Folha de S. Paulo


Polarizado, Israel passa por onda de 'perseguição macarthista'

Uma série de campanhas on-line e projetos de lei alvejando ativistas de esquerda tem levado muitos em Israel a temer a erosão da liberdade de expressão no país.

O mais recente exemplo foi uma postagem na página do Facebook de uma ONG de extrema-direita classificando 117 artistas israelenses (entre eles os escritores Amós Oz, David Grossman e A.B. Yehoshua) como "infiltrados".

Na visão desses grupos, "infiltrados" seriam colaboradores de governos ou instituições internacionais que criticam ou minam a legitimidade de Israel no mundo.

Zanone Fraissat - 9.nov.2011/Folhapress
SÃO PAULO/SP-BRASIL,09/11/2011 -O escritor Amós Oz, Principal escritor israelense vivo e destacado ativista pró-paz entre Israel e Palestina farz conferência
O escritor Amós Oz durante palestra em São Paulo em 2011

A campanha contra os artistas foi realizada pela ONG ultranacionalista Im Tirtzu ("Se quiserem"), nome tirado da famosa frase do criador do sionismo, Theodor Herzl, que, ao imaginar um Estado Judeu, disse: "Se quiserem, não será uma lenda".

O líder do Partido Trabalhista, Isaac "Buji" Herzog, chamou o clima de perseguição à esquerda de "macarthismo", em referência à caça às bruxas promovida contra suspeitos de terem ideias comunistas nos EUA dos anos 50, quando o senador Joseph McCarthy acusou de subversivos diversos nomes famosos do país.

"O macarthismo israelense e os zeros à esquerda que o lideram vão desaparecer como nos Estados Unidos. A pergunta apenas é quando e quanto isso irá nos custar", postou Herzog no Facebook.

Gil Cohen-Magen - 11.mar.2015/AFP
Isaac Herzog, líder do Partido Trabalhista e candidato ao cargo de primeiro-ministro de Israel, durante debate sobre economia, em Tel Aviv (Israel). *** Israeli Labour Party leader and co-leader of the Zionist Union list for the upcoming general election, Isaac Herzog gives a speech during a debate on economy on March 11, 2015 in the costal Israeli city of Tel Aviv. Six days before Israel votes in a snap general election, the centre-left Zionist Union opened a lead of several points over the ruling rightwing Likud party, a poll showed. AFP PHOTO / GIL COHEN-MAGEN ORG XMIT: GCM02
Isaac Herzog, líder do Partido Trabalhista de Israel

CRÍTICAS À DIREITA

A lista negra de artistas também foi criticada pela própria direita. O primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, emitiu nota dizendo se opor à perseguição de quem não concorda com ele.

Até Benny Begin, filho do icônico ex-primeiro-ministro Menachem Begin, fundador do partido Likud, o mesmo de Netanyahu, criticou a campanha.

"Procurar, localizar e tachar pessoas como traidoras é um antigo sintoma fascista. É horroroso e perigoso."

Frente às críticas, o diretor-geral do Im Tirtzu, Matan Peleg, deixou o cargo, mas prometeu seguir "criticando duramente organizações que mostram soldados de Israel como criminosos de guerra e pregam o boicote" ao país.

Para líderes da esquerda, a perseguição é fruto do clima de nacionalismo extremo deflagrado por alguns ministros da atual coalizão do governo Netanyahu.

"Há uma perseguição que vira um problema quando certas pessoas são tachadas de 'infiltradas', o que quer dizer 'traidoras'", disse à Folha Mossi Raz, diretor-geral do partido de extrema-esquerda Meretz.

"A intenção dessas campanhas é amedrontar as pessoas, incitar, fazer com que temam se expressar."

Raz conta que recebeu ameaças de morte, assim como a líder do Meretz, a parlamentar Zehava Gal-On.

"Todos nós recebemos ameaças. Infelizmente, já vimos violência em Israel causada pela intolerância. Mas não é tão fácil apagar uma democracia como a de Israel. A esquerda é forte e vai sobreviver a isso", afirmou.

A polarização entre esquerda e direita é uma constante no país. Principalmente depois de 1967, quando Israel ocupou a Cisjordânia, a faixa de Gaza e Jerusalém Oriental, que os palestinos reivindicam, desde então, para criar um Estado independente.

A esquerda aceita essa concessão, mas a direita defende a colonização e a anexação desses territórios.

ABISMO

O abismo entre direita e esquerda em Israel se aprofundou em março de 2015, quando Binyamin Netanyahu foi reeleito premiê e formou o que alguns veem como o governo mais direitista da história do país.

Cargos chave foram ocupados por parlamentares ultranacionalistas, como a ministra da Cultura, Miri Regev (Likud), que defende uma lei que lhe permita cancelar o financiamento a instituições culturais que planejem espetáculos ou obras que, a seu ver, "denigram o país".

Paralelamente, os ministros da Justiça, Ayelet Shaked, e da Educação, Naftali Bennet (do partido ultranacionalista Casa Judaica), apresentaram outro projeto de lei que obriga ONGs de esquerda a revelarem financiamento externo, alegando que elas recebem fundos de países "hostis" ou críticos demais a Israel.

O mesmo não é exigido de ONGs de direita.

Nesse ambiente, proliferam as campanhas antiesquerda.

Em dezembro, o Im Tirtzu divulgou um vídeo questionando a lealdade de ativistas de ONGs como B'tselem (em prol dos direitos humanos dos palestinos) e Breaking the Silence (Quebrando o Silêncio, que reúne depoimentos de soldados críticos ao Exército de Israel).

O cientista político Shlomo Avineri, 83, da Universidade Hebraica de Jerusalém, concorda que Israel passa por uma onda macarthista. Mas adverte contra extrapolações.

"Não se trata de fascismo, palavra usada de forma livre demais. Fascismo significa só um partido no poder e a prisão imediata de críticos ", disse à Folha. "Não chegamos a esse ponto. Macarthismo já é ruim o suficiente."


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