Folha de S. Paulo


Opinião

Acordo climático de Paris é fraco para descarbonizar economia

Foram abundantes na mídia dos últimos dias avaliações muito positivas sobre o Acordo de Paris que, em geral, refletem a visão dos governos, dos negociadores, dos políticos e das ONGs envolvidas no processo.

Contudo, tanto no período prévio, quanto durante e depois do histórico acordo houve vozes predominantemente críticas provenientes da comunidade científica. Qual a razão dessa dissonância? Depende do enfoque da análise.

François Guillot - 12.dez.2015/AFP
Manifestantes fantasiados de urso polar participam de ato em Paris depois da Conferência do Clima
Manifestantes fantasiados de urso polar participam de ato em Paris depois da Conferência do Clima

Existem três níveis de análises sobre o acordo: a relação com o sistema internacional profundo, sua dinâmica diplomática e seu significado para a necessária transição para uma economia de baixo carbono.

No primeiro nível, o fundamental é reconhecer que os acordos multilaterais são apenas uma pequena parte do sistema internacional, cujo principal condutor é o interesse nacional predominante nas principais potências do sistema e sua trajetória recente de emissões e perspectivas futuras.

Sob esse aspecto, a capacidade humana e tecnológica de descarbonizar a economia mundial depende de 13 países, responsáveis por mais de 70% das emissões globais de carbono.

Numa primeira ordem de grandeza estão as potencias centrais do ciclo do carbono —os EUA, a China, a União Europeia e a Índia— e, numa segunda ordem de grandeza, a Rússia, o Japão, a Coreia do Sul, a Indonésia, a Turquia, a Arábia Saudita, o Brasil, o México e o Canadá.

Os EUA, a China, a Índia, a Rússia e a Arábia Saudita são, de longe, os principais produtores de combustíveis fósseis (somados carvão, petróleo e gás) que continuam aumentando apesar de todo o progresso das energias renováveis. A maior parte dessas treze potências tem dinâmicas de descarbonização muito lentas.

No nível diplomático, o acordo foi um sucesso, uma extraordinária costura de interesses nacionais e setoriais diferenciados e muitas vezes antagônicos, liderado pela competente diplomacia francesa e europeia, com o apoio sistemático de lideranças mundiais influentes

Dentre elas, o chanceler francês Laurent Fabius, o secretário de Estado americano, John Kerry, o presidente da França, François Hollande, o presidente dos EUA, Barack Obama, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon e a chanceler alemã, Angela Merkel.

O acordo muda o limite de aumento "seguro" da temperatura média da Terra de 2°C para próximo de 1,5°C, algo que parecia inimaginável apenas três semanas atrás. Mas existe uma profunda dissonância entre esse objetivo ambicioso e os caminhos genéricos e difusos que são formulados para atingi-lo.

Analisado, no entanto, sob o aspecto da necessária transição para uma economia de baixo carbono, que é a visão da comunidade científica, o acordo implica um progresso limitado, insuficiente e tardio. A humanidade vem tratando de enfrentar o problema da mudança climática desde 1992 e até agora o problema tem se agravado extraordinariamente.

Apesar de múltiplas conferencias e promessas as emissões globais de carbono aumentam extraordinariamente em ritmo intenso. À diferença de outros problemas globais (proteção dos direitos humanos, regulação financeira, liberalização comercial) a mudança climática é uma corrida contra o relógio.

Progressos incrementais —como tem sido o padrão nos outros problemas globais— são deficientes na mudança climática devido à existência dos limites do orçamento global de carbono.

As principais razões da insuficiência do Acordo de Paris são as seguintes:

1) As metas nacionais são voluntárias e não obrigatórias, devido à resistência dos EUA e da Índia principalmente.

2) A soma das metas nacionais, caso fossem plenamente implementadas —o que é pouco provável— já daria para aumentar em aproximadamente 3°C a temperatura média da Terra.

3) O conceito de descarbonização foi eliminado do acordo, não existindo nenhuma referência ao fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, cuja soma (diretos e indiretos) era equivalente a 5 trilhões de dólares em 2013 (7% do PIB mundial). O acordo evita falar de criação generalizada de impostos nacionais ao carbono de taxa crescente, único caminho efetivo para um avanço consistente para a economia de baixo carbono.

4) As propostas que estavam nas primeiras versões de acordo de reduzir as emissões totais de gases estufa entre 70% e 90% até o ano de 2050 foram substituídos por um difuso "o antes possível".

5) Os 100 bilhões de dólares ao ano de transferência de recursos dos países desenvolvidos para os países pobres, prometidos em Copenhague em 2009 e minimamente implementados, voltaram ao acordo, mas sem ficar claro o montante de recursos públicos (os únicos que poderiam ser realmente garantidos), além do fato de que esses 100 bilhões são insuficientes em relação ao que seria necessário e de que representam apenas 0,4% do PIB dos países desenvolvidos.

6) Os países de renda média negaram-se ao compromisso de também transferir recursos para os países pobres, com exceção da China.

7) O sistema de monitoramento de implementação das metas nacionais estabelecido é fraco, devido à resistência de países como China e Índia que consideram tal sistema uma intrusão à soberania nacional.

8) O sistema de revisão das metas, a cada 5 anos (iniciando em 2023), não obriga os países a aprofundarem suas metas.

Em síntese, o acordo avança, mas é fraco para a descarbonização da economia mundial. As empresas que investem em processos produtivos de baixo carbono crescem cada vez mais em importância, mas, infelizmente, as empresas que continuam com processos produtivos intensivos em carbono não são encorajadas a transformarem-se com suficiente rapidez.

Os processos de médio e longo prazo estabelecidos pelo acordo tornam impossível evitar a mudança climática perigosa. Para evitá-la, as emissões globais precisariam chegar a um pico em 2020 e imediatamente iniciar sua redução de forma acelerada. Pela lógica do acordo, as emissões chegarão a um pico entre 2030 e 2040 e sua redução posterior será bastante lenta.

EDUARDO VIOLA Viola é professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB)

ANA CRISTINA FRAGA é consultora da Câmara dos Deputados


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