Folha de S. Paulo


Para ONU e OAB, reforma no Código Penal criminalizará refugiados no país

A Agência da ONU para Refugiados (Acnur), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e organizações humanitárias estão pedindo mudanças no projeto de reforma do Código Penal que tramita no Senado.

Segundo essas entidades, o texto "criminaliza" os refugiados no Brasil.

Em gestões no Congresso, Manuel Furriela, presidente da Comissão de Direitos dos Refugiados, do Asilado e da Proteção Internacional da OAB-SP, pede modificações nos artigos 452, 453 e 454 do projeto de lei.

Os artigos preveem pena de dois a cinco anos de prisão para refugiados que entrarem no país com documentos falsos, omitirem informações ou fizerem declarações falsas e também para os brasileiros que abrigam estrangeiros "clandestinos".

O representante do Acnur no Brasil, Agni Castro-Pita, diz que o texto vai contra o marco jurídico brasileiro e internacional.

Mauri König - 17.set.2015/Folhapress
 Mulçumanos fazem oração em mesquita em Marechal Candido Rondon, no Paraná. Cidades do Paraná tem grande numero de imigrantes, na maioria sirios. ( Foto Mauri König/Folhapress, MUNDO)
Refugiados mulçumanos fazem oração em mesquita em Marechal Cândido Rondon, no Paraná

Ele lembra que, no artigo 31 da Convenção de Genebra de 1951, relacionada a refugiados, os países se comprometem a "não aplicar sanções penais, devido a entrada ou estada irregulares", aos refugiados que estejam chegando diretamente do território onde a sua vida ou liberdade estavam ameaçadas.

"É um perigo ter uma lei que considera criminosas pessoas sem documentos", disse Castro-Pita à Folha.

"Quando um sírio tem a casa bombardeada, não tem tempo de buscar passaporte antes de fugir."

Para Furriela, da OAB, "em vez de ajudar refugiados, essa lei os transforma em criminosos".

Segundo os dados mais recentes do Ministério da Justiça, de setembro, há 8.530 refugiados no Brasil e 12.668 solicitantes de refúgio, além de cerca de 80 mil haitianos que vieram por razões econômicas, e muitos receberam visto humanitário.

O refúgio é concedido a pessoas que estejam sofrendo perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade ou opiniões políticas, ou que estejam sujeitas, em seu país, a grave violação de direitos humanos.

O projeto de reforma do Código Penal está à espera da designação de um novo relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. De lá, vai para o plenário da Casa, e depois para a Câmara.

Segundo Sidarta Martins, diretor da Instituto de Reintegração do Refugiado (Adus), grande parte dos africanos, entre eles muitos congoleses, vêm clandestinos em navios, sem nenhum dinheiro ou documento. "Muitos refugiados, para tirar visto, usam uma carta de apoio de um brasileiro dizendo que vai recebê-lo –essa pessoa, ao apoiar a vinda, também poderia ser presa", diz Martins.

Segundo Larissa Leite, coordenadora de proteção da Caritas Arquidiocesana de São Paulo, o projeto transforma uma infração administrativa em ato criminoso. "O artigo 354 criminaliza quem apoia refugiados, como a gente."

SEM RISCO

Na opinião dos que defendem o projeto de lei sobre a reforma do Código Penal, não há risco de a legislação prejudicar os refugiados, a não ser que eles estejam efetivamente cometendo crimes.

Eles discordam da visão de que as irregularidades cometidas ao entrar no país deveriam ser consideradas infrações administrativas, e não crimes.

"A linguagem é clara, só será punido o estrangeiro que fraudar documento ou quem ocultar um clandestino, não há criminalização de refugiados", diz Fabrício Alves, assessor jurídico do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que acompanha o projeto.

"Essas pessoas querem é infantilizar a linguagem jurídica, não tem como um promotor fazer essa interpretação."


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