Folha de S. Paulo


'Acordo de Paris não será suficiente', diz ativista fundador da ONG 350.org

Bill McKibben, 55, foi um dos responsáveis pela Marcha do Clima de Nova York, que reuniu mais de 300 mil pessoas em setembro de 2014.

Neste ano, ONGs impedidas de repetir a passeata na COP21, por razões de segurança, realizaram-nas em 2.200 outras partes do mundo.

Em Paris, limitaram-se a enfileirar uma coleção de sapatos na rua (há uma manifestação marcada para sábado (12), contudo, nas imediações do Arco do Triunfo, em Paris).

"Na realidade, não me incomodou tanto assim", disse o fundador da organização não governamental 350.org sobre a proibição na Cúpula do Clima em Paris. "A pressão sobre os negociadores veio nos últimos três ou quatro anos, não agora."

O nome da ONG é uma referência à concentração na atmosfera do gás do efeito estufa CO2 a que o mundo teria de retornar (350 partes por milhão; hoje estamos em 400 ppm) para afastar a perspectiva de uma mudança climática arriscada.

McKibben escreveu em 2012 uma das primeiras reportagens sobre a "bolha de carbono", na revista "Rolling Stone", intitulada "A nova e apavorante matemática do aquecimento global".

A mensagem central é mesmo alarmante: reservas escrituradas de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) contêm o quádruplo do carbono que é possível queimar se for para manter o aquecimento global abaixo de 2°C, como recomendam os climatologistas.

A 350.org e outras ONGs dão força agora a uma campanha pelo "desinvestimento" em combustíveis fósseis. A meta é que mais e mais bancos e fundos anunciem o compromisso de livrar-se de papéis do setor.

Na terça-feira (8), por exemplo, o fundo soberano da Noruega informou na COP21 que vai gradualmente reorientar US$ 100 bilhões hoje investidos em empresas de energia fóssil. O fundo todo reúne US$ 900 bilhões.

Segundo McKibben, centenas de instituições, com um patrimônio total de US$ 3,4 trilhões, já anunciaram que irão desinvestir em fósseis. Para comparação, o PIB dos EUA em 2014 foi de US$ 17,4 trilhões.

O jornalista e militante escreveu em 1999 um livro ("Maybe One") em que recomendava que cada família tivesse apenas um filho, para diminuir a pressão populacional sobre o planeta. Sua filha tem hoje 22 anos e se forma em história neste ano.

"Ela se saiu muito bem, como qualquer outro filho único." McKibben, contudo, não projeta um futuro encorajador para o filho que ela tiver: "A nova normalidade não será um mundo tão bom quanto o que tivemos".

Leia a entrevista dada à Folha durante a COP21, na terça-feira, dia de seu aniversário.

Emma Cassidy/Survival Media Agency/Divulgação
O fundador da ONG 350.org, Bill McKibben
O fundador da ONG 350.org, Bill McKibben

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Folha - A 350.org existe há sete anos. O sr. não se desanima com o fato de que as emissões de carbono só subiram nesse período?
Bill McKibben - Ainda estou muito entusiasmado com o movimento. A razão pela qual Copenhague falhou é que não havia um movimento de massa por trás da questão da mudança do clima.

Cada líder, Obama, Lula, seja quem for, poderia voltar para casa com um acordo fracassado e não lhe cobravam preço algum. Ninguém ficava bravo.

Agora não dá para acontecer isso. Tivemos milhões de pessoas nas ruas. Tivemos a maior marcha de todas, sobre qualquer coisa, nos Estados Unidos, em muitos anos.

Há um grande movimento para fazer pressão. É por isso que haverá algum tipo de acordo aqui em Paris. Não será perfeito, não será suficiente. Mas estamos começando a nos tornar algo tão poderoso quanto a indústria dos combustíveis fósseis, porque somos muitos.

E isso apesar de as marchas terem sido proibidas aqui em Paris, por motivo de segurança.

Este é um caso especial. Na realidade, não me incomodou tanto assim. Acho que deveriam ter permitido, mas isso nos possibilitou decidir que precisaríamos de marchas em outros lugares do mundo. Tivemos no final 2.200 marchas, em quase todos os países.

Mas o fato de não ser possível realizá-la aqui em Paris não afastou a pressão dos negociadores?
Não. A pressão sobre os negociadores veio nos últimos três ou quatro anos, não agora. Muito das negociações é um tipo de teatro, tudo já foi decidido no último ano, quando os países apresentaram suas INDCs [metas de redução de emissões de carbono].

O sr. disse há pouco que o acordo em Paris não será perfeito. Parece um eufemismo diante do que a 350.org quer avançar e o que está saindo daqui. Está longe disso.
Claro que sim. Mas eu diria que, quando saímos de Copenhague, o mundo caminhava para ficar 5°C mais quente, e sairemos daqui caminhando para algo como 3,5°C mais quente.

O que ainda é muito.
Demais, quase que igualmente ruim. E o que ainda é pior, agora já se passaram seis anos, seis anos a menos para nos ajustarmos.

O que está melhor é que há o começo de algum progresso, talvez, finalmente, por mais hesitante que seja, algum movimento para a frente, sobre o qual se pode construir algo.

Isso nos mostra que, se fizermos pressão com força, as coisas podem mudar. Não sei se elas podem mudar rápido o bastante. Escrevi o primeiro livro sobre mudança climática e sei coisas demais sobre a ciência do clima, o que quer dizer que estou amedrontado o tempo todo.

Já perdemos parte do gelo de verão no oceano Ártico, provavelmente perdemos a ancoragem da plataforma de gelo na Antártida Ocidental, os oceanos estão 30% mais ácidos. Na última semana vimos chuvas e enchentes recordes em Chennai [cidade na Índia, antiga Madras], nas Maldivas, no Reino Unido, e isso numa semana só. O mundo está fora de controle.

Não digo que a gente vá vencer, só que é bom finalmente ter um movimento que possa opor alguma luta, para que a indústria dos combustíveis fósseis não se safe sem alguma luta.

A 350.org tem feito esforço para avançar a causa do desinvestimento em combustíveis fósseis. Mas os números são ainda baixos, não?
Foram baixos por algum tempo, mas agora são surpreendentemente enormes.

Um ano atrás tínhamos dotações no montante de US$ 50 bilhões que desinvestiram, mas aqui na COP21 divulgamos que agora são US$ 3,4 trilhões. Este é o valor total dos portfólios que anunciaram não investir mais em combustíveis fósseis.

E isso comparado com um total de quanto?
Não sei. Não sei nem se alguém sabe quanto de dinheiro há em investimento no mundo.

O fundo de pensão dos funcionários públicos e o dos professores da Califórnia, dois dos 20 maiores do mundo, desinvestiram.

O fundo soberano da Noruega, que acredito ser o maior acervo de capital para investimento no mundo. Oxford, Stanford, London School of Economics, Georgetown, Edimburgo, Sidney, uma longa lista.

O que realmente aconteceu com a campanha do desinvestimento é que ela se ancorou na ideia de que as empresas de combustíveis fósseis têm muito mais carbono nas suas reservas do que podem usar. Ninguém sabia disso três anos atrás.

Escrevi o primeiro artigo sobre isso, mas agora não somos mais só eu e a "Rolling Stone", mas os dirigentes do Banco Mundial do FMI, do Deutsche Bank, do Bank of England –todos estão dizendo a mesma coisa: temos carbono demais, precisamos mantê-lo no subsolo.

O sr. acha que está ganhando impulso a ideia de que empresas, e não só as de combustíveis fósseis, tenham de tornar públicos seus riscos associados com a mudança climática?

Definitivamente. É uma medida pequena, mas útil. E acredito que, dentro de pouco tempo, reguladores federais e instituições como a Securities and Exchange Commission farão isso também.

O sr. tem fé nisso?
Não tenho fé em nada. Só acho que temos de exercer pressão com toda a força que pudermos, o tempo todo.

Acredita que o setor privado e os mercados estão avançando mais rápido nessa matéria do que o processo de negociação internacional sobre clima?
Sim. Acho que o processo de negociação, nesta altura, tem muito mais a ver com sinalizar para investidores onde o futuro está, mais do que qualquer outra coisa.

Investidores tendem a olhar mais para a frente, o que eles querem é ganhar dinheiro com as coisas novas.

Que futuro espera para sua filha –e seus netos?
Há momentos em que prefiro não pensar nisso. Hoje é o meu 55° aniversário, o que me fez pensar sobre a minha própria vida, que não será mais tão longa.

Você e eu teremos memórias vívidas do que o mundo era antes de começar a ser ferrado. Temo que, para nossos netos, a nova normalidade não será um mundo tão bom quanto o que tivemos.

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RAIO-X
Nome: Bill McKibben
Idade: 55 anos
Graduação: Universidade Harvard, onde foi editor do jornal "Harvard Crimson""
Profissão: jornalista e ambientalista
Obras: "O Fim da Natureza" (1989, livro pioneiro sobre mudança climática); "Oil and Honey"; "Maybe One"
Prêmios: Right Livelihood Prize ("Nobel alternativo"); Gandhi Prize; Thomas Merton Prize


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