Folha de S. Paulo


Em Davos, Argentina vira exemplo ao Brasil

Um dos mais conhecidos analistas econômicos do Brasil, frequentador assíduo do Fórum de Davos, pede o anonimato para produzir a mais perfeita e irônica visão de como é vista, pela elite mundial, a ascensão de Mauricio Macri à Presidência argentina:

"A melhor notícia para o Brasil nos últimos tempos é Mauricio Macri", ironiza. E explica: seu exemplo servirá de estímulo para que o Brasil faça as reformas há tanto prometidas e sempre adiadas.

Ruben Sprich/Reuters
O argentino Mauricio Macri (à dir.) encontra o premiê britânico, David Cameron, em Davos, na Suíça
O argentino Mauricio Macri (à dir.) encontra o premiê britânico, David Cameron, em Davos, na Suíça

Pelo menos em um ponto, Macri quer mesmo servir de modelo: na defesa dos os presos políticos na Venezuela e na pregação por democracia e direitos humanos.

"Em todas as instâncias a que irei nos próximos dias ou meses, vou falar disso", disse o presidente em encontro com os jornalistas do International Media Council, criado pelo Fórum Econômico Mundial.

Sua chanceler, Susana Malcorra, explicitou as instâncias e são realmente todas as regionais: Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe, Unasul, Organização dos Estados Americanos.

A julgar pelo entusiasmo de Macri, ele não é modelo só para o Brasil: o presidente acha que, "de repente, está todo o mundo indo na mesma direção" em relação à Venezuela. Menos o Brasil, ressalvou, "pelo problema que é a fronteira", sem detalhes.

O modelo que Macri vendeu na campanha eleitoral e nos seus primeiros 40 dias de governo atraiu de fato a atenção de Davos, a ponto de ter mobilizado até Martin Wolf, principal colunista do "Financial Times" e um dos mais respeitados do mundo, para a entrevista desta quinta (21).

"A Argentina está interessante", explicou Wolf.

Qual é o roteiro que Macri vendeu nos seus dois dias no encontro anual-2016 do Fórum Econômico Mundial?

Responde o próprio presidente: "Um país aberto, confiável, com regras estáveis para todos".

Música para os ouvidos dos executivos que formam a clientela básica de Davos, dos quais a antecessora de Macri, Cristina Kirchner, fugiu durante os 12 anos de reinado dos Kirchner.

Já Macri veio com um time completo de auxiliares, que trouxe ao seu encontro com os jornalistas, algo inusitado nesse modelo de conversa.

Deixou até que respondessem, junto com ele, além da chanceler Susana Malcorra, o ministro da Economia, Alfonso Prat-Gay, e o peronista Sergio Massa, derrotado no pleito que, em segundo turno, entronizou Macri.

Permitiu-se até uma brincadeira com o impecável inglês de Prat-Gay, que serviu de tradutor ao espanhol de Massa: "Se você não der certo na economia, já tem lugar como tradutor".

ABUTRES

Novidades na entrevista não surgiram, mas serviram para confirmar a moderação do novo presidente, um contraste até forçado com o estilo belicoso de Cristina.

Anunciou, por exemplo, a intenção de acertar as contas com os chamados "fundos abutre, que estão impedindo a Argentina de entrar no mercado de crédito.

Se houver o acerto ("tão rápido e justo quanto possamos obter", ressalvou Prat-Gay) e o crédito voltar, a Argentina poderá dobrar a produção de alimentos, diz Macri.

Com o premiê britânico, David Cameron, com quem se reuniu no mesmo dia, Macri repetiu a histórica reivindicação argentina pela soberania sobre as ilhas Malvinas, mas sem deixar de "sentar-se para discutir sobre tudo".

Macri manteve 19 reuniões com líderes políticos e empresariais em Davos, sempre com a mensagem: "A Argentina está madura para voltar ao mundo".


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