Folha de S. Paulo


Com jeito de vovô socialista, Sanders une gerações e desafia Hillary Clinton

Maior surpresa da campanha presidencial nos Estados Unidos, o senador Bernie Sanders abriu seu último discurso antes do início das prévias eleitorais com a proposta que se tornou a marca de sua campanha.

"Sinto que vocês estão prontos para uma revolução", disse Sanders, recebendo de volta um vigoroso "sim" do público que encheu o ginásio de uma universidade de Des Moines, a capital do Estado norte-americano de Iowa.

Marcelo Ninio/Folhapress
Frederik Cornelius-Knudsen, 17, que dará seu voto a Sanders, e o slogan
Frederik Cornelius-Knudsen, 17, que dará seu voto a Sanders, e o slogan "Um futuro para se acreditar"

Nesta segunda-feira (1º), com a largada oficial da corrida à Casa Branca, Sanders tentará provar que sua "revolução" tem apelo suficiente junto ao eleitor norte-americano para derrubar o favoritismo da ex-secretária de Estado Hillary Clinton e fazer dele o candidato do Partido Democrata na eleição presidencial de novembro.

Para espanto de muitos, o senador tornou-se um fenômeno de popularidade e ele começa a disputa virtualmente empatado com Hillary em Iowa, onde ocorre a primeira das prévias eleitorais que passarão por todos os Estados do país nos próximos meses.

MÉDIA DAS PESQUISAS PARA IOWA - Democratas (em %)

Mais velho entre os 15 candidatos presidenciais, com 74 anos, Sanders tem sido impulsionado pelo apoio dos jovens, que se identificam com um discurso que flerta com o socialismo e bate forte nos barões do mercado financeiro.

Mas seu comício mostrou que não é só isso. Sua base de apoio é um encontro de gerações, em que se misturam o idealismo da era hippie ao mal-estar da América pós-crise financeira. Gente que foi às ruas na década de 60 pelos direitos civis e protestou contra a guerra do Vietnã juntamente com jovens nascidos depois da Guerra Fria.

"Me identifico com os ideais de justiça social e igualdade que Bernie prega", disse à Folha Frederik Cornelius-Knudsen, 17, que veio do Estado vizinho de Minnesota com um grupo de amigos de escola para participar do comício. Em novembro ele votará pela primeira vez, e espera que o nome de Sanders esteja na cédula. "Para a minha geração, socialismo não é um palavrão."

A artilharia retórica de Sanders, que se define como "social-democrata", tem um foco preciso. Em cerca de uma hora de discurso, o senador não fez nenhuma menção à política externa e praticamente só falou de economia e desigualdade social, com os ataques ferinos a Wall Street que se tornaram inseparáveis de sua trajetória.

"Se um garoto aqui em Iowa é pego com maconha, ele é preso e ganha uma ficha policial para o resto da vida. Mas nenhum dos chefões de Wall Street que destruíram nossa economia foi parar na cadeia", disse Sanders.

Muitas das frases, de tão repetidas por Sanders nos últimos meses, viraram bordões e eram completadas pelo público, como num culto. Uma delas é a promessa de honrar o princípio defendido pelo presidente Abraham Lincoln e fazer um governo "do povo, pelo povo, para o povo", palavras ditas como um mantra pelo público presente.

Para o brasileiro Marcos Baker, 39, que saiu de Manaus há 15 anos e desde então vive em Des Moines, não é difícil entender por que o discurso de Sanders tem conquistado tanta gente. A economia norte-americana, diz ele, está bem pior do que sugerem as estatísticas.

"Os eleitores estão cansados de promessas e mentiras. Os números do desemprego contam uma história, mas, quando converso com amigos e familiares, sinto a dor deles. O dinheiro está secando", diz Marcos, gerente de tecnologia da informação que foi ao comício com a namorada.

Para ele, o jeito de vovô socialista e alguns de seus slogans transformaram Sanders numa marca de sucesso. "Ele é o coroa legal com um cabelo engraçado e bons slogans. Aposto que ele ganhará de Hillary em Iowa."

O nome de Hillary não foi citado em nenhum momento por Sanders em seu discurso, mas o senador não poupou críticas ao empresário Donald Trump, líder nas pesquisas do Partido Republicano, por seus ataques a mexicanos e muçulmanos.

"Essa demonização é inaceitável", disse Sanders, citando a lição do líder negro de direitos civis Martin Luther King. "Devemos julgar as pessoas pelo caráter, não pela cor da pele."

Para os seguidores de Sanders, não há dúvida: a revolução já começou. Vestindo uma fantasia de gladiador e usando uma placa da campanha de Sanders como escudo, Richard Napieralski, 56, diz que nem Barack Obama, quando foi eleito em 2008, conseguiu inspirar tanto entusiasmo e esperança de mudança.

"Bernie é o único que fala a verdade, doa a quem doer. Isso é revolucionário", diz ele.

Marcelo Ninio/Folhapress
Richard Napieralski, vestido de gladiador:
Richard Napieralski, vestido de gladiador: "Bernie é o único que fala a verdade"

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