Folha de S. Paulo


Rafael Correa virou caudilho do século 21, diz ex-aliado

Um "caudilho do século 21", que concentra todos os poderes do país e controla todos os espaços da sociedade civil. É assim que o economista Alberto Acosta, 67, descreve o presidente equatoriano, Rafael Correa, de quem já foi aliado próximo no início de seu governo, em 2007.

Acosta rompeu com Correa em 2008, após ter ajudado a fundar o Alianza País, partido do mandatário, e de ter sido seu primeiro ministro de Energia e Minas e presidente da Assembleia Constituinte. Um dos principais motivos foi a posição de Correa sobre a exploração de petróleo em reservas amazônicas como a de Yasuní, esta confirmada em 2013.

Kevin Granja - 15.jan.2013/Reuters
ORG XMIT: ECU107 Ecuadorian presidential candidate Alberto Acosta gives a speech at San Francisco University during his electoral campaign in Quito January 15, 2013. Ecuador's 2013 presidential election will be held on February 17. REUTERS/Kevin Granja (ECUADOR - Tags: POLITICS ELECTIONS)
Alberto Acosta, então candidato à Presidência do Equador, discursa em São Francisco, nos EUA

Acosta chegou a concorrer com Correa à Presidência, em 2013, pela Unidade Plurinacional das Esquerdas, mas ficou em 6º lugar, com 3,3% dos votos.

Em entrevista à Folha em Quito, Acosta criticou o projeto misto de rodovia e hidrovia Manta-Manaus, que foi um dos pontos principais do encontro bilateral nesta terça (26) entre a presidente Dilma Rousseff e Correa, na capital equatoriana.

Também disse ver com cautela a volta da Odebrecht ao país e a falta de transparência dos projetos de obras públicas. "Me preocupa que uma empresa à qual o presidente Rafael Correa classificou de corrupta e corruptora esteja de novo em nosso país como se nada tivesse acontecido", afirmou Acosta, que lança seu livro "O Bem Viver" no Brasil nesta semana.

Confira abaixo a entrevista.

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Folha - O sr. foi um aliado muito próximo a Rafael Correa no início de seu mandato, mas, em 2008, rompeu com seu governo, e, inclusive, se opôs a ele nas urnas em 2013. O que mudou na sua visão em relação a Correa?

Alberto Acosta - Fui ministro de Energia e Minas (2007), fundador do movimento Alianza País (de Correa), presidente da Assembleia Constituinte (2007-2008) e, por muitos anos, fui muito amigo de Correa. Éramos como irmãos.

Mas no Plano de Governo do Alianza País que elaboramos, propúnhamos um governo respeitoso, que tomasse as decisões de maneira horizontal e participativa. Éramos contra governos autoritários, personalistas e caudilhistas, queríamos respeito à imprensa. E nada disso se vê agora.

O que Correa fez foi concentrar poderes, ele se transformou no caudilho do século 21.

Correa controla a Justiça, a Corte Constitucional, o Conselho Nacional Eleitoral –que conhecemos aqui como 5o poder– e, com o voto popular, controla o Legislativo.

Ele controla todos os espaços da sociedade civil: está constituindo seus próprios movimentos sociais, tem um sindicato próprio, um movimento indígena próprio, uma associação de professores própria e uma associação de estudantes própria.

Além disso, este governo foi o que mais fez para modernizar o capitalismo nas últimas décadas no Equador. Aqui não há nenhuma ideia revolucionária ou socialismo do século 21.

Acho que não o conhecíamos bem.

Por que diz que não há socialismo do século 21 no Equador?

Em primeiro lugar, pelas próprias declarações do presidente. Ele reconheceu mais de uma vez que o que está fazendo é modernizar o capitalismo.

Na prática, esse governo conseguiu que os grupos econômicos mais poderosos sejam hoje muito mais ricos que antes e não conseguiu redistribuir os lucros, sobretudo provenientes da exportação do petróleo, em favor dos setores populares. Este governo ainda impulsionou o extrativismo, a atividade petroleira e de mineração, mais do que qualquer governo neoliberal anterior.

Correa nunca esteve sintonizado com uma proposta de mudança radical. Ele queria chegar à Presidência, e na Presidência, centralizou o poder por meio da nova Constituição.

No início, esse governo dizia 'não' a tratados de livre comércio, e fechou um acordo de livre comércio com a União Europeia. Este governo dizia 'não' às privatizações, e está abrindo a porta às privatizações com uma fórmula de aliança público-privada.

Angelo Chamba - 15.jun.2007/Reuters
ORG XMIT: 211601_0.tif Ecuador's President Rafael Correa (L) stands next to former Energy and Mines Minister Alberto Acosta as he presents his candidates for the Constituent Assembly to the public in Quito June 15, 2007. Acosta resigned on Thursday to help Correa push constitutional changes through a new assembly, which will be elected in September. REUTERS/Angelo Chamba (ECUADOR)
Acosta ao lado de Correa, em 2007

Como o sr. vê a atuação do governo Correa sobre a imprensa equatoriana?

Esse é um dos temas preocupantes, esse governo tem restringido os espaços de ação da sociedade civil em geral. A comunicação foi transformada num serviço público, quando, na verdade, é um direito humano, e a Constituição estabelece com clareza que a comunicação é um direito e deve ser garantido.

No Equador não há meios de comunicação públicos, há meios de comunicação governamentais, que são um espaço de propaganda governamental, com má qualidade jornalística, e que se utiliza para criticar quem se opõe ao governo.

Alguns meios privados têm demonstrado capacidade para melhorar em algo, mas outros infelizmente seguem fechando as portas.

Apesar de ter apresentado uma emenda para permitir a reeleição indefinida, Correa propôs, no fim de 2015, que isso seja permitido apenas a partir de 2021. O sr. acredita que ele não tentará mesmo um terceiro mandato em 2017?

Acho que ele está tentando um terceiro mandato não imediato. Ele não quer arriscar: sabe que já não tem mais apoio popular e que a crise econômica é muito grave, e está esperando que o próximo governo assuma o controle da crise para que ele volte a partir de 2021.

Mas, no Equador, tudo é possível. Quem sabe no último momento ele consegue um mecanismo para ser candidato em 2017.

Um dos motivos principais que o levaram a se distanciar de Correa foi a decisão do governo de permitir a exploração de petróleo em uma reserva nacional —projeto em que teve atuação a Petrobras. Como o sr. avalia a ação da Petrobras no Equador?

A Petrobras explorava os blocos 31 e 18, onde há o campo Palo Azul, onde havia graves problemas. Quando fui ministro, montei uma comissão para investigar todas as operações realizadas pela Petrobras. Do meu ponto de vista, era preciso finalizar o contrato com a Petrobras, mas o Correa não quis fazê-lo. No ano 2010, a Petrobras optou por não renovar os contratos e se retirou.

Em 2008, a Odebrecht foi expulsa do Equador por Correa, mas retornou em 2012 e, no ano passado, venceu a concorrência para a construção da linha 1 do metrô de Quito com a espanhola Acciona. Como vê o retorno da empresa ao país?

A Odebrecht está com o metrô de Quito, estava trabalhando na refinaria do Pacífico e em algumas hidrelétricas. Me preocupa que uma empresa à qual o presidente Rafael Correa classificou de corrupta e corruptora esteja de novo em nosso país como se nada tivesse acontecido.

As negociações entre os Estados obrigaram o Equador a receber novamente a Odebrecht e estamos vendo que isso, no fim, não permite a transparência do manejo das obras públicas em geral.

Mas a Controladoria-Geral da República está investigando 14 projetos da Odebrecht no país...

A Controladoria não fez nenhuma investigação séria nos últimos anos. De uma ou outra maneira, está muito próxima ao presidente da República, depende do Executivo.

Santiago Armas/Xinhua
(160127) -- QUITO, Jan. 27, 2016 (Xinhua) -- Brazil's President Dilma Rousseff (R) and Ecuador's President Rafael Correa greet each other during a joint press confererence at Carondelet Palace, in Quito, Ecuador, Jan. 26, 2016. Rafael Correa welcomed Dilma Rousseff at Carondelet Palace on Tuesday. (Xinhua/Santiago Armas) (zjy)
Correa cumprimenta Dilma Rousseff em Quito

Um dos pontos altos do encontro bilateral entre Dilma e Correa foi a discussão para destravar o projeto misto de rodovia e hidrovia Manta-Manaus. É um projeto bom para o Equador?

O projeto me preocupa muito por várias razões. Primeiro, porque vai atravessar uma zona de mata virgem perto [do parque] de Yasuní e vai afetar o rio Napo, que é importante para a biodiversidade e a vida dos povos indígenas. Além disso, esse eixo não está em linha com uma integração autonômica –regional para dentro– mas com uma integração regional para fora.

Como o sr. avalia a situação dos governos de esquerda na América Latina?

Há um esgotamento dos governos que eram progressistas. Não quer dizer que todos vão sair do poder, podem ficar alguns. Mas o que significou um elemento transformador, motivador, que gerava expectativa, já passou.

São governos que se preocuparam em modernizar o capitalismo. O retorno do Estado à economia não nos abriu uma porta a outro tipo de economia e de gerenciamento político, mas a mais extrativismo, agronegócios.

Os governos progressistas já não podem representar uma alternativa real ao neoliberalismo.

É preciso construir uma alternativa, e sobre isso podemos contar com as ideias do Bem Viver.

Que seriam...

É preciso entender o Bem Viver como uma oportunidade para construir outras formas de vida, reconhecendo que há várias opções diferentes às dominantes sustentadas no produtivismo e no consumismo.

Há experiências de vida em que se valoriza o comunitário, em que se valoriza a relação harmônica com a natureza, que existem em diversas partes do planeta e que começam a ter muita força.

O desenvolvimento se converteu hoje num fantasma. Os países que se consideram desenvolvidos estão mal desenvolvidos. E para os nossos países, os nossos vários problemas de miséria, de exclusão, de falta de educação, de saúde, de emprego, de moradia segue sendo algo inalcançável.

Por que os países desenvolvidos estão mal desenvolvidos?

Em primeiro lugar, porque têm um estilo de vida que destrói a natureza, que levou a um ponto de tremendo risco de vida para a humanidade, e continuam ampliando este estilo de vida produtivista e consumista. Estes países estão vivendo além de suas capacidades ecológicas, e a desigualdade segue crescendo.

O Equador tem uma Secretaria do Bem Viver. O país está conseguindo colocar algo desta ideia em prática?

No Equador, o governo usa o conceito do Bem Viver em sua causa, simplesmente para a propaganda. É puro marketing. É uma proposta burocrática, que não está em sintonia com aquelas ações e valores existentes nas comunidades indígenas.


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