Folha de S. Paulo


Ligada ao Estado Islâmico, agência divulga ataques em primeira mão

Os homicídios de San Bernardino. O massacre esta semana em um shopping center de Bagdá. Na quinta-feira, a explosão que devastou um Starbucks em Jacarta.

Em cada um desses ataques terroristas, uma empresa chamada Agência de Notícias Amaq foi a primeira a divulgar a notícia de que o Estado Islâmico (EI) reivindicaria a responsabilidade.

A agência de notícias vem conseguindo seus furos porque recebe informações diretamente do Estado Islâmico e, para os jornalistas que cobrem terrorismo, isso fez da Amaq leitura obrigatória a cada vez que uma bomba é detonada.

A agência publica uma corrente de notícias curtas por meio de um app cifrado para smartphones chamado Telegram, e funciona mais ou menos como uma agência oficial de notícias funcionaria em um Estado totalitário. Os alertas, artigos e vídeos se fazem passar por jornalismo convencional, identificados por rótulos como "notícia urgente" e "exclusivo".

E os repórteres da agência tentam parecer objetivos, atenuando a hipérbole terrorista que o EI usa em seus releases oficiais. (Os responsáveis pelo ataque em Jacarta foram descritos como "combatentes do Estado Islâmico, e não como "soldados do califado", a designação que o EI prefere. As vítimas foram descritas como "cidadãos estrangeiros", e não como "cruzados".)

Mas não se equivoque: a Amaq existe para difundir a mensagem do EI, e o verniz que distingue o grupo terrorista da organização que se tornou sua agência extraoficial de notícias está rapidamente desaparecendo. Ainda que o grupo não seja oficialmente parte do aparato de mídia do EI, funciona mais ou menos do mesmo modo.

"A agência foi assimilada em grau muito maior pela infraestrutura de propaganda do EI, e agora é parte integral e muito importante dela. Tornou-se o primeiro ponto de publicação para reivindicações de responsabilidade pelo grupo —ainda que não invariavelmente", disse Charlie Winter, pesquisador sênior da Iniciativa Transcultural sobre Violência e Conflito, na Universidade Estadual da Geórgia.

Ele apontou que um dos maiores ataques —os atentados de 13 de novembro em Paris seguiu a rota mais tradicional, com uma reivindicação direta de responsabilidade pelo EI.

O Estado Islâmico mantém uma rádio oficial, a Al Bayan, que divulga boletins noticiosos diários, e publica a revista mensal "Dabiq", além de operar numerosas produtoras para realizar seus sangrentos vídeos. Além dessas organizações, há escritórios de mídia em cada uma das províncias sob controle da facção.

O material divulgado por esses veículos oficiais têm o selo final de aprovação do EI —é isso que eles desejam que saibamos sobre sua ideologia e suas táticas.

As mensagens em questão são estreitamente controladas e moduladas de forma a atrair o maior número possível de recrutas, além de serem concebidas como forma de intimidação, para semear o medo.

Um exemplo de como eles controlam a mensagem da organização pode ser encontrado no que aconteceu com o extremista britânico Omar Hussain.

Estado Islâmico

Este mês, Hussain publicou uma série de ensaios sobre a vida no Estado Islâmico —e terminou ordenado a suspender a publicação por decisão do comitê de mídia do EI.

O grupo terrorista ordenou que ele fechasse sua conta no Telegram ou pagaria o preço, de acordo com uma captura de tela de uma mensagem recebida que ele compartilhou com seus seguidores, em um post de despedida.

Talvez a organização não tenha apreciado a diatribe de 6.000 palavras que ele postou, criticando pesadamente os árabes e acusando crianças sírias de roubar o carregador de seu celular.

A Amaq parece ter sido criada, ou autorizada a se desenvolver, de maneira a se tornar uma fonte de informação que continua basicamente sob o controle do Estado Islâmico, mas fica a certa distância da milícia, o que lhe dá alguma aparência de legitimidade.

Um dos observadores mais assíduos há anos da propaganda terrorista é a SITE Intelligence, de Washington. Os pesquisadores da organização dizem que viram o nome da Amaq pela primeira vez durante a longa batalha pela cidade de Kobani, uma comunidade curda na fronteira entre a Síria e a Turquia que o EI Islâmico capturou em 2014.

Rita Kaz, a diretora da SITE, disse que ela e seu pessoal perceberam que os combatentes do EI estavam postando links para reportagens da Amaq em suas contas pessoais.

Ao longo de boa parte de sua evolução, a Amaq parecia postar atualizações e notícias sobre acontecimentos na área do EI, mas não havia um padrão claro de a agência preceder o Estado Islâmico nas reivindicações de responsabilidade.

Isso mudou no mês passado, quando um casal, Syed Rizwan Farook e Tashfeen Malik, invadiu uma festa de final de ano no departamento de saúde do condado de San Bernardino e abriu fogo contra os presentes.

A Amaq foi a primeira organização a afirmar que os dois eram partidários do Estado Islâmico. Um dia mais tarde, o grupo terrorista repetiu a afirmação em sua transmissão oficial de rádio.

Com mais e mais ataques surgindo nos últimos dias, a Amaq vem sendo quase sempre a primeira organização a reportar a responsabilidade do Estado Islâmico por essas ações.

"Eles estão se comportando como uma organização oficial de mídia do Estado. O EI se vê como Estado, e um país precisa de mídia oficial", disse Katz.

Seguindo o exemplo da mídia ocidental, a Amaq vem até mesmo incorporando repórteres às unidades do Estado Islâmico envolvidas em grandes batalhas.

Quando o EI capturou a histórica cidade de Palmira, na Síria, foi um câmera da Amaq que registrou as primeiras imagens, disse Winter.

Uma coisa a recordar, porém, é que a função da Amaq é difundir propaganda do Estado Islâmico. Não é preciso procurar muito para encontrar exemplos de manipulação.

Quando unidades de operações especiais norte-americanas ajudaram forças curdas a libertar dezenas de prisioneiros de uma prisão do Estado Islâmico no norte do Iraque, em outubro, um soldado norte-americano foi morto.

Mas a manchete da Amaq assumia tom diferente. A manchete era "operação fracassada de desembarque aéreo pelo Exército dos Estados Unidos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI**


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