Folha de S. Paulo


Argentina vive onda de otimismo com chegada de Mauricio Macri ao poder

Jorge Adorno - 21.dez.2015/Reuters
Argentina's President Mauricio Macri gestures before the official photo at the Summit of Heads of State of MERCOSUR and Associated States and 49th Meeting of the Common Market Council in Luque, Paraguay, December 21, 2015. REUTERS/Jorge Adorno ORG XMIT: CDG29
O presidente Mauricio Macri antes da foto oficial da 49ª Cúpula do Mercosul, no Paraguai

O entusiasmo pelo fim do ciclo kirchnerista deu lugar a uma verdadeira lua de mel entre o presidente Mauricio Macri e setores do empresariado, do sindicalismo, da imprensa e do Judiciário.

A onda de otimismo fez com que jornais publicassem matérias e colunas de opinião simpáticas ao novo presidente, sindicatos dessem mais tempo para suas reivindicações e empresários ficassem eufóricos com os recém-anunciados fim das travas comerciais e do cerco ao dólar.

Nem a desvalorização do peso, provocada por uma alta de 40% do dólar nesta semana, azedou o humor geral, embora a disparada muito provavelmente chegue aos preços ao consumidor.

"Estamos em Carnaval até fevereiro", brincou o economista Miguel Kiguel, ao se referir ao fim dos controles à compra de dólares.

"Muitos aumentos já foram feitos, e os preços de hoje já refletem esse novo dólar. Nos próximos dias, pode ser que as pessoas se convençam de que não vale a pena comprar dólares e até vendam, o que fará a cotação baixar."

A previsão se confirmou na última sexta, e a moeda americana, que começou sendo cotada a 14 pesos após a liberação, recuou a 13,60 pesos.

Para a professora Libertad Mariana Strazzeri, 34, a calmaria após a desvalorização se deve à "campanha midiática a favor de Macri".

"Agora que Cristina [Kirchner] se foi, não há mais crítica", queixou-se ela, referindo-se aos meios de comunicação. "Estão chamando a desvalorização de 'sinceramento' de preços e as pessoas repetem isso sem pensar."

Ela participou da primeira marcha contra o governo de Macri, na quinta (17), em Buenos Aires. "Macri faz xixi e a TN [canal do Grupo Clarín] diz que chove", dizia o cartaz de outro manifestante.

Quanto tempo durará essa lua de mel? Pela tradição argentina, o pavio é curto.

Para Héctor D'Amico, secretário de Redação do jornal "La Nación", "é uma tradição argentina que o candidato vencedor sempre receba mais elogios do que merece. Ocorreu com [Raúl] Alfonsín, [Carlos] Menem, [Fernando] De la Rúa e o casal Kirchner. Não é o correto, mas é parte da cultura local. Tende a durar uns cem dias", disse à Folha.

Na gestão Cristina, em 2009, foi aprovada uma Lei de Mídia que marcou uma política ofensiva do governo sobre veículos independentes, expressa também em negativas em conceder entrevistas e falta de transparência sobre medidas, o que colaborou para um clima ruim entre governo e mídia não alinhada.

DESCONTENTES

Apesar da lua de mel, alguns indícios de descontentamento com Macri já começaram a aparecer. Na sexta-feira (18), sindicalistas disseram que querem um bônus de fim de ano para compensar a desvalorização e seu efeito negativo na inflação.

"Os trabalhadores estão comprometidos a contribuir com o governo porque o país precisa sair do estancamento", disse o líder dos caminhoneiros, Hugo Moyano.

"Mas esperamos que não coloquem teto nas negociações salariais. Respeitamos o governo, mas isso não quer dizer que deixamos de defender os trabalhadores". O novo ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, não disse sim nem não –empurrou a decisão aos empresários.

Na Justiça e no Parlamento, as primeiras vozes discordantes surgiram quando Macri designou por decreto dois juízes para vagas abertas na Suprema Corte do país.

Apesar de amparada pela Constituição, a medida foi posta em prática uma única vez, em 1862. A atitude foi considerada autoritária e em contradição com a mensagem eleitoral do presidente de que respeitaria as instituições.

"É um enorme retrocesso institucional, nem Cristina se animou a tanto", disse a ex-candidata Margarita Stolbizer, que apoiou Macri no segundo turno.

"Designar juízes da Corte por decreto não soa a institucionalidade", declarou o peronista Sergio Massa, cuja oposição ao kirchnerismo rendeu parte dos votos que elegeram Macri.

Apesar das críticas de apoiadores, de membros da oposição e de colunistas de grandes jornais, o presidente venceu a queda de braço. As nomeações estão mantidas e serão referendadas pelos outros juízes. O presidente da Suprema Corte, Ricardo Lorenzetti, afirmou que os dois novos juízes são "muito bem-vindos".

ESCUTAS

Um assunto negativo para Macri que recebe atenção discreta da mídia é o caso das escutas ilegais pelo qual vem sendo processado desde 2012.

A acusação é que o agora presidente, com anuência da Polícia Metropolitana, teria pedido um esquema para espionar o próprio cunhado, o empresário Néstor Leonardo.

Logo após a eleição, o promotor responsável pelo caso, antes favorável a que Macri fosse a julgamento, mudou sua posição de forma súbita, dizendo que "novas evidências" sugeriam que, agora, ele deveria ser absolvido.

No dia seguinte, durante sua passagem por São Paulo, Macri disse à Folha que o processo "já estava encerrado", pois o juiz Sebastián Casanello concordaria com o promotor. O caso, porém, segue aberto, porque Leonardo resiste em liberar Macri.


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