Folha de S. Paulo


Análise

Briga em torno da Suprema Corte pode dar tom às eleições nos EUA

A nomeação do juiz Merrick B. Garland para a Suprema Corte dos EUA, feita pelo presidente Barack Obama, desencadeou uma série de cálculos políticos que são extremos até mesmo para uma capital que se deleita com intrigas.

A disputa em torno da vaga tem o potencial de virar um confronto que ajudará a definir o vencedor da corrida pela Casa Branca, o controle do Senado e o equilíbrio ideológico da Suprema Corte.

Trata-se de um caso raro: uma briga em Washington que afeta os três Poderes do governo, com a perspectiva de prejudicar cada um deles.

Saol Loeb/AFP
Merrick Garland (à dir.) e Barack Obama após anúncio de nomeação para Suprema Corte dos EUA
Merrick Garland (à dir.) e Barack Obama após anúncio de nomeação para Suprema Corte dos EUA

A nomeação de Garland, jurista de centro que agrada aos republicanos, aconteceu horas depois do pré-candidato Donald Trump ganhar ainda mais força para a indicação do partido conservador, suscitando entre os líderes republicanos novos temores de uma vitória presidencial democrata e possivelmente até de o Senado passar para o controle dos rivais.

"LAME DUCK"

Essa possibilidade levou alguns senadores republicanos a sugerir que estariam dispostos a aprovar a indicação de Garland numa sessão parlamentar pós-eleitoral, dita "lame duck" (do final do mandato do presidente), preferindo o nome relativamente moderado e conhecido de Garland à escolha incerta que pode ser feita por um futuro presidente democrata.

"Para aqueles de nós preocupados com o rumo da Corte, queremos uma figura mais centrista do que alguma outra pessoa que Hillary poderia vir a nomear. Por isso, acho que a escolha é clara: aprovar Garland em sessão 'lame duck'", disse o senador republicano Jeff Flake, do Arizona, integrante do Comitê do Judiciário. Ele aludia à possibilidade de uma vitória da democrata Hillary Clinton nas eleições em novembro.

Flake não é o único a pensar assim. O senador Orrin G. Hatch, republicano de Utah que faz parte do comitê do Judiciário, disse que se dispõe a discutir a nomeação do juiz depois da eleição, posição reiterada por alguns outros senadores.

No entanto, essa não é a posição republicana majoritária. O senador Mitch McConnell, líder da maioria republicana, ainda insiste que a vaga na Suprema Corte deve ser preenchida pelo próximo presidente, não por Obama.

A escolha de Garland por Obama parece ter rendido alguns dividendos, na medida que um número crescente de senadores republicanos hoje estão dispostos a pelo menos se reunir com Garland. Essas visitas de cortesia tinham sido proibidas anteriormente.

Os democratas disseram que a chegada de um nomeado "de carne e osso", após semanas de disputas com republicanos em torno de nomes hipotéticos, traz novo ânimo. Segundo eles, Garland é uma boa opção, especialmente por ser difícil de criticar.

Além disso, democratas dizem que a possibilidade de Trump ser eleito presidente valerá como argumento para que os republicanos não bloqueiem o nome de Garland.

"O que a população americana prefere? Um juiz centrista ou alguém escolhido por Donald Trump no Supremo?" indagou o senador Chuck Schumer, de Nova York, o terceiro mais importante democrata no Senado.

Entre o Partido Democrata, há a crença de que os republicanos acabarão por ceder à nomeação de Obama. Eles também demonstram pouco interesse em aguardar até depois da eleição para a aprovação final. "Não há porquê esperar até o período 'lame duck' para que o Senado cumpra seu dever", disse Josh Earnest, porta-voz da Casa Branca.

Ainda assim, McConnell insiste que o Senado não aprovará a nomeação de Garland. "O Senado tratará da questão oportunamente quando avaliar as qualificações do nome indicado pelo próximo presidente, seja ele quem for", disse.

No entanto, há indícios de que uma performance republicana fraca na eleição de novembro possa levar senadores a mudar de atitude.

"Minha posição é que devemos deixar que o povo americano dê sua opinião. Por isso, acho que devemos aguardar para saber o resultado da eleição e saber qual rumo a população deste país gostaria de seguir, como base na eleição de novembro", disse a senadora Kelly Ayotte, de New Hampshire, que participa de uma corrida altamente competitiva para conservar sua vaga no Senado e é um dos alvos principais de ataques democratas em torno da Suprema Corte.

Fala-se com frequência em Washington que as eleições têm consequências. Mas republicanos e democratas estão, cada vez mais, enxergando a briga pela Suprema Corte como aquela que terá consequências para as eleições.

Tradução de CLARA ALLAIN


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