Folha de S. Paulo


Alunos da Universidade Trump eram pressionados a fazer avaliação positiva

Roberto Guillo fez uma avaliação positiva de seu instrutor na Universidade Trump, porque, segundo ele, o professor pediu pela melhor nota possível porque, sem ela, "o sr. Trump pode não me convidar de novo para lecionar".

Jeffrey Tufenkian avaliou as aulas como excelentes porque o mentor designado se recusou a permitir que ele saísse da sala até que o fizesse, se posicionando "bem diante de mim" enquanto o aluno preenchia o formulário, conta.

John Brown tentou avaliar negativamente um professor da Universidade Trump —mas diz ter sido convencido a mudar a avaliação pelos funcionários do programa, que ligaram para ele três vezes e o pressionaram a aumentar suas notas.

"Cansado dos telefonemas contínuos", ele depôs posteriormente, "por fim cedi". A avaliação péssima que ele havia conferido ao professor se transformou em nota máxima.

No amplo império empresarial de Donald Trump, as aulas sobre negócios imobiliários que portavam seu nome parecem ocupar um cantinho minúsculo, insignificante.

Mas a controvérsia e os litígios que agora o envolvem ganharam potência surpreendente na disputa pela indicação presidencial republicana que ele vem liderando.

Prévia da Eleição nos EUA

Agora, Trump tenta rebater acusações de práticas fraudulentas e enganosas de dezenas de ex-alunos, imputações que seus adversários vêm ressaltando em debates e anúncios de campanha.

Como justificativa, sua melhor arma parecia ser as avaliações esmagadoramente favoráveis dadas pelos participantes do programa —segundo ele, um índice de satisfação de 98%. "Belas declarações", é como ele as descreve.

Mas centenas de páginas de documentos judiciais e entrevistas com antigos alunos e instrutores, sugerem que as avaliações mesmas eram componente central de um modelo de negócios que, de acordo com processos judiciais e investigadores, iludia os consumidores a pagar milhares de dólares com a promessa de retornos elevados.

Entrevistas e documentos demonstram que funcionários da Universidade Trump, fechada em 2013, ocasionalmente pressionaram estudantes a fazer avaliações melhores.

Eles ainda os instruíram sobre como deveriam preencher os formulários se desejavam receber diplomas e ignoraram as normas usadas rotineiramente para garantir que uma pesquisa seja preenchida objetivamente.

"É uma trapaça completa", disse Guillo, que gastou US$ 36 mil e pediu seu dinheiro de volta. "O papel das avaliações era servir como defesa contra quaisquer processos. Eles já antecipavam que eles aconteceriam".

98%

Ao mesmo tempo, estudantes e seus advogados despertaram dúvidas quanto à afirmação de Trump de que o índice de satisfação dos alunos era de 98%.

Um site criado para defender a Universidade Trump, 98percentapproval.com, divulgou 10 mil avaliações por alunos, mas nem todas de estudantes pagantes.

Elas incluem avaliações dos mais de 3.000 alunos convidados a assistir às aulas da instituição gratuitamente.

Mais de 2.000 outros estudantes não chegaram ao final do curso —solicitaram e receberam reembolsos antes do final do período letivo, tal como as regras da instituição autorizavam, de acordo com registros judiciais.

Em entrevista, Daniel Petrocelli, advogado de Trump, disse que a experiência dos alunos que se sentiram manipulados "não é representativa do que acontecia em termos gerais".

"Ninguém foi coagido", ele disse sobre as avaliações positivas. "É completamente implausível sugerir que as 10 mil resenhas de alunos e seus convidados resultam de coerção. As avaliações foram esmagadoramente positivas porque eles estavam sendo honestos ao fazê-las".

Trump prometeu que irá até o fim nesses processos, que incluem uma ação judicial coletiva em San Diego que solicita reembolsos para ex-alunos da Universidade Trump, e um processo do secretário da Justiça do Estado de Nova York.

Ele diz que os ex-estudantes queixosos estão simplesmente em busca de dinheiro fácil, depois de aprenderem lições valiosas sobre como comprar e vender imóveis, obter financiamento e identificar propriedades subestimadas.

Se bem que essa divisão de seus negócios já não esteja operando, Trump prometeu que a recolocaria em atividade, e que entregaria o comando dela aos seus filhos caso se eleja presidente.

Todos os relatos concordam em que as avaliações de estudantes tinham papel crucial na Universidade Trump, para a qual os estudantes se matriculavam em programas com custos cada vez mais altos que prometiam ensinar as técnicas e conhecimentos do magnata dos imóveis.

Nas aulas introdutórias gratuitas, de 90 minutos, representantes da Universidade Trump divulgavam seminários de três dias de duração com preços a partir de US$ 995.

Durante os seminários, programas mais intensivos, como o "Trump Gold Elite", cujo preço atingia os US$ 35 mil, eram divulgados.

FORMULÁRIOS

Na conclusão de cada programa, os professores instruíam os participantes a preencher pesquisas, avaliando sua experiência em uma escala de um a cinco pontos.

Mas, adotando práticas que acadêmicos e especialistas definem como incomuns, a Universidade Trump não oferecia anonimato aos estudantes de forma explícita. Nos formulários, muitas vezes pedia que os preenchessem na presença dos instrutores.

De acordo com documentos internos da Universidade Trump divulgados como parte de um processo, estipulava que os estudantes só poderiam receber seus certificados de graduação se preenchessem os formulários.

"O termo coerção não parece apropriado?", pergunta Howard Haller, antigo consultor da Universidade Trump que trabalhou por décadas no mundo da educação.

Em ambientes acadêmicos normais, ele disse, "ninguém sabe se um aluno preencheu ou não a avaliação. O professor com certeza não sabe".

Os advogados de Trump dizem que os alunos podiam optar por não colocar seus nomes nos formulários, como alguns fizeram. Mas afirmam que os formulários não especificavam que o anonimato era opção.

A maioria dos formulários de avaliação, os advogados acrescentaram, eram distribuídos pela equipe da universidade e preenchidos em grandes salas de aula onde não seria possível a um professor influenciar o resultado.

Tad Lignell, mentor do programa de US$ 35 mil, mais personalizado, disse que diversos de seus alunos conquistaram sucesso financeiro com as lições que ele ensinou.

Mas admitiu que o sistema de avaliação tornava desconfortável para os estudantes registrar sua desaprovação.

Encarregado de mostrar como comprar e vender imóveis em lugares como Las Vegas, Lignell rotineiramente pedia que alunos preenchessem os formulários de avaliação em sua presença, em lugares como restaurantes ou cafés, ele disse em entrevista.

Naquele momento, afirmou, estudantes vulneráveis ainda precisavam de sua orientação e a esperavam. "Quero que esse cara seja meu amigo, preciso da ajuda dele", disse Lignell, resumindo o estado de espírito dos alunos enquanto preenchiam os formulários.

Virtualmente todos os seus alunos, ele disse, lhe deram a melhor nota, cinco. Caso não o fizessem sua renda (US$ 5.500 por aluno, e mais tarde US$ 4.500) poderia estar em risco.

Ele disse que os administradores da Universidade Trump deixavam claro que professores com baixa classificação seriam preteridos em favor daqueles que tivessem notas mais altas.

"Isso enfatizava conseguir cincos", ele disse. "Se você queria conseguir mais alunos, sabia precisar disso".

Trump descartou as críticas de que o sistema de avaliação da Universidade Trump encorajava avaliações positivas.

Perguntado sobre a falta de anonimato, ele declarou sob juramento, em um depoimento em janeiro, que "creio que seja bem melhor que o aluno coloque seu nome", ele disse. "Sem nomes as avaliações nada significam, na verdade", afirmou.

Pressionado sobre a possibilidade de que os alunos temessem repercussões, Trump rejeitou a ideia. "Só um advogado pensaria isso", disse Trump, prosseguindo: "Você quer dizer que é por isso que eles diziam tantas coisas boas sobre a escola?"

Ele acrescentou: "Acho que eles queriam dizer que ela é mesmo muito boa. Até descobrirem que podiam receber seu dinheiro de volta".

Mas especialistas afirmam que esse tipo de prática foi desenvolvido para influenciar as avaliações.

"As pessoas não querem briga. As pessoas não querem ser ranzinzas. As pessoas preferem evitar confrontos", disse John Reed, contratado como possível perito pago para depor pelos queixosos em um dos processos contra Trump, mas que não tem envolvimento com os casos atuais.

"Portanto, elas escrevem uma avaliação sobre o seminário e a entregam olhando na cara da pessoa avaliada. É assim", acrescentou Reed, "que você consegue os 98%".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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