Folha de S. Paulo


Com delicadeza, fotógrafos retratam o pós-tsunami japonês de 2011

Duas pombas no céu, uma branca e outra negra, desviam o olhar da destruição lá embaixo. Mas suas cores, pelo menos na visão da fotógrafa Rinko Kawauchi, não deixam de lembrar dois lados de um mundo cindido entre paz e violência, construção e ruína.

Há cinco anos, em 11 de março de 2011, o terremoto mais forte já registrado no Japão atingiu o norte do país, desencadeando um tsunami com ondas de até 40 metros.

Os abalos também provocaram explosões na usina nuclear de Fukushima, obrigando a retirada de pessoas num raio de mais de 20 quilômetros. Mais de 18 mil pessoas morreram na tragédia, enquanto sobreviventes tiveram de reconstruir suas vidas em meio aos escombros.

No rastro da destruição, fotógrafos como Kawauchi visitaram esses lugares quase varridos do mapa na tentativa de documentar a dimensão dos estragos em contraponto aos primeiros sinais de vida que voltavam a dar as caras por ali.

Uma das artistas mais relevantes do cenário fotográfico japonês, Kawauchi teve seu primeiro contato com a região por acaso. Ela conta que um amigo americano queria fazer uma série sobre a tragédia, mas precisava de um intérprete para conversar com os sobreviventes. Ela foi junto e, chegando lá, viu os dois pombos que acabaram batizando sua série Luz e Sombra.

Numa de suas imagens, um pássaro branco cisca solitário no meio dos escombros, quase um resumo da ideia da artista de que a calma, cedo ou tarde, voltaria a reinar sobre aquela terra arrasada.

Essa delicadeza contrasta com a fúria de um movimento recente. Nos últimos anos, desastres como o do tsunami no Japão ou do furacão Katrina, que destruiu Nova Orleans, nos Estados Unidos, inspiraram um novo gênero fotográfico, com registros quase pornográficos das marcas da destruição à moda das distopias hollywoodianas.

Mas no Japão de artistas como Kawauchi, Tomoki Imai, Kazuma Obara, entre tantos outros, a destruição surge menos como tragédia escancarada e mais camuflada na calmaria de paisagens incertas, desestruturadas por uma paz só momentânea e enganosa.

Nas imagens de Imai, feitas do alto das montanhas que rodeiam a usina de Fukushima, surgem enormes descampados, vazios só quebrados pelo desenho irregular dos galhos das árvores. Embora nem pareçam notáveis, suas paisagens retratam todo o perímetro da zona contaminada pela radiação dos reatores.

Essas fotografias mostram que mesmo depois de cinco anos é difícil haver mudanças reais, diz o artista. Elas traduzem toda a ansiedade de uma zona que já não pode mais ser habitada.

Foi pensando no deslocamento forçado dos antigos moradores dali que o argentino Alejandro Chaskielberg viajou a Otsuchi, uma das cidades destruídas pelo terremoto, e fotografou pessoas emolduradas pelos muros que sobraram de suas casas.

Seu ensaio, que alterna fotografias de longa exposição e colagens, tem a mesma tensão inquietante do registro de seus colegas japoneses, esbarrando às vezes numa estética de ficção científica.

É difícil retratar coisas dessa natureza sem reproduzir a violência, diz Chaskielberg. Mas o que me perguntei nessa série e o que quis mostrar é como a fotografia pode ajudar a preservar a memória no meio da destruição.

Kazuma Obara, fotógrafo que nasceu em Iwate, cidade na rota das ondas do tsunami, também quis dar outra cara à tragédia, retratando em chave crua e minimalista os trabalhadores da usina nuclear de Fukushima como estranhos heróis sobreviventes de um colapso radioativo.

Nunca houve a oportunidade de ver a cara desses homens, das vítimas das explosões, diz Obara. Queria revelar a situação deles, mostrar o que aconteceu ali, que foi quase a linha de frente de uma guerra. Vou continuar a fazer essa série até morrer.


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