Folha de S. Paulo


Crise eleva pedidos de residência de venezuelanos na Argentina em 61%

Depois de passar noites ouvindo gritos e tiros nas ruas de sua cidade —San Cristóbal, no Estado de Táchira—, a psicóloga venezuelana Ariana Rondón, de 24 anos, decidiu deixar seu país.

Foi até a Colômbia para comprar uma passagem em peso (mais acessível que o dólar) e voou de Caracas para Buenos Aires, onde está há seis meses.

Ela é uma dos milhares de venezuelanos que chegaram à Argentina nos últimos meses. No primeiro semestre de 2015, 2.722 deles entraram com um pedido de residência no país, alta de 61,3% na comparação com o mesmo período de 2014.

IMIGRAÇÃO VENEZUELANA NA ARGENTINA - Pedidos feitos por venezuelanos para residência na Argentina

IMIGRAÇÃO VENEZUELANA NA ARGENTINA - Comparação com o 1º semestres de 2014 e 2015

A nacionalidade foi a que registrou a maior alta. Em seguida, bem distantes, aparecem os equatorianos, com um avanço de 10,8%.

Os venezuelanos nunca tiveram uma comunidade grande na Argentina —eram 17,9 mil em junho de 2015—, mas a presença deles cresce de forma acelerada.

As facilidades que existem nos trâmites de migração entre os países do Mercosul ajudam. O principal fator, porém, é a fama de local seguro que tem a Argentina.

A criminalidade é apontada como a grande responsável pela saída dos venezuelanos de seu país, segundo o sociólogo Tomás Páez, autor de um livro sobre o assunto.

"[Na Venezuela], os pais costumam dizer que preferem se despedir do filho no aeroporto do que no cemitério", diz Páez.

De acordo com o Observatório Venezuelano de Violência, 27,8 mil pessoas foram assassinadas no país em 2015, o que equivale a 90 para cada 100 mil habitantes.

No caso de Rondón, a decisão de se mudar veio após as noites que sucederam a morte do estudante Kluiver Roa, 14, que foi baleado durante um protesto, realizado em San Cristóbal, contra o governo de Nicolás Maduro. "Foram vários dias sem luz, ouvindo gritos. As pessoas ficaram um mês sem sair de casa para trabalhar", conta.

Para a também psicóloga Rosangie Chirino, 24, três assaltos a mão armada em menos de oito meses foram a gota d'água. A falta de bens de consumo também pesou, mas em menor grau, diz. O primeiro item a sumir do mercado foi papel higiênico, seguido de xampu e absorvente.

"Você só pode comprar em um dia da semana, de acordo com o último número do seu cartão [semelhante ao RG]. Se no teu dia não tem papel, só na semana seguinte."

Chirino, que vendeu computador, televisão e algumas roupas para comprar a passagem para Buenos Aires, escolheu o destino também pelo estudo gratuito. Por enquanto, porém, trabalha como garçonete.

Ela fazia parte da classe média na Venezuela. Segundo a pesquisa de Páez, a maioria dos que emigram tem ensino superior completo.

Tanto Chirino como Rondón afirmam que quase não têm amigos ou primos vivendo no país natal, onde ficaram apenas pais e avós.

A Argentina não oferece nenhum auxílio que atraia os migrantes. O presidente Mauricio Macri, principal opositor de Maduro na América Latina, não desenvolve políticas na área.

"Não temos ajuda nem recebemos recursos", diz o presidente da Associação de Venezuelanos na Argentina, Vincenzo Pensa.

Segundo cálculos de Páez, existem hoje 1,5 milhão de emigrantes da Venezuela —algo entre 4% e 6% da população. "Talvez, com o resultado eleitoral [no qual a oposição conseguiu a maioria no Congresso], o número diminua porque há esperança."

Pensa duvida: "Do jeito que está, cada vez virão mais venezuelanos."


Endereço da página:

Links no texto: