Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Novo atentado em Ancara aumenta pressão por ação turca

O mais recente atentado em território turco pressiona o governo de Recep Tayyip Erdogan a acelerar seu envolvimento na conturbada guerra civil na vizinha Síria.

A autoria do ataque, de rebeldes curdos, do Estado Islâmico ou mesmo de militantes comunistas, é quase irrelevante. Ele tumultua o país no centro de uma conflagração regional que, se fosse no começo do século 20, gestaria uma guerra mundial, tal a quantidade de atores principais e prepostos envolvidos.

AFP-17.fev.16
Bombeiros turcos tentam debelar fogo após explosão em Ancara
Bombeiros turcos tentam debelar fogo após explosão em Ancara

Se o EI é um espinho para todos os governos na região, a questão central para Ancara são os curdos, que compõem talvez 20% de sua população (não há estatística confiável) e são ligados às populações análogas do norte da Síria (cerca de 10% dos habitantes) e do Iraque (20%), buscando um Estado próprio.

Com as ditaduras estabelecidas nos vizinhos, o problema turco era interno. Com o Curdistão autônomo após a queda de Saddam Hussein no Iraque (2003) e a guerra civil síria, a volatilidade explodiu.

Aqui entra a pressão da Rússia, que interveio com apoio aéreo ao regime do ditador sírio Bashar al-Assad e é central no esforço do aliado para reconquistar a cidade de Aleppo enquanto discute um cessar-fogo com as potências ocidentais que atacam o EI na Síria e no Iraque.

Antes próximas, Moscou e Ancara estão em lados opostos, algo piorado pelo fato de os russos terem virtual controle aéreo sobre o norte da Síria -que culminou em um jato russo acusado de violar a fronteira sendo abatido por turcos.

Erdogan quer ver Assad fora do poder, para ver diminuída a influência do Irã, aliado de Moscou e de Damasco.

Com a entrada da Rússia na guerra, o Kremlin replicou recurso usado no período czarista e logo após a Segunda Guerra Mundial pelos soviéticos: prometeu apoiar os curdos.

Um grupo curdo da Síria abriu escritório em Moscou e, além de receber apoio militar, ganhou espaço para expandir-se com a ofensiva de Damasco contra Aleppo.

O cerco, que pode ser um ponto de virada na guerra, também gerou uma onda de refugiados a engrossar o contingente de mais de 2 milhões de sírios que fugiram da guerra já presente na Turquia.

Com tudo isso, Erdogan convidou Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, adversários de Teerã pela influência regional, para operar contra o Estado Islâmico a partir de Incirlik -uma das principais bases da Otan, aliança militar do Ocidente da qual a Turquia faz parte.

Os turcos sugeriram ainda ações terrestres, mas dificilmente terão apoio dos EUA.

O tema divide a Europa e a Otan, com ganho estratégico para o presidente russo, Vladimir Putin, interessado em afirmar-se politicamente e ver levantadas sanções decorrentes de sua ação na Ucrânia.


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