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Repetição de ataques revela inépcia para impedi-los, afirma especialista

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Enquanto as autoridades belgas investigavam os locais onde ocorreram, nesta terça-feira (22) os ataques em Bruxelas, contabilizando os números de mortos e feridos, as recentes celebrações pela detenção de Salah Abdeslam murchavam.

Abdeslam foi preso na sexta-feira (18), após quatro meses de buscas internacionais. Ele é considerado um dos mentores dos ataques a Paris, em novembro, que deixaram 130 mortos. Sua detenção parecia indicar um importante golpe ao Estado Islâmico.

Os atentados em Bruxelas, porém, indicam que redes como a de Abdeslam ainda são capazes de planejar e executar ataques no continente, a despeito de todos os esforços contrários dos governos europeus.

"Com o que sabemos, é provável que um ataque planejado há um longo tempo tenha sido antecipado pelo receio de que a prisão de Abdeslam e as buscas recentes revelassem muitas informações", diz à Folha Guy Van Vlierden, especialista em terrorismo e em recrutamento pelo EI na Bélgica.

O especialista afirma que a vingança pela detenção do terrorista seria, assim, uma motivação secundária. "E é importante ressaltarmos que os seguidores do Estado Islâmico ainda o consideram um herói, e não um traidor", diz. Ele monitora as redes sociais em busca de reações aos acontecimentos recentes, como parte de sua pesquisa.

Para Vlierden, é preocupante a possibilidade de que uma mesma rede terrorista consiga realizar dois ataques dessa magnitude em um curto intervalo de tempo. "É assustador no que diz respeito a suas habilidades."

Ainda não há informações suficientes para amarrar o ataque a Paris, a prisão de Abdeslam e as explosões em Bruxelas. Mas a repetição dos ataques pode indicar, também, a incapacidade dos governos de impedi-los. Para Vlierden, os esforços nesse sentido "vão ser sempre insuficientes".

"É mais do que um problema belga, e realmente não digo isso como um belga patriota. Os terroristas que querem agir vão sempre ter oportunidades, a não ser que você reformule sua sociedade em um Estado de polícia."

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Estado Islâmico

CRIADOURO

Durantes as últimas semanas receios de um novo atentado na região surgiram e investigadores alertaram que suspeitos de envolvimento no ataque a Paris ainda estão foragidos.

As explosões desta terça devem trazer de volta a atenção de especialistas no combate ao terrorismo na Bélgica, que é vista como um dos centros para o planejamento de atentados além de exportadora de militantes ao Estado Islâmico na Síria.

Entre as razões apontadas para o surgimento de células terroristas no país estão sua posição estratégica no continente e as medidas de segurança menos restritas (em comparação com as francesas, por exemplo).

As autoridades belgas, segundo críticos, falharam em impedir o crescimento de organizações como a Sharia4Belgium, que recrutava belgas para irem à Síria e lutarem pelo EI.

Um dos terroristas mais renomados dos país era Brian de Mulder, filho de uma brasileira e que supostamente foi morto no ano passado. Ele era conhecido na facção como "Abu Qassem Brazili" (Abu Qassem Brasileiro, em árabe).

FUNDO

Para Karim Hauser, especialista na Casa Árabe, os esforços dos governos em combater o terrorismo devem incluir as causas de fundo do radicalismo. "A saída fácil é buscar bodes expiatórios, e isso pode gerar mais extremismo", diz à reportagem.

A Casa Árabe, que tem sede em Madri, é um consórcio público espanhol para a promoção das relações com o mundo árabe e muçulmano.

Ataque em Bruxelas

"Os serviços de Inteligência não contam com o apoio da comunidade. Há desconfiança, como no caso de Molenbeek, um bairro marginal onde se acumularam a pobreza e o ressentimento", diz, referindo-se à região de Bruxelas de onde vieram diversos militantes relacionados a atentados recentes.

"É necessário trabalhar mais com as comunidades", afirma Hauser. "Para muitos desses jovens sem rumo, a 'jihad' é uma alternativa porque oferece uma causa, uma gratificação tanto aqui e agora quanto mais adiante."


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