Folha de S. Paulo


'Erramos em querer nos livrar do problema no Haiti', diz Celso Amorim

O ex-chanceler e ex-ministro da Defesa brasileiro Celso Amorim, que está à frente da missão de observação da OEA (Organização dos Estados Americanos) para as eleições no Haiti, afirma que a comunidade internacional presente no país durante o primeiro turno do pleito presidencial errou ao querer "se livrar do problema muito depressa".

"Acho que nós todos, a chamada comunidade internacional, erramos em querer nos livrar do problema muito depressa", disse Amorim à Folha, aludindo ao fato de a OEA e de outras missões enviadas ao país, como a da União Europeia, não terem percebido problemas que levariam a um impasse político que inviabilizaria o segundo turno.

"Não é que a comunidade internacional estivesse querendo favorecer o candidato do governo, mas havia o desejo de acabar logo", afirma.

O candidato governista, Jovenel Moise, ficou 7,6 pontos percentuais à frente do opositor Jude Célestin (32,8% a 25,2%) no primeiro turno, realizado em outubro. Célestin, contudo, diz ter havido fraude e ameaçou boicotar o segundo turno.

Diante do impasse e dos violentos protestos vistos nas ruas em janeiro, o governo decidiu adiar, pela segunda vez, o segundo turno, previsto para o último dia 24.

Leo Pinheiro - 15.mai.2015/"Valor"
15/05/2015 Editoria: Cultura Reporter: Monica Gugliano Local: Rio de Janeiro, RJ Pauta: A Mesa com o Valor Setor: Relacoes Internacionais Personagem: Celso Amorim, ex ministro, fotografado no restaurante Pergola no Copacabana Palace, durante o almoco com a reporeter Monica Gugliano, jornalista do Valor Economico Tags: Bandeira, escada, comendo, macarao, pratos, piscina, Fotos: Leo Pinheiro/Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS**
O ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim, no Rio de Janeiro

Amorim diz confiar na avaliação dos técnicos da OEA, que chegaram a conclusão "muito parecida" com o resultado oficial de outubro.

"Na minha opinião, não houve fraudes maciças entre a votação e o resultado –o que não quer dizer que não haja irregularidade", disse, destacando o fato de ter 52 fotos de candidatos a presidente na cédula eleitoral e de grande parte da população adulta do país (51,3%, segundo a ONU) ser analfabeta ou semianalfabeta.

"Ter uma assinatura a mais ou a menos nas atas [eleitorais] é provável que ocorra."

Para ele, o fato de a votação de outubro ter tido mais comparecimento e menos violência do que o registrado meses antes, no primeiro turno das eleições legislativas –além da perspectiva de que houvesse um segundo turno competitivo– fez com que os observadores internacionais logo considerassem válidos os resultados.

"São padrões que talvez não fossem aceitos em outros países, mas que lá, como a coisa é tão complicada [foram]."

Em nota no último dia 19, a missão chefiada por Amorim expressou sua preocupação com o impasse político ante a realização do segundo turno. A votação seria adiada três dias depois, e ainda não tem data definida.

"Talvez tenhamos levado tempo demais para reconhecer que havia um impasse. Apesar disso, fomos os primeiros a fazê-lo", disse Amorim, para quem o segundo turno "teria trazido um banho de sangue imediato".

Neste domingo (7), termina o mandato do presidente Michel Martelly, e ele anunciou que deixará o poder, apesar de não haver definição ainda sobre quem assumirá o seu lugar.

A ideia que parece ter mais consenso agora é a formação de um gabinete de transição, que tentaria concluir o processo eleitoral. Ainda há, contudo, divergências entre governistas e opositores sobre quem estaria à frente da transição.

Especula-se que o atual premiê, Evans Paul, possa ficar à frente de um gabinete de transição, mas opositores pedem que seja um juiz da Suprema Corte.

Além disso, Paul, nome indicado por Martelly, não teve aprovação do Parlamento –que havia sido dissolvido após o término do mandato da então legislatura e sem a previsão de novas eleições, em janeiro de 2015.


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