Folha de S. Paulo


Texto provisório da COP21 está entre perigoso e mortal, dizem cientistas

A crítica mais devastadora da COP21, a conferência do clima de Paris, não partiu nesta sexta-feira (11) nem de um país nem de uma ONG. Veio de cientistas, numa entrevista coletiva.

Para o pesquisador mais desbocado, Kevin Anderson, do Centro Tyndall para Pesquisa de Mudança do Clima (Reino Unido), o acordo em negociação na etapa final do encontro fica "entre o perigoso e o mortal". Ganhou aplausos.

Alain Jocard/AFP
Manifestantes com faixa:
Manifestantes com faixa: "Somos todos ursos polares, vamos agir pelo clima", em Paris

Eis a declaração completa: "O texto pode ser prático para quem está aqui, brancos e ricos do hemisfério Norte. Para os tipicamente não brancos no hemisfério Sul, o presente texto está em algum ponto entre o perigoso e o mortal".

Anderson disse mais: "É mais fraco que Copenhague. O texto de Copenhague incluía emissões de aviação e navegação, que juntas são tão grandes quanto as do Reino Unido e da Alemanha combinadas, mas não são mencionadas no texto de Paris. Não há referência a combustíveis fósseis no documento".

Na mesa com Anderson estavam Hans Joachim Schellnhuber, do Instituto Potsdam, Steffen Kallbekken, do Centro para Políticas Internacionais de Clima e Energia, Johan Rockström, do Centro de Resiliência de Estocolmo, e Jori Rogelj, do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicada.

ALVO DE 1,5ºC

Houve consenso entre eles de que foi um avanço incluir no Acordo de Paris a referência ao alvo de 1,5ºC de aquecimento da atmosfera.

"Com 1,5ºC, podemos estar bem certos de que não iremos provocar um derretimento irreversível da calota de gelo da Groenlândia, o que pode acontecer se ultrapassarmos 2ºC", disse Schellnhuber.

O problema é que, para ter 1,5ºC, as emissões mundiais de gases do efeito estufa têm de alcançar um pico em 2020 e em seguida cair a zero até 2050. Mas desapareceram do texto compilado pelo presidente da COP, o chanceler francês Laurent Fabius, quaisquer referências à descarbonização.

Um novo texto só será apresentado por Fabius na manhã de sábado (12), um dia depois do marcado para terminar a conferência. Na versão anterior, só de fala de pico de carbono "tão cedo quanto possível" e de "empreender reduções rápidas depois disso para alcançar neutralidade em emissões de gases do efeito estufa na segunda metade do século".

Os cientistas todos consideraram essa formulação inconsistente com o alvo de 1,5ºC. "Já fui a várias COPs, e o penúltimo texto é sempre mais forte que o último", alertou Schellnhuber. "Mesmo essa referência a neutralidade de emissões na segunda metade do século pode ficar ainda mais fraca."

Para os pesquisadores, vai ficando claro que o Acordo de Paris dependerá de modo crucial de emissões negativas para não estourar o orçamento de carbono que lhe resta. Ou seja, de tecnologias ainda não comprovadas para retirar CO2 da atmosfera.

Para Kevin Anderson, admitindo que reduções negativas não sejam implementadas de maneira significativa, "vamos precisar de reduções dramáticas em emissões globais, algo como 7-8% a cada ano, e começando agora".

Na sua opinião, a chance de ficar em 1,5ºC é "menos de 10%, incrivelmente diminuta". E 2ºC? "Temos todas as ferramentas e tecnologias, só escolhemos não fazê-lo."

Os cientistas querem mais. Kallbekken recomendou: "Quando o acordo entrar em vigor em 2020, provavelmente já teremos exaurido nosso orçamento de carbono".

Eles também querem um processo de previsão mais precoce dos compromissos nacionais (as chamadas INDCs) do que está no texto de Fabius (em 2023).

Rockström recomendou que 1,5ºC a 2ºC, a partir de agora, tem de ser tomado como um ponto fisicamente não negociável: "Não podemos ter uma situação em que se diz abaixo de 2ºC, de um lado, e de outro INDCs que não chegam a isso. Parece que só há uma aspiração política a 2ºC, mas que não se traduz em nada sério em termos operacionais".


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