Folha de S. Paulo


Nomeado ao Supremo dos EUA ganhou destaque pela calma e imparcialidade

Dias depois de uma bomba matar 168 pessoas na cidade de Oklahoma em abril de 1995, Merrick B. Garland estava no local, enquanto corpos ainda estavam sendo recuperados, examinando a cena do crime e preparando uma eventual acusação criminal.

"É tenebroso olhar para uma mesa com um paletó pendurado sobre a cadeira, uma garrafa de Coca sobre a mesa, e ver que, a meio metro de distância, não há mais chão –apenas céu aberto", comentou Donna A. Bucella, uma ex-colega de Garland que o acompanhou para vistoriar a devastação.

Na época, Garland, indicado à Suprema Corte americana por Obama nesta quarta (16), era o funcionário de mais alto escalão do Departamento de Justiça enviado a Oklahoma depois do atentado. Ele passou as semanas seguintes ajudando a montar o processo e, mais tarde, supervisionou os promotores a partir da sede do Departamento de Justiça.

Saol Loeb/AFP
Obama cumprimenta Merrick Garland, juiz federal que ele indicou para a Suprema Corte dos EUA
Obama cumprimenta Merrick Garland, juiz federal que ele indicou para a Suprema Corte dos EUA

Para Garland, a explosão em Oklahoma City foi o elemento principal de uma constelação de casos criminais federais nos quais ele trabalhou antes de o presidente Bill Clinton nomeá-lo para a Corte de Apelações do Distrito de Columbia, em 1997.

Essas experiências na Procuradoria ajudaram a moldar sua abordagem ao direito. Embora Garland seja conhecido como centrista ou liberal moderado na maioria das áreas, suas decisões judiciais sugerem que ele possa ser um juiz da Suprema Corte mais de centro-direita em questões de direito criminal.

Joseph E. diGenova, republicano e secretário da Justiça na administração Reagan, disse que Garland é "um sujeito profundamente sério que deveria realmente ser o tipo de pessoa que desejamos ter na Suprema Corte. Se Obama quer um juiz fantástico para o Supremo, Merrick Garland é uma opção pronta."

Amigos e ex-colegas de Garland dizem que o caso de Oklahoma, em especial, exerceu impacto emocional duradouro sobre Garland. Na época, ele era a segunda mais importante figura no gabinete da vice-secretário de Justiça, Jamie S. Gorelick, um cargo com responsabilidades amplas sobre o Departamento inteiro. Mas, recorda Gorelick, Garland insistiu que ela o enviasse a Oklahoma para iniciar a investigação pessoalmente.

"Ele não apenas se ofereceu para ir, mas praticamente disse 'você precisa me deixar ir'", recorda Gorelick.

Vários promotores que atuaram no caso disseram que Garland trabalhou incansavelmente para dirigir a investigação a partir de um centro de comando montado no edifício de uma companhia telefônica a poucas quadras de distância do local da explosão, checando mandados de busca, interagindo com outros órgãos policiais e tendo reuniões com vítimas sobreviventes. Ele apareceu no tribunal para as audiências preliminares dos dois suspeitos principais, Timothy McVeigh e Terry Nichols.

Ex-colegas do juiz recordaram também que, para evitar possíveis problemas futuros no julgamento, Garland fez questão de conduzir a investigação segundo as normas, por exemplo enviando intimações judiciais mesmo quando as companhias telefônicas e de locação de camionetes se ofereceram para entregar provas por vontade própria. Garland também designou um promotor para manter as vítimas e seus familiares informados sobre as novidades no caso à medida que os fatos se desenrolavam.

MORTE NA SUPREMA CÔRTE DOS EUA

Garland sentiu-se tão envolvido com o caso que, mais tarde, pediu a Gorelick para comandar a equipe do julgamento. Mas Gorelick rejeitou seu pedido porque a presença de Garland era necessária na sede do Departamento de Justiça. Em vez disso, ele ajudou a escolher os integrantes da equipe de promotores do julgamento e os supervisionou de longe.

Nesse papel, ele esteve envolvido nas principais decisões, incluindo o pedido de pena de morte para McVeigh e Nichols. Ao que tudo indica, ele não fez objeções à proposta. McVeigh foi condenado e executado em 2001. Nichols está cumprindo pena de prisão vitalícia sem possibilidade de liberdade condicional.

Garland aprendeu a ser promotor como secretário-assistente de Justiça do Distrito de Columbia. Ele assumiu o cargo em 1989, abrindo mão de uma sociedade lucrativa na firma de advocacia Arnold & Porter, na qual seu trabalho incluía litígios antitruste. Em seu novo papel, ele se concentrou em processos criminais federais, desde uma ação contra uma quadrilha violenta de tráfico de crack até o processo contra o prefeito Marion Berry por consumo de drogas.

Mais tarde, como nomeado político pela administração Clinton, Garland frequentemente foi supervisor no Departamento de Justiça de investigações importantes de segurança nacional, incluindo o caso do "Unabomber", Theodore J. Kaczynski, e o atentado contra a Olimpíada de 1996, em Atlanta.

A investigação nos Jogos Olímpicos foi prejudicada pela intensa atenção voltada inicialmente sobre Richard A. Jewell, o guarda de segurança que descobriu a bomba, e o vazamento de seu nome a jornalistas. Jewell acabou sendo inocentado, e a secretária de Justiça, Janet Reno, pediu desculpas pelo vazamento.

Mas J. Gilmore Childers, promotor que trabalhou ao lado de Garland em Oklahoma e comandou o tratamento dado pelo Departamento de Justiça às questões de segurança nas Olimpíadas de 1996, disse que foram investigadores de Atlanta os culpados pelo vazamento, e não Garland.

Desde que encerrou sua carreira de promotor e se tornou juiz, Garland já presidiu milhares de julgamentos envolvendo assuntos diversos. Ele ganhou uma reputação por sua inteligência, calma e imparcialidade, segundo advogados que trabalham na corte de apelações.

Mesmo assim, ele às vezes demonstra um pouco de viés favorável à promotoria, mais que outros nomeados democratas, sugerem entrevistas com advogados e uma análise preliminar feita pelo "New York Times" de decisões divididas em processos criminais.

Por exemplo, em julgamentos de 2003 e 2007, o tribunal ficou dividido em relação à supressão ou não de certas provas que teriam sido obtidas pela polícia em operações de busca supostamente anticonstitucionais. Nos dois casos, outro juiz nomeado democrata se posicionou favoravelmente ao réu, enquanto Garland votou por permitir que a promotoria usasse as evidências.

Mesmo quando concordou em suprimir evidências, Garland nem sempre foi tão longe quanto seus colegas. Em um caso de 2008, ele concordou que a promotoria não poderia usar como prova uma arma encontrada na posse de um réu quando um policial tinha aberto o casaco do acusado sem seu consentimento. Mas o juiz não subscreveu outras partes do parecer judicial que ultrapassavam os fatos do caso para lançar-se numa discussão mais ampla dos limites a ser impostos a revistas.

Sem estudar o histórico de trabalho de Garland, vários professores de direito criminal disseram que Stevens tem sido uma voz liberal na Suprema Corte no que diz respeito aos direitos constitucionais de réus criminais, de modo que substituí-lo por um pensador de centro-direita vai modificar a posição da Suprema Corte em questões policiais.

"De modo geral, Stevens reluta mais que a maioria em permitir táticas policiais dúbias", disse Daniel C. Richman, professor de direito na Universidade Columbia.

Tradução de CLARA ALLAIN


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