagem a José Martí —não apenas a seu papel na independência cubana, mas às palavras profundas que ele escreveu e falou em defesa da liberdade em toda parte.

Trago comigo as saudações e a amizade do povo americano. Na verdade, estou acompanhado nesta viagem por quase 40 deputados —democratas e republicanos. É a maior delegação deste tipo de minha Presidência e indica o interesse e entusiasmo suscitados na América pelo processo que empreendemos. Esses deputados reconhecem que nosso novo relacionamento com Cuba é do interesse dos dois países. Também estou acompanhado por alguns dos maiores empresários e empreendedores da América, porque estamos dispostos a buscar mais laços comerciais, que criarão empregos e oportunidades tanto para cubanos quanto para americanos.

E estou especialmente satisfeito por estar acompanhado nesta viagem por tantos cubano-americanos. Para eles e para os mais de 2 milhões de cubano-americanos em todos os EUA, este é um momento repleto de grande emoção. Desde que facilitamos as viagens entre nossos dois países, mais cubano-americanos estão retornando para casa. Para muitos, este é um momento de nova esperança no futuro.

Assim, presidente Castro, quero agradecê-lo pela cortesia e o espírito de abertura que o senhor está demonstrando em nossos diálogos. Em nosso encontro no Panamá no ano passado, o senhor disse que estamos dispostos a discutir todas as questões e que tudo está sobre a mesa. Assim, com sua compreensão, minha declaração será um pouco mais longa que o usual.

O presidente Castro sempre brinca comigo, falando de como os discursos dos irmãos Castro podem ser longos. Mas hoje eu provavelmente terei uma fala um pouco mais longa que a sua, com sua permissão. Temos meio século de trabalho atrasado para recuperar.

Nosso engajamento crescente com Cuba é norteado por uma meta abrangente: promover os interesses mútuos de nossos dois países, incluindo melhorar a vida de nossos cidadãos, cubanos e americanos. É por isso que estou aqui. Tenho dito constantemente que, depois de cinco décadas muito difíceis, a relação entre nossos governos não será transformada da noite para o dia. Como o presidente Castro indicou, continuamos a ter diferenças muito sérias, incluindo diferenças em relação à democracia e aos direitos humanos. E o presidente Castro e eu temos tido diálogos muito francos e cândidos sobre esses temas.

Os Estados Unidos reconhecem o progresso feito por Cuba como nação, suas conquistas enormes na educação e na saúde. E, o que possivelmente seja o mais importante, eu afirmei que o destino de Cuba não será decidido pelos Estados Unidos ou qualquer outro país. Cuba é soberana e tem grande orgulho, justificadamente. E o futuro de Cuba será decidido pelos cubanos e ninguém mais.

Ao mesmo tempo, como fazemos em toda parte onde vamos no mundo, deixei claro que os Estados Unidos vão continuar a manifestar-se em nome da democracia, incluindo o direito do povo cubano de decidir seu próprio futuro. Vamos nos manifestar em nome dos direitos humanos universais, incluindo a liberdade de expressão, de reunião e de religião. De fato, estou ansioso por me reunir com líderes da sociedade civil cubana amanhã e ouvir suas colocações.

Mas, como vocês ouviram, o presidente Castro também falou do que ele vê como sendo as falhas dos Estados Unidos em torno das necessidades básicas da população, da pobreza, desigualdade e relações raciais. E saudamos também esse diálogo construtivo, porque acreditamos que, quando compartilhamos nossas crenças e ideias mais profundas com uma atitude de respeito mútuo, ambos podemos aprender e fazer a vida de nossas populações ser melhores.

Parte da normalização das relações significa que discutimos nossas diferenças diretamente. Assim, estou muito satisfeito por termos acordado que nosso próximo diálogo EUA-Cuba sobre direitos humanos terá lugar aqui em Havana, este ano. E nossos dois países saudarão visitas de especialistas independentes das Nações Unidas enquanto combatemos o tráfico humano, que concordamos ser uma violação profunda dos direitos humanos.

Ao mesmo tempo em que discutimos essas diferenças, compartilhamos a visão de que podemos continuar a fazer avanços nas áreas que temos em comum. Presidente Castro, o senhor disse no Panamá que "podemos discordar hoje sobre algo em torno do qual concordaremos amanhã". Esse tem sido o caso nos últimos 15 meses e nos dias que antecederam esta visita. Hoje, posso anunciar que continuamos a avançar em muitas frentes quando se trata da normalização de relações.

Estamos seguindo adiante com mais oportunidades para americanos viajarem a Cuba e interagirem com o povo cubano. No último ano, o número de americanos que vêm para cá subiu muito. Na semana passada demos nossa aprovação à possibilidade de americanos individuais virem para cá em viagens educativas. Companhias aéreas americanas iniciarão voos comerciais diretos este ano. Com o anúncio da segurança dos portos feito na semana passada, derrubamos o último grande obstáculo remanescente à retomada dos cruzeiros e dos serviços de ferryboat. Tudo isso significa que ainda mais americanos visitarão Cuba nos próximos anos e apreciarão a incrível história e cultura do povo cubano.

Estamos seguindo adiante com mais comércio. Com apenas 145 quilômetros nos separando, somos parceiros comerciais naturais. Outras medidas que tomamos na semana passada —permitir o uso mais amplo do dólar americano em Cuba, dar mais acesso ao dólar a cubanos em transações internacionais e permitir que cubanos nos EUA recebam salários— essas coisas farão mais para criar oportunidades comerciais e para joint ventures. Saudamos o importante anúncio feito por Cuba de que o país pretende acabar com a penalidade de 10% imposta às conversões de dólares aqui, algo que vai abrir a porta a mais viagens e mais comércio. E essas medidas mostram que nossos países estão se abrindo um para o outro.

Com esta visita, concordamos em aprofundar nossa cooperação na agricultura, para apoiar nossos agricultores e pecuaristas. Esta tarde vou destacar alguns dos novos acordos comerciais que estão sendo anunciados por grandes empresas americanas. E, assim como eu continuo a apelar ao Congresso para que suspenda o embargo comercial, discuti com o presidente Castro as medidas que exortamos Cuba a tomar para mostrar que está preparada para fechar mais negócios, o que inclui permitir mais joint ventures e autorizar empresas estrangeiras a contratar cubanos diretamente.

Estamos avançando com nossos esforços para ajudar a conectar mais cubanos à internet e à economia global. Sob o presidente Castro, Cuba traçou a meta de levar os cubanos on-line. E nós queremos ajudar. No evento de empreendedorismo desta tarde vou discutir medidas adicionais que estamos tomando para ajudar mais cubanos a aprender, inovar e fazer negócios on-line, porque no século 21 os países não podem ser bem-sucedidos se seus cidadãos não tiverem acesso à internet.

Estamos avançando com mais intercâmbios educacionais. Graças ao apoio generoso da comunidade cubano-americana, posso anunciar que minha iniciativa 100.000 Strong in the Americas vai oferecer novas oportunidades para universitários estudarem no exterior —mais americanos em escolas cubanas e mais cubanos em escolas americanas. E, para o futuro, haverá dotações e bolsas de estudo para estudantes cubanos. Em parceria com o governo cubano, ofereceremos mais ensino da língua inglesa a professores cubanos, tanto em Cuba quanto on-line.

Obama em Cuba

Ao mesmo tempo em que os cubanos se prepararam para a chegada dos Rolling Stones, estamos promovendo mais eventos e intercâmbios que reúnam cubanos e americanos. Estamos todos ansiosos pela partida de amanhã entre os Tampa Bay Rays e a seleção nacional cubana [de beisebol].

De modo mais amplo, estamos avançando com parcerias na saúde, ciência e meio ambiente. Do mesmo modo como equipes médicas cubanas e americanas cooperaram no Haiti no combate ao cólera e na África ocidental no combate ao ebola —e quero fazer um elogio especial aos médicos cubanos que foram como voluntários assumir algumas tarefas muito árduas para salvar vidas na África ocidental, em parceria conosco e com outras nações. Apreciamos muitíssimo o trabalho que eles fizeram. Agora nossos profissionais médicos vão cooperar em novas áreas, prevenindo o alastramento de vírus como o da zika e liderando novas pesquisas sobre vacinas contra o câncer. Nossos governos também vão trabalhar pela proteção das belas águas desta região que dividimos.

E, como dois países ameaçados pelas mudanças climáticas, acredito que podemos trabalhar juntos para proteger comunidades e nossas costas de relevo baixo. Estamos convidando Cuba a unir-se a nós e nossos parceiros caribenhos e centro-americanos na cúpula energética regional desta primavera em Washington.

E, finalmente, estamos avançando com nossa cooperação mais estreita sobre a segurança regional. Estamos trabalhando para aprofundar a coordenação entre nossas polícias, especialmente no combate aos narcotraficantes que ameaçam ambos nossos povos. Quero agradecer ao presidente Castro e ao governo cubano por sediarem as discussões de paz entre o governo colombiano e as Farc. Continuamos a acreditar que os colombianos vão alcançar uma paz duradoura e justa. E, embora não tenhamos discutido a Venezuela detalhadamente, tocamos no assunto. Acredito que a região inteira tenha interesse em um país que esteja enfrentando seus desafios econômicos, que esteja aberto às aspirações de seus cidadãos e que seja fonte de estabilidade na região. Creio que esse é um interesse que todos nós devemos compartilhar.

Assim, quero agradecê-lo novamente, presidente Castro, por me ter acolhido. Acho que é justo dizer que os EUA e Cuba agora estão engajados em mais áreas do que foi o caso em qualquer momento de minha vida. A cada dia que passa, mais americanos estão vindo a Cuba, enquanto mais empresas, escolas e grupos religiosos dos EUA estão forjando novas parcerias com o povo cubano. E mais cubanos estão se beneficiando das oportunidades abertas por estas viagens e este comércio.

Como o senhor indicou, o caminho adiante não será fácil. Felizmente, não precisamos nadar com tubarões para alcançar as metas que o senhor e eu traçamos. Como vocês dizem aqui em Cuba, "echar para delante", ou seja, bola para frente. Apesar das dificuldades, vamos continuar a avançar. Estamos focados sobre o futuro.

E tenho absoluta confiança de que, se continuarmos neste rumo, poderemos proporcionar um futuro melhor e mais positivo ao povo cubano e para o povo americano.

Muchas gracias. Muito obrigado.

Tradução de CLARA ALLAIN


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