Folha de S. Paulo


Análise

Avanço na liberdade de expressão é o melhor resultado da visita

A visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a Cuba é o ápice simbólico de 15 meses de reaproximação concreta entre dois países hostis até há muito pouco tempo.

A détente foi iniciada pelo norte-americano ao enxergar uma janela de oportunidade na lógica da política interna de seu país e perceber receptividade no regime de Havana, quando da troca de guarda entre os irmãos Castro.

Muito já foi feito no curto período e outro tanto deve acontecer nos meses que se seguem à viagem, desde que o democrata eleja sua sucessora, a pré-candidata Hillary Clinton, favorita tanto na indicação do partido governista como na corrida pela Casa Branca.

O cenário será outro se o republicano Donald Trump vencer o pleito de outubro, evento menos provável.

Do ponto de vista de relações comerciais, cubanos e norte-americanos concordam em um ponto: será difícil avançar mais rapidamente se não for derrubado o embargo econômico, na verdade um conjunto de medidas tomadas ao longo das últimas décadas cuja revogação depende do Congresso dos EUA, hoje sob controle do partido de Trump.

A questão econômica dominou os preparativos da visita e tende a moldar sua narrativa, para usar uma palavra da moda.

Mas há um feito político tão importante quanto a volta do fluxo de contêineres de mercadorias às águas do estreito da Flórida, os 150 quilômetros que separam os dois países. É o avanço da liberdade de expressão e de sua correlata, a liberdade de imprensa.

Mais foi feito pelas duas causas nos 20 minutos da tarde desta segunda-feira (21) em que Obama e Raúl Castro falaram aos repórteres estrangeiros e cubanos, e deles ouviram perguntas em Havana, do que durante as cinco décadas anteriores pelo regime cubano.

É a primeira vez que um Castro é verdadeiramente questionado por representantes do jornalismo profissional em seu próprio país desde que a família tomou o poder, em 1959.

Não há imprensa livre em Cuba. Quase não há internet. Segundo levantamento feito pelo instituto Bendixen & Amandi em março de 2015, por muitos considerado a primeira pesquisa independente desde os anos 60, 75% dos cubanos disseram que não podem expressar suas opiniões livremente em público.

Apenas 16% têm acesso à internet e, destes, 40% possuem conta em redes sociais (o Facebook domina).

Até a tarde desta segunda, era impensável confrontar o mandatário supremo em público, como fez o repórter Jim Acosta, da CNN, ao abrir a entrevista coletiva indagando se o regime mantinha prisioneiros políticos e, em caso positivo, por que não os soltava.

Como milhares de outros cubanos, os pais de Acosta deixaram o país nos anos 60, rumo aos EUA.

Raúl Castro respondeu retoricamente, dizendo que, se existisse prisioneiro político, o repórter que mostrasse a lista de nomes e, até o fim do dia, todos estariam soltos.

Segundo Ben Rhodes, da Casa Branca, não era certo, até momentos antes da coletiva, que o dirigente cubano aceitaria responder a perguntas dos repórteres, mas ele acabou aceitando.

Só isso já mostra que Cuba, de fato, começa a mudar.

Obama em Cuba


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