Folha de S. Paulo


Arábia Saudita executa clérigo xiita e mais 46 acusados de terrorismo

A Arábia Saudita executou neste sábado (2) 47 acusados de pertencer a facções terroristas e de planejar ataques contra o país. Entre os mortos, está o proeminente clérigo xiita dissidente Nimr Baqir al Nimr.

Nimr, 56, foi sentenciado à morte por desobedecer as autoridades, instigar a violência sectária e ajudar células terroristas.

AFP
Mulheres xiitas fazem protesto contra execução do clérigo xiita dissidente Nimr Baqir al Nimr
Mulheres xiitas fazem protesto contra execução do clérigo xiita dissidente Nimr Baqir al Nimr

O clérigo, muito crítico da dinastia sunita Al Saud, liderou em fevereiro de 2011 protestos oposicionistas na parte leste do país, onde está concentrada a minoria xiita saudita. Nimr criticou duramente a monarquia sunita do Bahrein e o regime sírio, de domínio da minoria alauita.

Ele foi detido em julho de 2012 por apoiar o que Riad considerou distúrbios contra as autoridades sauditas na província de Al Qatif.

Em outubro de 2014, Nimr foi condenado à morte por um tribunal especializado em casos de terrorismo, o que levou a protestos em vários países com forte presença de xiitas, incluindo Irã e Iêmen.

Em seu julgamento, o clérigo não negou desaprovar a família real saudita e nem seus duros discursos contra o príncipe Nayef bin Abdelaziz. Ele rejeitou, contudo, as acusações de porte de armas e incitação à violência.

Seu irmão, Mohammed al-Nimr, escreveu uma série de tuítes após a execução, dizendo esperar que o país possa superar o sectarismo. "Vocês estão errados se pensam que matar vai parar as demandas por direitos. Nós permanecemos pacíficos, pedindo reformas e mudanças no nosso país", escreveu.

O filho de Mohammed, Ali, também enfrenta a pena de morte após ser preso por acusações que incluem atacar forças de segurança, participar de protestos, roubo armado e posse de uma metralhadora.

REAÇÃO

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, John Kirby, cobrou do governo saudita respeito e proteção aos direitos humanos. Ele pediu que Riad garanta a lisura de seus processos judiciais, assim como permita manifestações pacíficas contra as execuções, de forma a dissipar as tensões regionais. Os EUA são os principais aliados da Arábia Saudita no Ocidente.

A agência de notícias Reuters afirma que dezenas de xiitas sauditas foram às ruas para protestar contra a morte de Nimr. Eles gritavam "abaixo Al Saud", em referência à família que governa a Arábia Saudita, durante marcha da casa do clérigo na vila de al-Awamiya à Qatif.

No Bahrein, manifestantes também foram às ruas com fotos de Nimr e gritos pela morte da família Al Saud e contra a monarquia bareinita.

Os manifestantes entraram em confronto com as forças de segurança, que dispararam bombas de gás. O aparato de segurança foram reforçados com veículos blindados.

Os atos ocorreram na capital, Manama, e na vila de Abu-Saiba, a oeste da cidade.

Ahmed Alfardan/Efe
Polícia usa bomba de gás contra manifestantes em Manama, capital do Bahrein
Polícia usa bomba de gás contra manifestantes em Manama, capital do Bahrein

A execução do clérigo irritou o governo do rival Irã, que afirmou neste sábado (2) que a Arábia Saudita pagará um "preço elevado". A embaixada saudita em Teerã chegou a ser invadida e incendiada na madrugada de domingo (3, horário local).

"O governo saudita apoia por um lado os movimentos terroristas e extremistas e, ao mesmo tempo, usa a linguagem da repressão e da pena de morte contra seus rivais internos. [...] Pagará um preço elevado por esta política", disse o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores do Irã, Hossein Jaber Ansari, citado pela agência iraniana Irna.

"A execução de uma personalidade como o xeque Al Nimr, que tinha unicamente objetivos políticos e religiosos, somente demonstra a falta de sabedoria e a irresponsabilidade [do governo saudita]", afirmou ainda Ansari.

A milícia Basij, ligada à Guarda Revolucionária iraniana, convocou uma manifestação para este domingo (3), diante da Embaixada da Arábia Saudita em Teerã.

Em resposta, na noite de domingo (2), as autoridades sauditas convocaram o representante diplomático do Irã no país para protestar contra as declarações feitas por Ansari, as quais classificaram como uma interferência em assuntos domésticos.

No Líbano, um clérigo xiita proeminente condenou a morte de Nimr, descrevendo-a como um grave erro que poderia ter sido evitado com um perdão real, o que ajudaria a amenizar as tensões entre xiitas e sunitas no país.

"Nós alertamos que qualquer ação precipitada significa catástrofe para a nação", disse o xeque Abdul-Amir Kabalan, vice-líder do Conselho Supremo Islâmico Xiita, o principal órgão religiosos do Líbano, onde 1,2 milhão são xiitas. Kabalan afirmou ainda que haverá repercussões nos próximos dias.

O grupo xiita libanês Hezbollah também condenou a execução, que classificou de assassinato.

A "verdadeira razão" para a execução foi "que o xeque Nimr [...] exigiu os direitos dissipados de um povo oprimido", disse o grupo em um comunicado, aparentemente se referindo à minoria xiita da Arábia Saudita.

A declaração também foi citada pela TV oficial do Hezbollah al-Manar e pela Al Mayadeen TV.

PENA DE MORTE

O Ministério de Interior informou em comunicado divulgado pela agência estatal de imprensa que 45 dos executados são sauditas, um é egípcio e um, chadiano. Segundo o governo, as sentenças foram cumpridas após todas as apelações serem esgotadas.

As mortes ocorreram na capital, Riad, e em outras 12 cidades do país. Segundo o major general Mansour al-Turki, porta-voz do ministério, todas foram realizadas dentro de prisões. Em oito delas, a sentença foi executada com decapitação por espada e nas outras quatro, por fuzilamento.

Al-Turki pediu ainda compreensão com o sistema legal saudita, que julga segundo a lei islâmica e cuja autoridade está sujeita ao Alcorão. O comunicado do ministério que anunciou as execuções trazia versículos do livro sagrado islâmico para justificar este tipo de punição.

O porta-voz disse ainda, em referência a Nimr, que o reino saudita aplica a lei independentemente da pessoa acusada. Afirmou ainda que as autoridades vão continuar perseguindo a todos que cometam atos terroristas.

Fayez Nureldine/AFP
Porta-voz do Ministério do Interior, Mansur al-Turki, anuncia execução de 47 condenados
Porta-voz do Ministério do Interior, Mansour al-Turki, anuncia execução de 47 condenados

O mufti (clérigo islâmico) do país, Abdulaziz al Sheij, também foi a público classificar as sentenças como justas. Por sua vez, o porta-voz do Ministério da Justiça, o xeque Mansur al Qafari, afirmou que todos os acusados de terrorismo têm direitos e garantias judiciais, como defesa por um advogado, chance de apresentar recurso e a presença de familiares nas audiências.

Entre os executados estão os condenados pelos ataques a vários complexos residenciais de Riad, em 2004, além dos atentados a sedes de empresas petrolíferas na província de Al Jabar, ao Ministério do Interior, às sedes da Forças de Emergência e ao consulado americano em Jidá, todos em 2005.

Grupos islâmicos extremistas lançaram em maio de 2003 uma campanha de atentados contra estrangeiros que trabalham no país e instalações petrolíferas para desestabilizar o regime. As forças sauditas responderam com operações de grande escala e a prisão e condenação de centenas de pessoas por terrorismo.

Entre eles, Faris al-Shuwail, membro do braço saudita da rede terrorista Al Qaeda que foi preso em agosto de 2004 durante uma das operações contra o grupo.

A morte de militantes associados à Al Qaeda levou a temores de ataques de retaliação no país. O braço do grupo no Iêmen, Al Qaeda na Península Árabe, já ameaçara no mês passado que reagiria caso membros da rede fossem executados.

As acusações incluem ainda a promoção da ideologia "takfiri" (extremista sunita), assassinato, sequestro, fabricação de explosivos e posse de armas.

Em novembro, a mídia estatal começou a circular relatos de que quase 50 presos seriam executados em breve. À época, a notícia levou a duras críticas também de organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch. Sarah Leah Whitson, diretora desta última no Oriente Médio, disse que a execução em massa de condenados, independentemente dos crimes cometidos, apenas mancharia mais o já ruim histórico da Arábia Saudita em respeito aos direitos humanos.

Ela afirmou ainda que a condenação de Nimr foi em um julgamento injusto e que sua morte apenas agravará a violência sectária.

A Arábia Saudita executou mais de 140 pessoas em 2015, o primeiro ano de reinado de Salman bin Abdelaziz. No ano anterior, 88 condenados foram mortos.


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