Folha de S. Paulo


Ações contra Cuba ameaçam novos passos na reaproximação com os EUA

Um ano após o histórico anúncio da retomada das relações entre EUA e Cuba, as ações por expropriações movidas em território americano contra Havana após a Revolução Cubana podem atrasar passos complexos da reaproximação, como os voos comerciais e o fim do embargo.

São, ao todo, 5.913 processos indenizatórios, via Executivo, que somam cerca de US$ 1,9 bilhão –ou cerca de US$ 8 bilhões considerados os juros de cinco décadas.

As expropriações contra empresas e cidadãos americanos pelo regime foram justamente o motor para a adoção do embargo, em 1962.

"A não ser que Cuba pague as indenizações, os aviões cubanos podem ser confiscados [ao pousarem em território americano] como forma de pagamento", disse à Folha o advogado Mauricio Tamargo, que presidiu a comissão responsável no Departamento de Justiça por oito anos.

Pablo Martinez Monsivais - 14.ago.2015/Reuters
Members of the U.S. Marines raise the U.S. flag over the newly reopened embassy in Havana, Cuba, August 14, 2015. Watched over by U.S. Secretary of State John Kerry, U.S. Marines raised the American flag at the embassy in Cuba for the first time in 54 years on Friday, symbolically ushering in an era of renewed diplomatic relations between the two Cold War-era foes. REUTERS/Pablo Martinez Monsivais/Pool ORG XMIT: CUBM109
Fuzileiros navais hasteiam a bandeira dos EUA em frente à embaixada do país em Havana, em agosto

Cerca de 85% das ações, que não correm no sistema judicial, mas que foram recebidas, avaliadas e referendadas por uma comissão especial do Departamento de Justiça, são movidas por indivíduos.

Embora representem apenas 15% das reclamações, as empresas são responsáveis por US$ 1,7 bilhão do US$ 1,9 bilhão exigido. Entre os requerentes estão gigantes como Coca Cola, Exxon Mobil e Colgate-Palmolive.

Os EUA, contudo, também teriam seu débito –e em valor bem superior– com Cuba. O regime de Raúl Castro relatou à Assembleia-Geral da ONU que a dívida americana com Havana pelos danos causados à ilha pelo embargo seria de US$ 121 bilhões.

Para o advogado de origem cubana Pedro Freyre, especializado nas ações movidas contra Havana, no entanto, o pedido do regime não se sustenta pelas regras internacionais. "Não se pode indenizar um país por danos causados pela decisão de ele não comercializar com outro país. É uma questão de soberania."

Uma solução começou a ser discutida entre representantes dos dois governos no início deste mês. Para especialistas consultados pela reportagem, Cuba possivelmente não concordará em pagar o valor das indenizações aprovado pelo governo dos EUA.

Christopher Sabatini, da Universidade Columbia, sugere alternativas para o pagamento, como a redução do valor a ser pago para empresas específicas tendo como contrapartida condições de investimento favoráveis no futuro.

"Ações nunca foram pagas na íntegra, como no caso da China, do Vietnã ou do Leste Europeu. Mas alguma compensação terá que ser paga para garantir que haverá, no futuro, respeito aos direitos de propriedade em Cuba", diz.

VOOS COMERCIAIS

Nesta quarta-feira (16), os dois países chegaram a um acordo para retomar os voos comerciais, segundo autoridades de ambos os lados ouvidas pela agência Associated Press sob condição de anonimato.

Se concretizada, a medida será uma das de maior impacto desde o anúncio do restabelecimento das relações diplomáticas entre Havana e Washington, que completa um ano nesta quinta-feira (17).

Os funcionários disseram à AP que houve um entendimento entre representantes do setor aéreo e que um acordo formal entre os governos pode ser anunciado "nos próximos dias". Não há, previsão, por enquanto, de quando os primeiros aviões decolariam de um país para outro.

Em entrevista coletiva em Havana, a diretora para EUA da chancelaria de Cuba, Josefina Vidal, afirmou que "em breve [as autoridades] anunciarão um acordo preliminar sobre esse tema".

Na terça-feira (15), o encarregado de negócios da embaixada americana em Havana, Jeffrey DeLaurentis, havia dito que os voos poderiam ser retomados até o fim do ano. Segundo ele, o fluxo de americanos que viajaram a Cuba teve um aumento de 50% após a reaproximação.

Atualmente, cubanos ou americanos precisam pegar voos charter para ir ao outro país, passando por rígidos controles de documentação e bagagem.


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