Folha de S. Paulo


Após derrota em eleições legislativas, Maduro ameaça se radicalizar

Carlos Garcia/Reuters
O presidente Nicolás Maduro, durante um comício em Caracas antes das eleições do último dia 6
O presidente Nicolás Maduro, durante um comício em Caracas antes das eleições do último dia 6

Acossado pela devastadora derrota na eleição parlamentar venezuelana, o governo do presidente Nicolás Maduro reage de forma ambígua à insatisfação expressada nas urnas e ameaça se radicalizar.

A oposição pôs fim a quase 17 anos de hegemonia governista ao arrebatar 112 das 167 cadeiras da Assembleia Nacional unicameral no último domingo (6). Isso equivale a uma maioria de dois terços, que garante prerrogativas para interferir nos demais poderes, controlados pelo governo.

A bancada chavista na próxima legislatura, que começa em 5 de janeiro, será de 55 deputados, quase metade da atual.

novo parlamento venezuelano - Assume em janeiro por período de cinco anos

O chavismo foi humilhado até em bastiões históricos, como o Estado de Barinas, terra natal de Hugo Chávez, e a favela de 23 de Janeiro, em Caracas, onde ele votava.

Sucessor de Chávez, Maduro reconheceu o triunfo inimigo e prometeu uma reforma ministerial para "fazer um processo de reestruturação e renovação profunda do governo." Neste sábado (12), em discurso a militares, disse que seguirá lutando pelo país "até o infinito e além".

Obras nas barragens

Ele, no entanto, se eximiu da responsabilidade pela derrota e apontou dois culpados.

O primeiro é a "guerra econômica" supostamente travada por empresários que geram desabastecimento para jogar a população contra o governo. O segundo é a população carente, a quem Maduro criticou por ter "votado errado."

"Eu queria construir quatro milhões de casas populares, mas agora não sei. Pedi o seu apoio e você não me deu", bradou Maduro na TV, apontando o dedo para a câmera.

Desde domingo, o governo atua para impedir a oposição de adotar, na próxima legislatura, as reformas prometidas. Contra a liberalização da economia, Maduro proibiu demissões até 2018.

Ele também disse que bloqueará qualquer lei que "prejudique o povo e os trabalhadores". A declaração foi interpretada como veto antecipado a medidas para atenuar o controle de preços e de câmbio, que economistas consideram a razão principal por trás do desabastecimento.

O presidente afirmou, ainda, que resistirá à convocação de um referendo para removê-lo do poder e à lei de anistia para libertar manifestantes e políticos presos.

números da crise - Chavismo chegou ao poder em 1999

Para se garantir juridicamente neste embate, o chavismo manobra desde antes da eleição para reforçar seu controle sobre o Tribunal Superior de Justiça. A aposentadoria de 12 dos 32 magistrados da corte foi antecipada para que a atual legislatura escolha os substitutos.

Segundo o analista e consultor Edgard Gutierrez, Maduro ignora o veredito das urnas. "Sua resposta tem sido uma fuga para a frente com radicalização, e isso vai se acirrar."

VOZES DISSONANTES

Enquanto os caciques do chavismo parecem cerrar fileiras junto com Maduro, proliferam vozes dissonantes entre militantes e intelectuais.

Uma das autocríticas partiu de Miguel Pérez Pirela, apresentador no canal chavista. Ele rejeitou "culpar o povo" e exigiu que se assumam "responsabilidades e culpas".

Outra crítica partiu dos ex-ministros de Chávez Héctor Navarro e Jorge Giordani, que haviam sido banidos por Maduro em 2014. Na quarta (9), eles chamaram a imprensa para analisar a derrota governista, mas militantes hostis encerraram o evento à força.

"Não tenho dúvidas de que a ordem partiu de cima. Isso só reforça a imagem de intolerância e alienamento do governo", disse Navarro à Folha.

"Cansamos de avisar, mas Maduro proibiu críticas e ignorou nossas recomendações para consertar a economia", afirmou Navarro, que defende uma lei anticorrupção e estímulos à produção no lugar dos ataques ao setor privado.

O ex-ministro também prega diversificação urgente da economia diante da degringolada dos preços do petróleo, praticamente a única fonte de dólares do Estado.

Apesar do revés, o comunicador social Gonzalo Gómez, cofundador do site chavista dissidente Aporrea, vê boas chances de sobrevivência se houver correção de rumo.

"A oposição deveria agir com cautela, pois a maioria dos votos que obteve são emprestados por chavistas irritados."

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QUEM PERDE

Jorge Rodríguez
Chefe de campanha foi a face mais visível e uma das mais agressivas do chavismo nos últimos meses, mas viu toda Caracas, inclusive o município Libertador, do qual é prefeito, votar em peso pela oposição

Adán e Argenis Chávez
Irmãos de Hugo Chávez foram humilhados no Estado de Barinas, terra natal do ex-presidente. Adán, governador, não conseguiu assegurar a vitória de Argenis, candidato por um dos circuitos

Diosdado Cabello
Atual presidente da Assembleia Nacional passou as últimas três semanas fazendo campanha em Monagas, mas a oposição acabou ganhando no Estado. Cabello foi reeleito por voto de lista, mas perde o comando do Legislativo

Tarek El Aissami
Um dos governadores mais poderosos do país, o linha-dura viu a oposição arrebatar todos os circuitos em seu Estado de Aragua. Se o chavismo tivesse conquistado uma circunscrição em Aragua, teria impedido a maioria de dois terços

Francisco Ameliach
Peso-pesado do chavismo radical e governador de Carabobo, conseguiu manter sob domínio governista apenas um dos cinco circuitos do Estado


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