Folha de S. Paulo


Distensão entre EUA e Cuba ecoa ações do Brasil, dizem diplomatas

O reatamento de relações entre EUA e Cuba evocou a política externa brasileira para o bem e para o mal, segundo diplomatas proeminentes ouvidos pela Folha.

O ex-chanceler brasileiro Celso Amorim (2003-11 e 1993-95) avalia que a aproximação entre os dois países, apesar das importantes divergências, mostra que a posição da diplomacia brasileira pelo engajamento em vez da confrontação estava correta.

"Nós fomos [a Cuba] num momento que era difícil ir, fomos criticados internamente, e não só pelo porto de Mariel, disse Amorim, citando a obra da Odebrecht com financiamento do BNDES.

Além de Mariel, também foi bastante controversa a política brasileira de importar médicos da ilha no programa Mais Médicos, vitrine do governo Dilma Rousseff.

Como passos dados pelo Brasil para o fim do isolamento cubano, o ex-chanceler cita também conversas sobre a libertação do preso americano Alan Gross —solto em 2014 após cinco anos de detenção sob acusação de espionagem— e a revogação da suspensão de Cuba da Organização dos Estados Americanos.

Para Amorim, o encontro entre Raúl Castro e Obama demonstra grande mudança assim como o fim das sanções nucleares contra o Irã, em janeiro. "Para a América Latina, a América do Sul, para o continente é um símbolo muito positivo. Os Estados Unidos estão querendo mostrar que não têm só 'hard power', que têm 'soft power'", diz.

"É bom que haja essa visão que predomina o diálogo, é bom que haja essa compreensão de que é preciso respeitar o outro mesmo com diferenças. Mesmo quando quer influenciar de alguma maneira, influencia pela persuasão, e não pelo isolamento."

Obama em Cuba

DIREITOS HUMANOS

Já para Rubens Barbosa (1999-2004), ex-embaixador do Brasil em Washington, a atitude de Obama de falar explicitamente sobre direitos humanos na visita a Cuba diferencia a política externa americana da praticada hoje pelo Brasil.

"O governo americano fez em Havana o que o governo brasileiro se recusa a fazer por questão ideológica, que é discutir os direitos humanos. O governo brasileiro nunca toca diretamente [no assunto], porque acha que é intervenção em assuntos internos (...) Por razões partidárias [brasileiras] é um tabu."

Barbosa avalia que a aproximação americana "desarma o ataque dos países bolivarianos" sobre o isolamento imposto a Cuba pelos EUA. Ele diz não acreditar, no entanto, em transformação no campo político no país.

"Acho que essa abertura econômica não vai ser seguida pela abertura política. O modelo de Cuba vai ser o que acontece no Vietnã, onde o governo abriu a economia, mas sob controle do governo. Como não tem oposição e os dissidentes não são organizados, como você vai [fazer]?"

Barbosa alerta, ainda, para a necessidade de o Brasil melhorar a competitividade para não perder mercado para as exportações brasileiras.

Já Celso Amorim lamenta o Brasil "estar paralisado", em meio à grave crise política, e as empresas nacionais e a diplomacia não poderem colher frutos da abertura de Cuba. Amorim chega a questionar o eventual interesse de um presidente estrangeiro em fazer negócios com uma empresa brasileira no atual momento.

"Mas o problema principal é que a diplomacia brasileira fica emperrada, diante da crise, da incerteza, dos ataques desnecessários", avalia.


Endereço da página:

Links no texto: