Folha de S. Paulo


ANÁLISE

COP21 traz sinal claro de que era de combustível fóssil chega ao fim

A primeira virtude do Acordo de Paris é o seu caráter universal.

O instrumento que substituirá o Protocolo de Kyoto não poderia cometer o mesmo erro deste último, que, ao estabelecer obrigações de corte de emissões de gases de efeito estufa apenas para os países desenvolvidos –que nem sequer foi ratificado pelos EUA, maior emissor à época– não cumpriu a missão a que se propunha.

O reconhecimento por parte de 195 países, inclusive os em desenvolvimento –como a China, hoje a maior emissora–, de que, ainda que de forma diferenciada, compartilham a responsabilidade de combater as mudanças climáticas, aumenta as chances de que consigamos resolver esse problema e torna o acordo histórico.

A chave do sucesso para atingir esse grau de inclusão pode ser resumida em uma palavra: flexibilidade.

O consenso em Paris construiu-se em cima de contribuições voluntárias nacionalmente determinadas (INDCs), em um processo "de baixo pra cima", que permitiu, a cada nação, definir quais metas poderia verdadeiramente assumir.

Também a fim de garantir maior adesão, não se conferiu o status de "legalmente vinculantes" às INDCs. Isso, somado a alguns resultados decepcionantes –como as tímidas disposições relativas ao financiamento–, poderia levar a uma visão pessimista do Acordo de Paris, não fosse pelo seguinte tripé em que este se apoia: ambição, revisão e transparência.

Ambição porque se pretende conter o aumento da temperatura média global em bem menos do que 2ºC acima dos níveis pré-industriais, procurando não passar de 1,5ºC.

A menção a esta última temperatura foi uma vitória dos pequenos países insulares e dos mais vulneráveis, que não poderiam se acomodar com um cenário em que estariam fadados a desaparecer ou a sofrer elevados prejuízos –nesse caso, a necessidade de aprovação por consenso pode ter servido, ao contrário do que costuma acontecer, a forçar a adoção de um denominador comum acima do que algumas nações, desfavoráveis a essa decisão, mas desejosas de um acordo, normalmente aceitariam.

Apesar dessa pretensão, as INDCs apresentadas são incapazes de impedir que a temperatura suba 2,7ºC ou mais.

Assim, estas devem ser aperfeiçoadas de forma progressiva e comunicadas a cada cinco anos, por um mecanismo de revisão.

O limite de 1,5ºC passa a ser um norte, e a sociedade deve começar a pressionar os governos desde já a melhorar suas metas para honrar o compromisso assumido em Paris.

Enfim, há que ter confiança mútua de que cada país realmente vá efetuar as contribuições prometidas. Por isso, a transparência –será preciso medir, relatar e verificar o cumprimento das metas– é outro aspecto essencial previsto no documento.

Graças a esses três elementos, o Acordo de Paris confere uma sinalização clara de que a era dos combustíveis fósseis está chegando ao fim, dando lugar à nova economia de baixo carbono.

Esse movimento, como ressaltaram vários líderes políticos na plenária final, é irreversível e irrefreável, o que já se depreendia da posição das entidades empresariais e da sociedade civil nos eventos paralelos da COP21.

O círculo virtuoso da sustentabilidade está em movimento, e a mensagem que veio de Paris contribuiu para acelerá-lo um pouco mais.

EDUARDO FELIPE MATIAS participou da COP21, é sócio de NELM Advogados e autor de "A Humanidade contra as Cordas", vencedor do Prêmio Jabuti de 2015


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