Folha de S. Paulo


Para negociador, pacto com Farc não será fim de problemas da Colômbia

Antes de se sentar à mesa de negociação com representantes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em Havana (Cuba), o general colombiano Óscar Naranjo, 59, passou três décadas combatendo o narcotráfico na Colômbia.

Participou das operações que levaram à queda dos cartéis de Cali e Medellín e da que terminou com a morte de Pablo Escobar, em 1993.

Por conhecer tão bem os desafios de segurança em seu país, o general reconhece que o acordo de paz com a guerrilha não será uma "solução mágica" para os problemas da Colômbia.

Em entrevista à Folha, Naranjo, um dos principais negociadores do governo colombiano no processo, demonstrou otimismo, mas não se "atreveu" a dizer se o acordo será finalizado até a data anunciada de 23 de março.

O general, que veio a São Paulo para eventos organizados pelo fórum Humanitas360 e pelo Instituto FHC, disse não ter conseguido assistir à série "Narcos", que retrata a vida de Escobar: "Me traz lembranças ruins".

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

Adriano Vizoni/Folhapress
 - BRASIL, 18-02-2016, 16h20: GENERAL COLOMBIANO. Retrato de Óscar Naranjo Trujillo, general colombiano que faz parte dos negociadores no processo de paz com as Farc. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, MUNDO) ***EXCLUSIVO FSP***
O general colombiano Oscar Naranjo Trujillo

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Folha - O último ponto da negociação de paz é o desarmamento. As Farc exigem que o Exército também entregue armas e que os paramilitares se desmobilizem. Essas demandas são factíveis?
Óscar Naranjo - O presidente [Juan Manuel] Santos fala que não devemos nos distrair pelo que se diz fora da mesa de negociação. Uma coisa é a discussão pública, e outra a que se faz na intimidade da negociação com as Farc. Evidentemente há temas tratados com as Farc e com o componente internacional [Cuba e Noruega, que são mediadores], mas estamos certos de que não haverá uma paz armada na Colômbia.

Esse é o ponto mais difícil do acordo?
Não. O acordo mais importante, na minha opinião, é sobre a participação política [dos integrantes das Farc no pós-acordo]. Essa é a decisão fundamental que permite acabar com o conflito, porque quem está deixando as armas diz: "A partir de agora, vou fazer política sem fuzis. Vou mudar as balas da guerra pelos votos da democracia".

Mas também foi muito importante o tema das vítimas, como forma de reparação e para que não haja nunca mais vítimas de conflito armado na Colômbia.

Uma das críticas é justamente sobre a possível participação política de ex-guerrilheiros. Isso não representa um risco?
Há uma aspiração genuína de participar da política vinda de um grupo que está pondo fim ao conflito armado. Os colombianos esperam um acordo que possa definitivamente quebrar o vínculo entre política e uso da violência.

Será possível cumprir o prazo de 23 de março para a assinatura do acordo?
O presidente acordou há meses a data de 23 de março, e estamos trabalhando intensamente sobre este tema. Mas a preocupação hoje é a qualidade do acordo que o governo quer apresentar.

É possível que seja adiado?
O ritmo da negociação não é linear. Há ciclos em que se avança de maneira formidável e há outros em que não. Não me atrevo a adivinhar se vamos conseguir.

Um processo de negociação com as Farc já havia sido tentado outras vezes, sem sucesso. Por que se está chegando a um acordo agora?
Este deve ser o quinto processo de negociação durante os mais de 50 anos de existência das Farc. O presidente mencionou, quando se começava o processo, que agora se combinavam três condições mínimas: o fim da ideia de que na Colômbia se pode chegar ao poder pela via das armas, o fortalecimento institucional e a convicção de que o mundo está pedindo à Colômbia, de alguma maneira, que termine com o conflito mais duradouro do continente.

O enfraquecimento da guerrilha nos últimos anos também facilitou o processo?
Não quero recorrer ao argumento simplista de que conseguimos sentar à mesa simplesmente porque derrotamos as Farc. Esta não é uma negociação de capitulação, nem de claudicação do Estado diante das Farc.

O acordo terá que ser aprovado por referendo, mas pesquisas mostram muito desconhecimento e desconfiança da população sobre o acordo. É possível aprovar o texto assim?
Acho que, a um ser humano que se pergunte se prefere a guerra ou a paz, o mais lógico é que responda que é a paz. Além disso, o acordo não está totalmente acabado. É preciso ver, no conjunto, qual o pacote seremos capazes de oferecer aos colombianos.

Será preciso uma campanha para explicar esse 'pacote' à população?
Sim. O debate sobre o acordo não é uma opção, mas uma necessidade. Quando houver mais certezas que incertezas e o debate estiver mais baseado na razão do que na emoção, aí os colombianos, de maneira madura, poderão dizer sim ou não a ele.

18.fev.2016/AFP
RC leftist guerrillas pose for a photo in the village of El Conejo, La Guajira, Colombia, on February 18, 2016, during a public event in which participated FARC commanders Ivan Marquez, Jesus Santrich and Joaquin Gomez participated.
Guerrilheiros das Farc no vilarejo de El Conejo, em La Guajira

Após a possível adoção do acordo, como evitar que a violência da guerrilha retorne?
Fazer um acordo com as Farc não significa de maneira mágica e maravilhosa solucionar os problemas que temos como sociedade.

Há três níveis neste processo: primeiro se acorda sobre a paz, depois você a constrói e, depois, a mantém. Estamos trabalhando de maneira simultânea nos dois primeiros. Mas o país ainda tem ameaças à frente, baseadas fundamentalmente no crime organizado.

Por isso, pôr fim ao conflito armado com as Farc não pode significar uma redução da presença da força pública no território.

A questão dos reféns está totalmente resolvida?
Antes de começar a negociação, o governo foi enfático, dizendo que era preciso pôr fim aos sequestros. Hoje é possível que ainda haja casos, mas eles não são derivados de uma diretriz do secretariado das Farc.

Também deve haver casos de pessoas que ainda não voltaram à liberdade, mas podemos dizer que a redução dos sequestros nos últimos anos foi notável.

Que serão as Farc pós-acordo?
A expectativa é que se torne um movimento político, e isso significará um desafio grande a todos os partidos, porque, de alguma maneira, a política vai receber um competidor que abandonou as armas e se diz preocupado com setores que nunca foram foco da política tradicional.

O modelo de negociação com as Farc poderia ser aplicado com o ELN (Exército de Libertação Nacional)?
O presidente convidou o ELN a se incorporar a uma discussão [de paz] separada. Em algum momento, as duas mesas teriam que compartilhar temas e soluções. Há elementos comuns e outros não.

A Folha revelou que o Brasil sediou, em 2014, negociações secretas entre governo e o ELN, mas recuou devido ao acirramento da campanha presidencial. É possível que o Brasil ainda participe?
Não posso comentar isso.

O Brasil já se ofereceu para ajudar no acordo com as Farc, seja com desmontagem de minas terrestres, seja com programas de agricultura familiar. Como o sr. vê uma eventual ajuda brasileira?
A Colômbia tem recebido um apoio sem precedentes da comunidade internacional. No caso do Brasil, estamos certos de que há lições e potencialidades, particularmente sobre economia familiar, que são aplicáveis à realidade colombiana.

O sr. integrou a operação que levou à morte de Escobar...
Participei como analista de inteligência na busca de Pablo Escobar, uma operação que durou anos.

Cumprimos nosso dever, mas quando se trata de elementos que giram em torno da morte, ninguém pode se sentir completamente satisfeito. Prefiro estar longe desse triunfalismo que significa ter vencido Pablo Escobar.

Naquela época, o narcoterrorismo realmente ameaçava a sociedade colombiana. Hoje, as operações são como parte de uma vida passada. Penso num outro momento da nossa história.

O sr. assistiu à série "Narcos"?
Tentei vê-la, mas me traz muitas lembranças ruins. Não se pode ver sem lembrar quantos companheiros e policiais foram assassinados por Escobar.

Esse tipo de série torna Escobar uma espécie de herói?
As sociedades têm direito de recriar seus momentos de tragédia ou de êxito. Acho que faz parte da catarse de que a sociedade necessita para eliminar alguns fantasmas. Mas a mistura de realidade e ficção muitas vezes confunde os jovens.

O sr. assessorou o presidente Enrique Peña Nieto, no México, sobre questões de segurança. Como avalia a situação do país hoje?
O que se deveria aprender a partir dos dois casos é que é preciso fortalecer as instituições, dar garantias à aplicação da justiça e não fechar os olhos diante do crime organizado.

Os mexicanos estão fartos do delito e expressam isso publicamente. Esse é o pior sinal para o delinquente, de que a própria sociedade não o aceita.


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