Folha de S. Paulo


Governo turco endurece cerco à imprensa e intervém em jornais

O fechamento do "Zaman", o maior jornal da Turquia, foi apenas o capítulo mais recente de uma série de ataques contra a imprensa no país. O diário de oposição, com circulação de 650 mil exemplares, foi invadido pela polícia em 3 de março e tomado por interventores estatais.

Segundo a Associação dos Jornalistas da Turquia, há hoje 32 jornalistas presos no país e 24 sendo processados por "ofender" o presidente Recep Tayyip Erdogan. Quinze canais de TV foram excluídos de todas as plataformas digitais e satélites do país.

Flavio Forner
A capa do jornal turco
A capa do jornal turco "Bugün", fechado pela polícia, foi substituído pelo recém-criado "Özgür"

Um interventor estatal assumiu em outubro a gestão dos jornais "Bugün" e "Millet" e os canais de TV Kanaltürk e Bugün. O "Bugün", como o "Zaman", é ligado ao líder religioso Fethullah Gülen, acusado pelo governo de buscar um Estado paralelo na Turquia usando sua influência no Judiciário e na polícia.

O movimento de Gülen foi aliado de Erdogan até 2013, quando veículos de imprensa ligados ao líder religioso se somaram às vozes que acusavam o então premiê de corrupção. Desde então, pessoas e empresas ligadas a ele são acusadas de terrorismo.

Também foram presos jornalistas sem laços com Gülen, como os dos jornais "Cumhuriyet" e "Birgün", de esquerda. Espera-se intervenção nesses jornais em breve.

MACARTHISMO

"O macarthismo encontrou sua melhor expressão na Turquia; Erdogan está fazendo tudo para silenciar a oposição", diz o veterano jornalista Sahin Alpay, colunista do "Zaman" até ser demitido.

Ele também tinha um programa de TV, mas tiraram o canal do ar. E foi demitido da Universidade Bahçesehir, onde lecionava havia 14 anos, após se negar a deixar de criticar o governo. "Estou literalmente desempregado."

Outro colunista demitido, Mümtazer Türköne, é processado por insultar Erdogan e pode ser sentenciado a quatro anos. Em outubro, Türköne escreveu uma coluna crítica à intervenção do governo nos jornais. Embora não tenha citado Erdogan no texto, o título era "O ditador deve ter enlouquecido".

Os jornais que restaram, como o "Sabah", são governistas ou se autocensuram.

"Não há mais jornais independentes, há dias em que sete jornais saem com a mesma manchete", diz Zeynep Altiok, deputada e vice-presidente do CHP, principal partido de oposição a Erdogan.

As TVs que não querem desagradar o governo são chamadas de "mídia pinguim" —durante manifestações contra Erdogan, passam documentários sobre as aves.

"No papel temos democracia; na realidade, vivemos uma ditadura", diz Altiok.

O cartunista brasileiro Carlos Latuff, que já fez cartuns criticando Erdogan, tem seu blog bloqueado na Turquia.

O internauta que o acessa se depara com a mensagem: "Este site foi bloqueada em resposta à ordem unilateral de uma autoridade turca".

Jornalistas são vetados em eventos do governo e chegam a ser retirados por seguranças no meio de entrevistas.

No "Zaman", desde a intervenção, qualquer notícia vagamente crítica é censurada. Um texto sobre a repressão de um protesto por direitos da mulher foi extirpada.

Nem críticas a governos alheios sobrevivem. Mustafa Edib Yilmaz, editor de Mundo do "Zaman", escreveu sobre as acusações de corrupção contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada. A notícia foi tirada do jornal.

OUTRO LADO

Em entrevista à Folha, Sinan Kurun, diretor do escritório de comunicação do primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, afirmou que não existe perseguição à imprensa na Turquia.

"Não existe uma perseguição generalizada contra a mídia; o "Zaman" e outros veículos de mídia ligados [ao líder religioso] Fethullah Gülen agem contra a segurança nacional da Turquia e tentaram dar um golpe contra o governo", disse Kurun.

Segundo ele, "esses jornalistas estão presos não por serem jornalistas, mas por terem cometido crimes, muitos relacionados a terrorismo, espionagem ou destruição de documentos secretos".

Kurun diz que os profissionais fazem "propaganda terrorista". "Ser jornalista não significa que você não pode ser processado por fazer propaganda terrorista, ser jornalista não torna ninguém livre para cometer crimes."


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