Folha de S. Paulo


'Primavera Árabe criou uma geração engajada', diz pesquisadora canadense

Conflito civil na Síria e no Iêmen, atentados terroristas no Iraque, atrito entre Arábia Saudita e Irã e fracasso na criação de um Estado na Líbia. Não são poucos os indícios que justificam um mau augúrio em relação ao Oriente Médio.

Mas a professora canadense Bessma Momani está otimista.

Às vésperas do aniversário de cinco anos da derrubada do ditador egípcio Hosni Mubarak, nesta quinta (11), ela afirma à Folha: o futuro pode, sim, ser bom.

Momani, pesquisadora no Centro para Inovação na Governança Internacional, conversou com a reportagem durante uma passagem recente por Madri, enquanto promovia seu livro "Arab Dawn" ("Alvorecer Árabe", em tradução livre), uma análise da demografia no Oriente Médio.

A obra reconhece que há desafios imensos para a segurança e a economia da região, mas há também índices pouco mencionados, que, vistos em conjunto, mostram uma geração cosmopolita, educada e empreendedora –ainda comprometida com a mudança política, apesar dos recentes fracassos em países como Síria, Líbia e Iêmen.

Há altas porcentagens de jovens matriculados na universidade em países como a Arábia Saudita, por exemplo.

Khaled Elfiqi - 24.jan.2016/EPA/Efe
Cairo (Egypt), 24/01/2016.- Youths hold Egyptian flags on Tahrir Square in Cairo, Egypt, 24 January 2016, on the eve of the fifth anniversary of the 25 January uprising. Egyptians planning protests to mark the 2011 uprising known as the Arab Spring will commit a 'crime' and must be punished, Minister of Religious Affairs Mohammed Mokhtar said earlier this month. The warning came after Egyptian secular activists and backers of the banned Muslim Brotherhood group called on Egyptians to hold massive anti-government protests on 25 January, which marks the anniversary of the revolt that toppled longtime dictator Hosny Mubarak. (Egipto, Protestas) EFE/EPA/KHALED ELFIQI ORG XMIT: KEF01
Garotos egípcios seguram bandeira do seu país na praça Tahrir, no Cairo

No Líbano, mais de um terço dos empreendedores são mulheres. As populações estão cada vez mais urbanas e com mais acesso à internet (veja quadro abaixo).

A análise demográfica, por vezes ignorada, é importante para o Oriente Médio.

Quase 20% dos árabes têm entre 14 e 25 anos, segundo a ONU. Em países como o Iêmen, metade da população tem menos de 15 anos. Em breve, essa geração, se bem preparada, ocupará posições de poder em seus países.

"Estou olhando para o futuro. Nenhuma região fica para sempre em situação de conflito", diz Momani.

"Há algumas décadas, estudantes se especializavam na América Latina. O Oriente Médio era entediante", afirma, lembrando-se de crises e de regimes autoritários latino-americanos.

A ideia de que o Oriente Médio esteja fadado ao atraso é antiga. Foi criticada, por exemplo, na obra clássica do palestino Edward Said "Orientalismo" (1978).

A região é historicamente representada como se precisasse ser guiada pelos Estados Unidos ou pela Europa, em vez de ser ela própria o agente de sua mudança.

REVOLUÇÕES

A Primavera Árabe não trouxe transformações significativas de regime em grande parte da região, talvez exceto pela Tunísia.

Mas isso não significa, para Momani, que a região esteja estancada. "Houve uma revolução social e cultural, e não acho que a revolução política já tenha terminado."

Um dos fatores que mais lhe dão esperança é o fortalecimento da sociedade civil em países como Síria e Líbano. Em Beirute, por exemplo, jovens têm se organizado para pressionar o governo para resolver questões como o acúmulo de lixo nas ruas.

"Não são movimentos institucionalizados. São informais, cotidianos. Não há líderes nem hierarquias", diz.

O próprio empreendedorismo é outro exemplo de que a juventude não espera mais que o Estado lhes beneficie. "Jovens estão dizendo que não precisam do governo, podem fazer da maneira deles."

Momani reuniu-se, durante sua pesquisa, com moradores de toda a região. Ela descreve a juventude árabe como "mais espiritual do que propriamente religiosa".

"Eles aprendem a religião ouvindo sermões no YouTube. Não vão mais à mesquita. É positivo, porque é um aprendizado individual, sobre ser uma pessoa melhor e estar mais próximo de Deus", diz. Haveria, aí, espaço para combater a radicalização no Oriente Médio.

Essa imagem apresentada em "Arab Dawn" não se parece muito com aquela retratada na imprensa internacional e por outros analistas. Parte do motivo é a convicção de Momani de que o pessimismo não ajuda.

"Prestamos atenção ao terrorismo, à violência, à radicalização. Tratamos da região como uma questão de segurança e nos esquecemos dos indivíduos. Assim, damos a entender que não existe ninguém. Retiramos a faceta humana", afirma.

Estudantes no exterior

Liberdade de imprensa

Acesso a internet

Jovens matriculados

População urbana


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