Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Limite à venda de armas nos EUA pode afetar produtores brasileiros

Há conexão entre nosso país e o emocionado discurso do Presidente Obama ao apresentar (tímidas) medidas executivas de controle de armas. O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de armas pequenas (e suas munições), justamente as que mais matam, tanto em conflitos bélicos deflagrados como, principalmente, em países nominalmente "em paz" como os EUA.

Segundo a pesquisa Small Arms Survey, entre 2001 e 2012, o Brasil foi o quarto maior exportador de armas pequenas no mundo (atrás somente de Estados Unidos, Itália e Alemanha), com receitais totais de US$ 2,8 bilhões.

Kevin Lamarque/Reuters
Barack Obama se emociona ao lembrar de massacres em anúncio sobre maior controle na venda de armas
Obama se emociona ao lembrar de massacres em anúncio sobre maior controle na venda de armas

No período, as exportações brasileiras cresceram quase 300%, chegando a US$ 293 milhões em 2012. Em termos de munições, as exportações brasileiras aumentaram 397% entre 2001 e 2011. Levantamento da BBC Brasil com o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) nota que, em 2015, as vendas de armas e munições brasileiras aos EUA passaram de US$ 135 milhões.

A demanda de civis faz dos EUA o principal destino dos instrumentos letais "made in Brazil". Estimativas sugerem que há mais de 300 milhões de armas em circulação nos EUA, média de quase uma por habitante –ou mais de 40% do arsenal civil do mundo.

Se no território brasileiro Taurus (armas) e CBC (munições) detêm quase um monopólio tanto no mercado nacional –entre civis e policiais– quanto na participação em crimes violentos, no gigantesco mercado norte-americano as empresas têm presença menor, porém relevante.

A Taurus, "maior fabricante de armas curtas do mundo", segundo a própria empresa, já deteve 20% da participação no mercado dos EUA, além de ter conquistado o prêmio "Hand Gun of the Year" da NRA (Associação Nacional do Rifle, nos EUA) em 2011. Há anos tem subsidiária em Miami.

A CBC, que se vangloria de ser "um dos três maiores produtores de munição do mundo", com mais de um bilhão de unidades produzidas por ano, fabrica e comercializa nos EUA (em Minnesota), sob a marca Magtech. Em 2014, a CBC tomou controle acionário da Taurus, operação que passou pelo escrutínio da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) dado o grau de concentração econômica e disputas entre acionistas.

QUEDA E RECUPERAÇÃO

A trajetória de sucesso se rompeu recentemente. Após muitos disparos acidentais no Brasil –a PM de São Paulo, por exemplo, registrou ao menos 30 casos de armas que dispararam sozinhas–, incidentes começaram a pipocar nos EUA.

Em 2014, a Forbes noticiava que a Taurus tinha caído em desgraça no mercado norte-americano, atingida por um processo coletivo de responsabilidade por produtos que custou US$ 30 milhões aos seus cofres. Consumidores que possuam algum dos nove modelos de pistola da empresa afetados podem devolver as armas e ser ressarcidos em US$ 200.

Novos casos continuaram a surgir nas cortes –incluindo a morte de um menino de 11 anos no Alabama–, mas hoje, reorganizada, beneficiada pelo câmbio e competindo entre as marcas mais baratas do mercado, a Taurus tem algumas de suas armas de volta às listas de mais vendidos.

George Frey - 18.dez.2015/Reuters
Homem dispara uma Taurus Millennium 9mm em feira em Utah, nos EUA, em dezembro passado
Homem dispara uma Taurus Millennium 9mm em feira em Utah, nos EUA, em dezembro passado

A íngreme derrocada das ações da empresa nos últimos três anos, no entanto, não dá sinal de melhora.

Não se sabe qual a porcentagem das mais de 30 mil mortes anuais nos EUA por armas de fogo (entre homicídios, suicídios e acidentes) ocorrem com armas brasileiras, nem quantas das estimadas 200 mil armas traficadas anualmente para o crime organizado no México e na América Central têm brasão da Taurus. Não serão poucas.

De qualquer forma, a indústria brasileira depende massivamente do mercado civil e policial dos EUA e do Brasil –somente 4,2% das vendas da Taurus em 2011 foram para outros países. Se as lágrimas de Obama forem um divisor de águas nas consequências políticas e legislativas do debate sobre controle de armas nos EUA, as repercussões serão sentidas aqui também.

Se inspirarem coração e valentia similar no nosso governo, poderiam impactar ainda mais. Por exemplo, saberá a população brasileira que um dos donos da Taurus é o Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil? O Previ, que supostamente "investe seus recursos de forma social e ambientalmente responsável", ainda detém cerca de 15% da Taurus, apesar de promessas de se desfazer das ações há anos, e quatro conselheiros na empresa.

Que tal tentar prevenir novas lágrimas do seu colega norte-americano, presidente Dilma?

DANIEL MACK é consultor independente para temas de redução da violência armada


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