Folha de S. Paulo


Por que EUA e Apple estão em guerra sobre o desbloqueio de um celular?

A Apple e o governo dos EUA estão reunindo argumentos antes que alguém pise em um tribunal por conta de uma ordem judicial que obriga a companhia a ajudar o FBI a ter acesso aos dados de um iPhone em um caso de terrorismo.

Os argumentos jurídicos que utilizam atiçarão a discussão em relação aos direitos de privacidade digitais frente e aos interesses de segurança nacional. E poderão afetar milhões de usuários de celulares.

A Apple tem até esta terça-feira (23) para recorrer na Justiça da decisão de um magistrado judicial dos EUA na Califórnia. Mas as campanhas de relações públicas já estão em andamento.

Será que a Apple está cooperando, de forma adequada, com os agentes federais que investigam o ataque mortal do ano passado em San Bernardino, na Califórnia?

9.set.2015/Reuters
O presidente-executivo da Apple, Tim Cook, apresenta iPad maior, com tela de 12 polegadas, durante evento em São Francisco, EUA
O CEO da Apple, Tim Cook

Trata-se simplesmente de uma disputa para recuperar informações de um iPhone usado pelo atirador ou, de forma mais ampla, de uma luta que afeta os direitos de privacidade dos cidadãos que utilizam o principal produto da Apple? Estamos falando de lucros ou de patriotismo?

O Departamento de Justiça pediu ao juiz que ordenasse à Apple a criação de um software sofisticado que o FBI poderia instalar no telefone para contornar um recurso de autodestruição que apaga todos os dados após dez tentativas consecutivas malsucedidas de adivinhar a senha de desbloqueio.

Os promotores disseram que a Apple poderia ajudar o FBI, "mas se recusou a prestar esse auxílio de forma voluntária", e afirmaram que a Apple poderia realizar a tarefa facilmente.

Essa questão é crucial, porque o governo não pode obrigar uma empresa a cooperar em alguns casos se isso terminar sendo excessivamente oneroso, apesar de que os EUA quase com certeza pagariam a Apple pelo trabalho.

O CEO da Apple, Tim Cook, refutou a insinuação de que a empresa estava protegendo a privacidade de um extremista.

"O FBI nos pediu ajuda nos dias posteriores ao ataque, e trabalhamos muito para apoiar os esforços do governo com o objetivo de resolver esse crime horrível", disse Cook. "Não temos nenhuma simpatia por terroristas."

Cook também disse que o mais recente pedido do FBI foi além das solicitações de auxílio anteriores: "O governo dos EUA nos pediu algo que nós simplesmente não temos e algo que consideramos muito perigoso criar", disse Cook.

"Eles nos pediram para criar uma´backdoor`para o iPhone." O termo "backdoor" (literalmente, porta dos fundos), que descreve um método clandestino usado por hackers para obter acesso não autorizado, vem há anos matizando a discussão sobre como o governo pode obter informações protegidas ou espionar comunicações criptografadas de criminosos ou terroristas.

O governo está enfatizando que deseja ajuda para desbloquear apenas o iPhone corporativo que foi usado por Syed Farook, que, com sua esposa, matou 14 pessoas em dezembro.

Mas a Apple diz que ajudar os EUA a violar o bloqueio de criptografia no iPhone de Farook ameaçaria a privacidade de todos os seus consumidores.

"O governo pode argumentar que seu uso seria limitado a esse caso, mas não há nenhum modo de garantir esse controle", disse Cook, e acrescentou: "Em última análise, tememos que esse pedido possa prejudicar as liberdades em geral e a liberdade que nosso governo deve proteger".

Joshua Roberts - 9.dez.2015/Reuters
FBI Director James Comey Jr. testifies at a Senate Judiciary Committee hearing on Capitol Hill in Washington December 9, 2015. The couple who killed 14 people in San Bernardino last week were radicalized before they met online and spoke of jihad and martyrdom to each other as early as late 2013, Comey said on Wednesday. REUTERS/Joshua Roberts ORG XMIT: WAS708
O diretor do FBI, James Comey, depõe no Senado sobre o ataque em San Bernardino

O diretor do FBI, James Comey, vem sendo lento em criticar os executivos de tecnologia norte-americanos a respeito de tais preocupações e os descreve como "boas pessoas" que compartilham o compromisso da agência com a segurança pública.

Mas, nos últimos meses, sugeriu que as empresas têm capacidade técnica para ajudar o FBI, mas não têm interesse comercial.

"Muitas pessoas boas conceberam seus sistemas e seus dispositivos para que as ordens dos juízes não possam ser cumpridas, por razões que entendo", disse Comey ao Comitê de Justiça do Senado, uma semana depois do tiroteio na Califórnia.

"Não estou questionando suas motivações. A pergunta que temos de fazer é: eles deveriam mudar seu modelo de negócio?".


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