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Macri propõe reformar Judiciário argentino, mas enfrenta descrença

Natacha Pisarenko/Associated Press
Presidente da Argentina, Mauricio Macri chega ao Congresso, em 1º de março, para abrir sessões
Presidente da Argentina, Mauricio Macri chega ao Congresso, em 1º de março, para abrir sessões

Uma das principais promessas de campanha de Mauricio Macri, a reforma do Judiciário na Argentina começou a ser anunciada na última terça (1º), quando o presidente abriu o Congresso.

Entre os projetos de lei que ele propõe estão a reforma do Conselho da Magistratura (que regula a atividade de juízes), um pacote anticorrupção que inclui a Lei do Arrependido (espécie de delação premiada) e medidas contra o narcotráfico, como o confisco de bens de acusados.

Dificuldades para implementar seu projeto, que visa despolitizar e dar mais eficiência à Justiça, porém, não tardaram a se materializar.

Nem bem terminou o discurso de Macri, no qual criticou a lentidão da investigação da morte do promotor Alberto Nisman (que se preparava para denunciar a então presidente Cristina Kirchner), o caso teve uma série de desdobramentos que deixaram claro que o mistério persiste.

Além da saída da juíza responsável, o ex-chefe da agência de inteligência argentina (Side), Jaime Stiuso, depôs e citou o governo kirchnerista como responsável pelo assassinato. A oposição nega e vê motivação política.

"É um papelão que a juíza tenha deixado o caso, que tenha sido desperdiçado um ano de investigação, e com denúncia de que houve alteração de provas. Joga contra a credibilidade da Justiça", disse à Folha Agustín Pesce, líder da Abogados de Pie.

Pesquisa recente feita pela ONG mostra que 73% dos argentinos confiam pouco ou nada na Justiça, e mais de 30% acreditam se tratar só de uma burocracia a superar.

Os números mostram ainda que apenas 14% dos entrevistados teve acesso à Justiça. "O cidadão ver a Justiça não como serviço, mas como um trâmite trabalhoso e ineficaz, é sinal da degradação do atual sistema", conclui.

INDICAÇÕES

Após tentar impor a nomeação de dois membros da Corte Suprema por decreto, o presidente entregará ao Congresso, como manda a lei, a responsabilidade de validar os nomes por ele apontados.

"Foi um erro político e judiciário. Depois desse passo em falso e das críticas recebidas, Macri corrigiu o rumo. Como ele estava fazendo antes era inconstitucional", disse à Folha o advogado constitucionalista Daniel Sabsay.

Sabsay lembra que, cada um a seu modo, os antecessores de Macri também tentaram ter algum controle do tribunal máximo do país.

"[Carlos] Menem [1989-99] foi o que mais abusou, aumentando o número de juízes de 5 para 9, e colocando nessas quatro vagas juízes alinhados a ele", afirmou.

"Néstor Kirchner [2003-07] tentou consertar, enxugando a Corte, mas para isso fez uso de julgamentos políticos e direcionados para dispensar os menemistas. Infelizmente, parece tratar-se de uma tradição", observou. "Todo presidente que chega manipula alguma coisa para tentar armar a sua Corte Suprema."

A maioria dos advogados e juristas ouvidos pela Folha apoia o projeto de reforma do Conselho da Magistratura proposto por Macri. Órgão destinado a regular a indicação e o julgamento de juízes, o conselho, para o presidente, se tornou nos últimos tempos um instrumento político.

Formado por representantes dos Poderes Executivo e Judiciário, além de advogados, congressistas e academia, o conselho vinha atuando de forma inconstante.

Se o projeto for aprovado, passará a ter integrantes que atuam apenas nele e atividades mais frequentes e regulares. A ideia é livrá-lo do vínculo com partidos e da dependência do Executivo.

"Isso é mais do que necessário, mas temos de ver de que modo o Congresso o receberá", afirma Sabsay.

DIREITOS HUMANOS

Já no campo dos direitos humanos, aquele em que o governo kirchnerista mais avançou, o clima é tenso.

Apesar de ter declarado que não mudará a atual política, Macri é criticado por organizações de direitos humanos por se aproximar de associações de vítimas da guerrilha e por ter apoio de advogados e juristas que pedem uma anistia aos mais de 600 ex-repressores hoje presos.

"Não sofri pressão até agora", afirmou à Folha o promotor Pablo Ouviña, responsável pelo julgamento da Operação Condor, cujas sentenças contra 17 acusados devem sair até abril.

Além do caso Condor, está em curso o julgamento de crimes cometidos na Esma (Escola Superior da Marinha), principal centro clandestino de tortura sob a ditadura.

Ouviña diz que ambos os processos devem ser concluídos normalmente, mas admite uma mudança de clima no Judiciário e temor a pressões.

Na tentativa de acalmar as tensões, Macri fez sua primeira visita a Esma, transformada em centro de memória pelo governo Cristina Kirchner.

Ele pretende mostrar o local a Barack Obama, que visita o país nos próximos dias 23 e 24, no aniversário de 40 anos do último golpe militar.


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