Folha de S. Paulo


Em posse, Mauricio Macri pede fim do personalismo na Argentina

Posse de Macri

O presidente da Argentina, Mauricio Macri, tomou posse nesta quinta-feira (10) e liderará o país vizinho nos próximos quatro anos. Com sua chegada, encerra-se o ciclo de 12 anos da família Kirchner na Casa Rosada.

O novo presidente argentino chegou às 11h30 locais (12h30 em Brasília) ao Congresso argentino e jurou dez minutos depois, com antecipação em relação ao programa original. Depois, às 13h15 (14h15 em Brasília), ele recebeu a faixa e o bastão presidencial na Casa Rosada, sob o olhar dos convidados locais e dirigentes estrangeiros.

A presidente Dilma Rousseff, que só conseguiu chegar a Buenos Aires às 11h45 locais, perdeu o evento no Congresso. Com o atraso, a comitiva brasileira desistiu de ir à sede do Legislativo e seguiu direto para a Casa Rosada.

Em discurso de 26 minutos, Macri afirmou que os argentinos estavam cansados "da prepotência e do enfrentamento inútil", pediu unidade nacional e destacou a necessidade de abandonar o personalismo.

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"A política não é uma competição entre dirigentes para ver quem tem o ego maior; é o trabalho de dirigentes modernos que trabalham para servir aos demais. Quero pedir que nosso ponto de encontro seja a verdade."

Ele se disse aberto ao diálogo com todos os partidos políticos. "Quero a contribuição de todos, os que se sentem de direita, os de esquerda, os peronistas e os antiperonistas. Essa diversidade nos enriquece e nos faz melhores."

O novo presidente voltou a falar em seu objetivo de zerar a pobreza e a fome e diminuir a desigualdade. "Nós vamos cuidar de todos: o Estado estará onde for necessário, principalmente para os que têm menos".

"O país tem setores que pensam de maneiras diferentes, mas não está dividido. Já acabaram as eleições: agora todos devemos nos unir para crescer e melhorar. Prometo trabalhar incansavelmente para que todos os argentinos estejam vivendo melhor."

Na sede de governo argentino, Macri recebeu a faixa e o bastão presidencial das mãos do presidente do Senado, Federico Pinedo, designado depois da confusão da cerimônia de posse. No local, encontrou-se com dirigentes estrangeiros.

Dentre eles, Dilma e os presidentes Evo Morales (Bolívia), Michelle Bachelet (Chile), Juan Manuel Santos (Colômbia), Rafael Correa (Equador), Horacio Cartes (Paraguai) e Tabaré Vázquez (Uruguai). A representante dos Estados Unidos foi a subsecretária de Estado para América Latina, Roberta Jacobson. Também foi à Casa Rosada o rei Juan Carlos, da Espanha.

Aos milhares de simpatizantes que lotaram a Praça de Maio, onde fica a Casa Rosada, e as ruas vizinhas, Macri voltou a pedir o apoio dos argentinos para governar. "Prometo sempre dizer-lhes a verdade, ser sincero, e mostrar quais são os problemas. Sei que vocês, o maravilhoso povo argentino, são inteligentes para entender e trabalharmos juntos. Esta Argentina construiremos todos juntos."

O presidente terminou o breve discurso ao público com uma de suas marcas: dançou na varanda da sede de governo, juntamente com a primeira-dama, Juliana Awada, a vice, Gabriela Michetti, e o chefe de governo, Marcos Peña.

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ELEIÇÃO

O ex-chefe de governo da cidade de Buenos Aires chegou à Presidência com 51,4% dos votos válidos, após derrotar o ex-governador de Buenos Aires Daniel Scioli, candidato governista, em um segundo turno inédito em 22 de novembro.

Sob a coalizão Mudemos, o novo mandatário prometeu levar a Argentina mais para o centro político, com um programa de governo mais próximo do mercado financeiro, menos protecionista e sem a política ideológica conduzida por sua antecessora.

Uma das primeiras medidas de Macri deverá ser unificar o mercado de moeda estrangeira, que foi restringido por sua antecessora, e aprovar novas taxas para atrair investimentos estrangeiros ao país.

A equipe econômica, já anunciada, é composta por ex-empresários e liderada por Alfonso Prat-Gay, que participou da recuperação do país da crise de 2001. O anúncio foi bem recebido pelo mercado financeiro.

Na política externa, pretende ter uma relação mais afastada com países ideologicamente próximos a Cristina Kirchner, como a Bolívia e a Venezuela. Como exemplo, defendeu a libertação de presos políticos de Caracas e ameaçou aplicar a cláusula democrática do Mercosul contra o presidente Nicolás Maduro.

Por outro lado, deu sinais de que tem a intenção de estreitar os laços com o Brasil. Na semana passada, visitou Dilma Rousseff em Brasília e reuniu-se com empresários na Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).

TURBULÊNCIA

Macri toma posse depois de três semanas de uma transição turbulenta. Cristina Kirchner não participará da cerimônia de posse, no primeiro caso desde o fim da ditadura militar na Argentina, em 1983.

A despedida dela foi feita na noite de quarta (9), em um ato político com milhares de militantes aliados, alguns pedindo sua volta em 2019. Horas depois de terminado o comício, aliados de Mauricio Macri foram às ruas e celebraram a assunção do novo presidente em frente a seu apartamento, em Palermo.

A decisão foi tomada pela ex-mandatária depois do impasse sobre o local em que Macri receberá a faixa e o bastão presidenciais. Cristina queria que a cerimônia fosse no Congresso, enquanto Macri queria recebê-los na Casa Rosada.

No último sábado (5), os dois se falaram sobre a cerimônia, mas a discussão terminou sem acordo. Cristina disse no dia seguinte que seu sucessor lhe gritou no telefone, exigindo que a posse fosse na sede de governo.

Dias depois, as equipes de Cristina e Macri abriram uma briga judicial sobre o fim do mandato. Na quarta (9), a Justiça definiu que a presidente deixava o cargo à 0h de quinta (10), irritando os grupos peronistas.

Durante as 12 horas entre a saída de Cristina e a posse de Macri, o país foi comandado pelo presidente interino do Senado, Federico Pinedo.

A animosidade da transição entre os dois, que trocaram farpas em oito anos de convivência política, teve seu início no primeiro encontro. A reunião na Quinta de Olivos, residência oficial da Presidência argentina, durou apenas 20 minutos e não tratou da situação do país.

Integrantes do novo governo também reclamaram da falta de informação de suas equipes antecessoras sobre a crise econômica e a situação em que os peronistas entregarão o governo para Mauricio Macri.

Com informações de MARIANA CARNEIRO, de Buenos Aires.


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