Folha de S. Paulo


Rótulo socialista é dupla carga para Bernie Sanders

Jim Young - 19 jan. 2016/Reuters
O pré-candidato do Partido Democrata dos EUA Bernie Sanders durante evento em Iowa
O pré-candidato do Partido Democrata dos EUA Bernie Sanders durante evento em Iowa

O senador Bernie Sanders ganhou as manchetes nos Estados Unidos pela primeira vez em 1981, ao ser eleito prefeito de Burlington, uma cidade de 40 mil habitantes no Estado de Vermont.

"O primeiro prefeito socialista da América", estamparam os jornais —e Sanders não procurou se esquivar desse rótulo.

De prefeito reeleito a deputado, senador e agora surpresa da campanha presidencial, desafiando o favoritismo de Hillary Clinton, Sanders continua sendo visto como socialista, palavra que nos EUA tem a conotação de "radical", mas em muitos tons de vermelho a menos do que quando estudante. Na época, ele enfrentava a polícia em protestos contra a guerra do Vietnã e a segregação racial.

comparativo

Sua versão de socialismo "democrático" atingiu em cheio a parcela do eleitorado insatisfeita com a desigualdade social e sedenta de idealismo, sobretudo os jovens.

"Deveríamos olhar para países como Dinamarca, Suécia e Noruega e aprender com o que eles conquistaram para os trabalhadores", disse Sanders num dos debates democratas.

Para Harry Jaffe, autor de uma biografia de Sanders recém-lançada, o pré-candidato democrata não se importa de ser chamado socialista por convicção e também porque isso nunca o impediu de ganhar eleições.

"Ele não é socialista no sentido doutrinário, não está interessado no controle público dos meios de produção, que é a base dos socialismo. A última vez que ele disse que apoiava isso foi quando se elegeu prefeito pela primeira vez, em 1981. Desde então ele se tornou mais moderado e se distanciou do dogma socialista", disse Jaffe em entrevista à Folha numa pizzaria de Washington.

Centrada no combate à desigualdade econômica no país, a plataforma de Sanders tem propostas com claro viés social, como ensino superior gratuito, expansão da previdência social, seguro médico universal, aumento de impostos para os mais ricos e grandes corporações.

"Sim, ele fala de temas comuns aos socialistas, como desigualdade e redistribuição de renda. Mas você não precisa ser socialista para falar desses assuntos", diz o cientista político Simon Reich, da Universidade Rutgers, no site "The Conversation".

Reich observa que o foco de Sanders é a classe média, quando deveria ser os trabalhadores que vivem abaixo da linha de pobreza, "esses 45 milhões de americanos".

DESAFIO

Jaffe, autor da biografia "não-autorizada" de Sanders, diz que o rótulo de socialista impõe enorme dificuldade à campanha do senador.

Mesmo que seja aceito por uma juventude que em grande parte nasceu depois da Guerra Fria e vê o socialismo com simpatia, para muitos da geração acima dos 50 anos ainda é um tabu, e será usado pelos rivais republicanos para desqualificar Sanders.

O maior desafio de um eventual presidente Sanders, diz Jaffe, será romper o estilo centralizador e quixotesco e conviver de forma construtiva com o Legislativo.

Em 26 anos no Congresso, diz, Sanders conseguiu estar no meio do sistema político sem ser parte dele. Isso é uma vantagem eleitoral, por atrair eleitores fartos do establishment, mas lhe rendeu poucos aliados (o voto de figuras de peso no partido é crucial na escolha do candidato).

"Sua ideia é trazer os americanos em massa num movimento. Parece bom, mas é difícil conseguir", diz Jaffe. "Ele conta com uma revolução política, não está de brincadeira. Mas, se essa for sua diretriz, não vai funcionar."

Em sua primeira vitória, em 1981, Sanders ganhou por dez votos. Na reeleição, dois anos depois, aumentou o índice de votação em 50% e venceu com facilidade. A questão agora é reproduzir em escala nacional o que fez na pequena Burlington.


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