Conflito civil na Síria e no Iêmen, atentados terroristas no Iraque, atrito entre Arábia Saudita e Irã e fracasso na criação de um Estado na Líbia. Não são poucos os indícios que justificam um mau augúrio em relação ao Oriente Médio.
Mas a professora canadense Bessma Momani está otimista.
Às vésperas do aniversário de cinco anos da derrubada do ditador egípcio Hosni Mubarak, nesta quinta (11), ela afirma à Folha: o futuro pode, sim, ser bom.
Momani, pesquisadora no Centro para Inovação na Governança Internacional, conversou com a reportagem durante uma passagem recente por Madri, enquanto promovia seu livro "Arab Dawn" ("Alvorecer Árabe", em tradução livre), uma análise da demografia no Oriente Médio.
A obra reconhece que há desafios imensos para a segurança e a economia da região, mas há também índices pouco mencionados, que, vistos em conjunto, mostram uma geração cosmopolita, educada e empreendedora –ainda comprometida com a mudança política, apesar dos recentes fracassos em países como Síria, Líbia e Iêmen.
Há altas porcentagens de jovens matriculados na universidade em países como a Arábia Saudita, por exemplo.
Khaled Elfiqi - 24.jan.2016/EPA/Efe | ||
Garotos egípcios seguram bandeira do seu país na praça Tahrir, no Cairo |
No Líbano, mais de um terço dos empreendedores são mulheres. As populações estão cada vez mais urbanas e com mais acesso à internet (veja quadro abaixo).
A análise demográfica, por vezes ignorada, é importante para o Oriente Médio.
Quase 20% dos árabes têm entre 14 e 25 anos, segundo a ONU. Em países como o Iêmen, metade da população tem menos de 15 anos. Em breve, essa geração, se bem preparada, ocupará posições de poder em seus países.
"Estou olhando para o futuro. Nenhuma região fica para sempre em situação de conflito", diz Momani.
"Há algumas décadas, estudantes se especializavam na América Latina. O Oriente Médio era entediante", afirma, lembrando-se de crises e de regimes autoritários latino-americanos.
A ideia de que o Oriente Médio esteja fadado ao atraso é antiga. Foi criticada, por exemplo, na obra clássica do palestino Edward Said "Orientalismo" (1978).
A região é historicamente representada como se precisasse ser guiada pelos Estados Unidos ou pela Europa, em vez de ser ela própria o agente de sua mudança.
REVOLUÇÕES
A Primavera Árabe não trouxe transformações significativas de regime em grande parte da região, talvez exceto pela Tunísia.
Mas isso não significa, para Momani, que a região esteja estancada. "Houve uma revolução social e cultural, e não acho que a revolução política já tenha terminado."
Um dos fatores que mais lhe dão esperança é o fortalecimento da sociedade civil em países como Síria e Líbano. Em Beirute, por exemplo, jovens têm se organizado para pressionar o governo para resolver questões como o acúmulo de lixo nas ruas.
"Não são movimentos institucionalizados. São informais, cotidianos. Não há líderes nem hierarquias", diz.
O próprio empreendedorismo é outro exemplo de que a juventude não espera mais que o Estado lhes beneficie. "Jovens estão dizendo que não precisam do governo, podem fazer da maneira deles."
Momani reuniu-se, durante sua pesquisa, com moradores de toda a região. Ela descreve a juventude árabe como "mais espiritual do que propriamente religiosa".
"Eles aprendem a religião ouvindo sermões no YouTube. Não vão mais à mesquita. É positivo, porque é um aprendizado individual, sobre ser uma pessoa melhor e estar mais próximo de Deus", diz. Haveria, aí, espaço para combater a radicalização no Oriente Médio.
Essa imagem apresentada em "Arab Dawn" não se parece muito com aquela retratada na imprensa internacional e por outros analistas. Parte do motivo é a convicção de Momani de que o pessimismo não ajuda.
"Prestamos atenção ao terrorismo, à violência, à radicalização. Tratamos da região como uma questão de segurança e nos esquecemos dos indivíduos. Assim, damos a entender que não existe ninguém. Retiramos a faceta humana", afirma.